Segundo o Regulamento do IPI (RIPI), é condição para aplicação da suspensão do imposto nas remessas com fim específico de exportação que os produtos sejam remetidos, pelo estabelecimento industrial, diretamente para o local de embarque, ou para recinto alfandegado, por conta e ordem da comercial exportadora.
No passado, a referida condição de suspensão do IPI se justificava pelos recursos de fiscalização que estavam ao alcance da RFB. Afinal, não havia controles informatizados das exportações indiretas e uma das estratégicas de controle era que o industrial, ao vender seus produtos a Trading Companies ou a Comerciais Exportadoras, os remetesse diretamente ao local de embarque.
Ocorre que, nos dias hodiernos, não é plausível que esta condição de suspensão prevaleça.
E, aqui, penso ser relevante trazer à baila a teoria tridimensional do direito, a qual traduzo em brevíssimas palavras. Proposta por Miguel Reale, em suma se baseia no trinômio fato, valor e norma. O Direito, sustenta Reale, é uma ordem de fatos integrada em uma ordem de valores. Um certo valor é atribuído às coisas e aos atos em razão dos resultados que produzem. Isto quer dizer que os fatos e os valores que deles decorrem estão intimamente implicados. E uma vez que as normas são editadas justamente a partir da percepção desses determinados fatos e valores, a sua interpretação deve considerar todas as dimensões, porque se complementam.
O valor jurídico buscado nas operações sob análise é a efetiva exportação dos produtos, porque é um dos pilares do fortalecimento econômico do país. E, para fomentar mais e mais operações com o exterior, permitiu-se que não só empresas exportassem diretamente, mas também indiretamente, quiçá para que aquelas de pequeno porte, ou outras que de algum modo não acessavam diretamente o mercado externo, pudessem participar das relações mercantis transnacionais.
Paralelamente a isso, não se pode perder de vista que, ao tempo em que foram editadas as normas contidas no artigo 42, V e § 1º do RIPI/02 (atualmente na redação do artigo 43, V, §1º, do RIPI/10), os mecanismos de fiscalização eram necessariamente presenciais, seja nas dependências dos recintos alfandegados, seja posteriormente junto às empresas, com a análise de documentos fiscais, comerciais, contábeis, etc. E para evitar fraudes, ou mesmo para viabilizar plenos poderes fiscalizatórios ao Fisco Federal, a legislação veio a dispor sobre a necessidade de as mercadorias serem diretamente remetidas para o local de embarque pelo estabelecimento industrial, ou para recinto alfandegado, por conta e ordem da comercial exportadora, para que se configurasse o evento fim específico de exportação.
Dito de outro modo, a legislação privilegia o interesse público, propriamente, na medida em que garante as exportações e, ainda, a arrecadação/fiscalização por parte da Administração Tributária.
Entretanto, nos tempos hodiernos a comprovação da exportação das mercadorias pode ser verificada através de outros meios, inclusive remotamente, através: (i) do SISCOMEX; (ii) pelas várias obrigações acessórias eletrônicas, como nota fiscal eletrônica, Escrituração Fiscal Digital, Escrituração Contábil Digital, e seus respectivos cruzamentos entre si e entre os dados das partes envolvidas (estabelecimento industrial e comercial exportadora); (iii) outros meios de prova, como o Memorando de Exportação.
Nesse sentido, as disposições do RIPI deixaram de ser atuais e, por isso mesmo, perderam aplicabilidade prática. Afinal, o valor antes buscado, relativos à proteção aos poderes de fiscalização, é efetivamente cumprido por outros meios e, paralelamente a isso, permanece como tal o incentivo às exportações. Tanto assim que a normatização de outras situações de cunho tributário, que envolvem exportações indiretas, não demanda mais a remessa pelo próprio estabelecimento industrial, por conta e ordem da comercial exportadora. Tenha-se como exemplo: (i) a não incidência das Contribuições PIS/COFINS sobre a receita de venda destinada às comerciais exportadoras, conforme artigo 5°, III da Lei n° 10.637/02 e artigo 6°, III da Lei n° 10.833/03; (ii) a apuração de créditos tributários do REINTEGRA nas vendas às comerciais exportadoras de que trata o artigo 2° do Decreto n° 8.415/15, bastando apenas que, no Registro de Exportação, conste os dados da pessoa jurídica que vendeu originalmente os produtos a serem exportados; (iii) a confirmação da não incidência do ICMS nas vendas à comerciais exportadoras através do recebimento do Memorando-Exportação expedido pela própria comercial exportadora, conforme Convênio ICMS n° 113/96. E,deve ser ressaltado, Convênios são celebrados junto ao CONFAZ, órgão do Ministério da Fazenda.
Por essas razões, inspirado pela já mencionada teoria tridimensional do direito, entendo que não subsistem as exigências fiscais relacionadas a operações com mercadorias cujas exportações foram comprovadas pelo contribuinte, a despeito de não haver, por ele, a remessa em recinto alfandegado. Devem todas elas ser questionadas junto ao Poder Judiciário.
Por Adolpho Bergamini
Fonte: tributario.com.br