Ao longo de 2014 para cá, tem crescido expressivamente o número de Recuperações Judiciais requeridas pelas empresas que estão em dificuldade econômica e financeira. Em breve estudo do Serasa Experian[1], apenas no ano de 2016, já existem 427 pedidos de Recuperação Judicial. Contudo, será que tais pedidos de fato ajudaram essas empresas a saírem dessa crise?
Inúmeros diretores, sócios e empresários, vêm até o nosso escritório frustrados com a estratégia adotada no seu pedido de Recuperação Judicial. Isso porque, em alguns casos os devedores vão encontrando diversas dificuldades no curso da ação.
As maiores queixas daqueles que se encontram nessa situação dizem respeito à eventual demora no deferimento do pedido de Recuperação Judicial, à burocracia para suspender os demais processos (tal como as execuções, ações monitórias, ações de busca e apreensão, trabalhistas, etc), e à penhora dos ativos da empresa em recuperação – até mesmo os essenciais às suas atividades, por conta da continuidade dos processos ajuizados em face da empresa.
A conclusão a que os responsáveis dessas empresas em recuperação (frustrada) chegam é que na época do ajuizamento do pedido de recuperação, a empresa tinha condições de se recuperar. Porém, após todos os problemas vivenciados, e a demora na conclusão da Recuperação Judicial, esse instituto já não lhes serve mais.
Essas adversidades constituem os relatos esmorecidos daqueles que um dia puderam assistir o sucesso de suas empresas, e que em um dado momento, por conta de uma situação econômico-financeira de crise (muitas vezes decorrente de fatores externos, alheios à sua empresa), e diante a inexequibilidade da lei, hoje assistem de camarote à sua queda.
Em suma, na teoria, a Recuperação Judicial encanta aos olhos de qualquer empresário, CEO, e diretor, que se veem responsáveis pela saúde financeira da empresa e têm, no sangue, o espírito de um comerciante, de um industrial, que busca até o fim manter a sua atividade empresarial, mesmo em situações absolutamente extremas e adversas.
A bem da verdade, o que vemos na prática, em determinadas situações, é algo muito diferente da ilusão da Lei nº 11.101, de 2005 – lei que regula a recuperação judicial ou extrajudicial, e a falência. No dia-a-dia é que encontramos a dificuldade na efetiva suspensão de todos os processos propostos pelos credores da empresa em recuperação, na suspensão das penhoras que inviabilizam a continuidade da empresa, corriqueiramente nos deparamos com a habilitação retardatária de credores, e, não raro, verificamos a tentativa da personalidade jurídica ser desconsiderada, com o propósito de afetar o patrimônio dos sócios e responsáveis pela empresa, fazendo com que esses, pessoalmente, respondam pelos débitos adquiridos no exercício da atividade empresarial.
Normalmente é o risco da desconsideração da personalidade jurídica, e a quantidade de penhoras efetivadas no curso da Recuperação Judicial, que estimulam o interesse dos responsáveis em buscar um Plano B.
Quando um caso é avaliado e conclui-se que a Recuperação Judicial não cumpriu o seu papel (ou seja, não permitiu que a empresa recuperasse suas atividades), levanta-se a hipótese de falência. Apesar da resistência moral, esse é o Plano B capaz de acalentar os ânimos, encerrar as atividades legalmente, e de quitar os credores (até o limite da massa falida), permitindo que os sócios e administradores ganhem mais fôlego para continuar suas vidas pessoais e profissionais, ainda que em outros negócios.
Nessas situações, busca-se a convolação da Recuperação Judicial em Falência, a qual, dependendo do momento, pode ser decretada pelo Juiz, nos termos do artigo 73 da Lei nº 11.101, de 2005: (i) por deliberação da assembleia geral de credores; (ii) pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação; (iii) quando o plano de recuperação for rejeitado; ou (iv) pelo descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação.
Ainda, é possível que haja a convolação por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, quando (i) o devedor, sem relevante razão de direito, não pagar, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência; ou, quando (ii) executado por qualquer quantia líquida, não pagar, não depositar e não nomear à penhora bens suficientes dentro do prazo legal; ou, ainda, quando (iii) o devedor praticar qualquer atos que prejudiquem a sociedade empresária, elencados nas alíneas do artigo 94, inciso III, da Lei nº 11.101, de 2005, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
“a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo; d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo; f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.”
Assim, em qualquer dessas situações a Recuperação Judicial será “convertida” em Falência, e então, dar-se-á início ao processo falimentar da empresa: o devedor será afastado de suas atividades, visando preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos (ou seja, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor), e o falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência até a sentença que extingue suas obrigações.
Entretanto, mesmo após o encerramento da Falência, por vezes, os credores que não receberam qualquer quantia por insuficiência de bens da empresa falida, acabam ajuizando nova ação em face dos sócios da falida, buscando desconsiderar a personalidade jurídica da empresa. Nesse momento, serão analisados todos os requisitos ensejadores da desconsideração da pessoa jurídica, quais sejam: insuficiência patrimonial da devedora, e desvio de finalidade ou confusão patrimonial (abuso da personalidade jurídica), nos termos do artigo 50 do Código Civil. Após a análise dos requisitos, se constatada a sua ausência, a personalidade jurídica será mantida e os bens dos sócios continuarão protegidos.
Portanto, a convolação da Recuperação Judicial em Falência é o Plano B mais indicado para aqueles que tiveram a sua recuperação empresarial frustrada, e que pretendem encerrar as suas atividades da forma mais segura possível.
Entretanto, é importante ressaltar que nem todas as Recuperações Judiciais são prejudicadas a ponto de ficarem abaixo das expectativas geradas. Por essa razão é que aquelas empresas que se encontram em dificuldade financeira-econômica devem se planejar para verificar qual a melhor alternativa a ser adotada, pontuando cada etapa da estratégia, para que a empresa não sofra as consequências de uma má gestão no Pedido de Recuperação Judicial.
Notas
[1] http://noticias.serasaexperian.com.br/pedidos-de-recuperacao-judicial-no-comercio-dobram-em-2016-revela-serasa-experian/
Por Tulio Zucca e Michelle Rosa Ferreira
Fonte: tributário.com.br