Todos os operadores do direito que lidam com a matéria tributária vivem um clima de total insegurança jurídica devido a instabilidade da jurisprudência do STJ, notadamente, em matéria de ISS. Certo ou errado, temos que seguir a jurisprudência do STJ porque é ele o Tribunal competente para dar a última palavra em matéria de legislação infraconstitucional que compõe o grosso das discussões judiciais. Além de desnortear o contribuinte quanto ao local de pagamento do imposto cria um problema em relação à repetição do indébito, questão ainda não enfrentada pela jurisprudência, como veremos mais adiante. Citemos alguns exemplos dessa instabilidade jurisprudencial que, no nosso entender, decorre da tentativa de construção jurisprudencial que implica inovação do direito legislado. Os malefícios têm sido maiores do que os benefícios visados pelos julgadores.
A questão do local do pagamento do ISS ocupou e vem ocupando discussões acaloradas: local do estabelecimento prestador x local da prestação do serviço.
Na vigência do Decreto-lei 406/68 fixou-se o entendimento de que o fato gerador ocorre no local da execução do serviço, não apenas no caso de construção civil, como prescrevia a lei então vigente, como também, na generalidade dos casos.
Na vigência da Lei Complementar n° 116/03 o STJ alterou o seu entendimento fixando o local do estabelecimento prestador do serviço como regra geral. Porém, mais tarde evoluiu o seu entendimento fixando como sendo o local da ocorrência do fato gerador praticamente o local da execução do serviço ao conferir ao estabelecimento prestador um conceito demasiadamente amplo, sem respaldo na doutrina acerca do conceito de estabelecimento em geral.
Ao depois, a Corte Especial decidiu no julgamento do REsp nº 1.060.210-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 5-3-2013, em regime de repercussão geral, que em relação ao leasing o fato gerador ocorre em local distinto, conforme se trate de situação ocorrida na vigência do Decreto-lei n° 406/68 ou daquela ocorrida na vigência da Lei Complementar n° 116/03 que rege atualmente o ISS no âmbito nacional, conforme se verifica de sua ementa abaixo transcrita:
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO. QUESTÃO PACIFICADA PELO STF POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RE 592.905/SC, REL. MIN. EROS GRAU, DJE 05.03.2010. SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA NA VIGÊNCIA DO DL 406/68: MUNICÍPIO DA SEDE DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. APÓS A LEI 116/03: LUGAR DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. LEASING. CONTRATO COMPLEXO. A CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO É O NÚCLEO DO SERVIÇO NA OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO, À LUZ DO ENTENDIMENTO DO STF. O SERVIÇO OCORRE NO LOCAL ONDE SE TOMA A DECISÃO ACERCA DA APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO, ONDE SE CONCENTRA O PODER DECISÓRIO, ONDE SE SITUA A DIREÇÃO GERAL DA INSTITUIÇÃO. O FATO GERADOR NÃO SE CONFUNDE COM A VENDA DO BEM OBJETO DO LEASING FINANCEIRO, JÁ QUE O NÚCLEO DO SERVIÇO PRESTADO É O FINANCIAMENTO. IRRELEVANTE O LOCAL DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO, DA ENTREGA DO BEM OU DE OUTRAS ATIVIDADES PREPARATÓRIAS E AUXILIARES À PERFECTIBILIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA, A QUAL SÓ OCORRE EFETIVAMENTE COM A APROVAÇÃO DA PROPOSTA
PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. BASE DE CÁLCULO. PREJUDICADA A ANÁLISE DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 148 DO CTN E 9 DO DL 406/68. RECURSO ESPECIAL DE POTENZA LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTES OS EMBARGOS À EXECUÇÃO E RECONHECER A ILEGITIMIDADE ATIVA DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC PARA EXIGIR O IMPOSTO. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 8/STJ.
[…]
- Recurso Especial parcialmente provido para definir que:
(a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro; (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento – núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo; (d) prejudicada a análise da alegada violação ao art. 148 do CTN; (e) no caso concreto, julgar procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão/SC para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
Como se verifica da ementa acima transcrita, na vigência do Decreto–lei n° 406/68 o fato gerador do leasing ocorria no local do estabelecimento prestador, porém, na vigência da Lei complementar n° 116/03 ele ocorre no local do estabelecimento que autoriza o financiamento, porque este é o elemento nuclear do leasing, assim entendido o local onde se perfectibiliza a operação. À toda evidência, confundiu-se o elemento nuclear do leasing que é de fato o financiamento, com o elemento nuclear do fato gerador do leasing que é a prestação efetiva do serviço de arrendamento mercantil. Ora, na verdade, nada mudou com o advento da Lei Complementar nº 116/2003 que continua fixando como regra geral o local do estabelecimento prestador do serviço, como estava na no Decreto-lei nº 406/68 que limitava a exceção – no local da execução do serviço – apenas à hipótese de construção civil, e não nas 22 hipóteses como aconteceu com o advento da nova lei de regência nacional do imposto. Se o leasing não está abrangido nas 22 hipóteses excepcionais do art. 3º da Lei Complementar nº 116/03, em que o imposto é devido no local da prestação do serviço, é porque ele deve submeter-se à regra geral do caput. Dar relevância jurídica ao local onde é aprovado o financiamento acaba criando uma situação de difícil identificação do sujeito ativo do imposto, além de desconsiderar a autonomia de cada estabelecimento da mesma empresa para os efeitos fiscais. O que importa para caracterização do local da prestação é aquele estabelecimento (agência, filial, sucursal, matriz) procurado pelo tomador do serviço. Eventual consulta da agência procurada à sua sucursal ou matriz, às vezes, localizadas em outro Município ou em outro Estado, para lograr a aprovação do financiamento, é fato juridicamente irrelevante, inserindo-se tão somente no elenco de atividades-meios. Quem presta o serviço de leasing é o estabelecimento contatado pelo tomador do serviço.
Outrossim, a inovação jurisprudencial introduzida pelo STJ acerca do local da concretização do fato gerador do leasing cria um problema relacionado com a ação de repetição de indébito.
Como se sabe, a repetição de indébito é sempre cabível quando há declaração de inconstitucionalidade de um determinado tributo, respeitado o período abrangido pela prescrição quinquenal. Diferente a hipótese de pagamento de tributo em município diverso daquele em que o pagamento deveria ter sido efetuado. Neste caso, o tributo é devido, não comportando em tese a repetição de indébito, salvo se posteriormente o mesmo tributo tiver sido pago em outro município reputado como legítimo titular por decisão judicial. O certo é que a ação de repetição não pode ser ajuizada de forma generalizada ante à mudança de entendimento jurisprudencial acerca do local da ocorrência do fato gerador. No caso de dúvida deve o contribuinte aparelhar a ação de consignação em pagamento com fundamento no inciso III, do art. 164 do CTN para ver extinta a sua obrigação tributária (art. 156, VIII do CTN).
De fato, se ajuizada a ação de repetição de indébito do ISS fundada na alteração superveniente da jurisprudência do STJ e julgada procedente a ação, o contribuinte beneficiado pela ação poderá ficar exonerado de pagar o ISS a outro eventual município competente para tributar em razão da decadência operada.
Se o ISS era devido no local do estabelecimento prestador do serviço na vigência do Decreto-lei nº 406/68, no nosso entender, não cabe a propositura de ação de repetição de indébito do ISS pago nesse período a pretexto de que houve alteração jurisprudencial fixando a tese de pagamento do imposto no local da perfectibilização da operação de leasing que pode ocorrer em local distinto do estabelecimento prestador. É que, no caso, estamos diante de ato jurídico perfeito e acabado de conformidade com as disposições do Decreto-lei nº 406/68 aplicável ao caso.
De fato, se o ISS foi pago de acordo com o local da ocorrência do fato gerador, como entendia o tribunal competente para interpretar e aplicar uniformemente a lei federal em todo o território nacional, não há lugar para repetição, mesmo porque em relação aquele período nenhum outro município poderia pleitear o seu pagamento.
Como se vê, a brusca alteração da jurisprudência do STJ, sem que houvesse, data vênia, alteração legislativa, como no caso do leasing, pode criar situação de insegurança jurídica para os contribuintes e prejudicar a receita do município competente para exercer o poder de cobrança do ISS, podendo até beneficiar o contribuinte com a repetição do que foi pago como se tratasse de imposto indevido. Não se confunde o conceito do imposto indevido, a ensejar repetição de indébito, com o conceito de imposto devido, mas pago a município diferente daquele em que o pagamento deveria ter ocorrido segundo ulterior reconhecimento da jurisprudência do STJ.
Para evitar insegurança jurídica é de todo conveniente que o STJ faça a modulação dos efeitos da decisão sempre que implicar alteração da jurisprudência consolidada.
Por derradeiro, mais lenha na fogueira da confusão foi lançada pelo Congresso Nacional que aprovou o projeto de lei nº 366/2013 e derrubou o veto aposto pelo Executivo. Esse projeto aprovado altera o local de pagamento do ISS nas operações de leasing, cartões de crédito/débito e planos de saúde. Ao lado das três modalidades do aspecto espacial do fato gerador do imposto (local do estabelecimento prestador, local do domicílio do prestador e local da prestação do serviço) veio somar-se a quarta modalidade: o local do domicílio do tomador.
Aparentemente a inovação legislativa veio com o fito conferir estabilidade à jurisprudência do STJ, mas na prática acabará criando inúmeras discussões antes inexistentes. Além, onerar o custo da prestação desse serviço há a possibilidade de multiplicar a guerra fiscal à procura de Municípios com utilização de alíquota menor, respeitada o mínimo de 2%. No que tange aos cartões de crédito/débito, pergunta-se, como fica a situação do turista brasileiro que promove despesas no exterior com uso do cartão?
Em que pese a boa intenção do legislador de redistribuir a receita do ISS entre os 5.555 Municípios haverá o encarecimento desses serviços que será repassado ao consumidor, além de provocar discussões jurisprudenciais antes inexistentes.
Por Kiyoshi Harada
Fonte: tributario.com.br