Uma câmara baixa da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) recebeu, no mesmo dia, dois casos sobre a tributação em casos de redução de capital utilizando-se de Fundos de Investimento e Participação (FIP). O tema, de jurisprudência ainda escassa no tribunal, foi analisado pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção, em sessão no dia 20 de novembro.
Nos dois casos, os contribuintes, sócios em empresas, efetuaram a alienação de ações, retirando estes ativos do controle das companhias e repassando-os aos FIP. Com isso, a tributação só ocorre no momento do resgate dos valores presentes no fundo, conforme a Lei nº 11.312/2006.
No primeiro caso, a turma considerou, pelo voto de qualidade, que o planejamento tributário adotado pela família Mantegazza na venda da farmacêutica Mantecorp para a Hypermarcas, se valendo de um FIP, foi uma manobra abusiva.
Assim, devem ser devolvidos aos cofres públicos valores de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A turma, porém, afastou multa qualificada e outras cobranças.
Segundo os cálculos de um dos advogados do caso, cerca de 80% da cobrança de R$ 2,5 bilhões foi afastada pelo Carf, com esse entendimento. O caso foi apresentado à turma em outubro:
No fim de 2010, a Mantecorp, empresa da família Mantegazza, se encaminhava para uma sucessão familiar planejada em nome de Luca, um dos filhos do patriarca Gian Enrico com Anna Maria.
Os Mantegazza receberam então uma proposta “irresistível” de R$ 2,5 bilhões para vender a empresa à Hypermarcas. Para a operação, a família optou pela dissolução da holding que administrava a companhia e vendeu seus ativos utilizando-se de Fundos de Investimento em Participação (FIP), sob o controle de diversos parentes.
Como os FIPs tinham à época uma tributação de 15% sobre o IRPJ e a CSLL, contra 34% da holding, a autoridade fiscal desconsiderou o negócio, aplicando a cobrança dos dois tributos na alíquota de 34% do total das vendas, além de multa qualificada de 150% do imposto devido.
A holding dissolvida, alegou um dos defensores, fazia parte de uma antiga intenção de Gian Enrico de fazer o planejamento sucessório para Luca, com uma cláusula de usufruto vitalício em nome dos filhos. Com a venda da empresa e a morte do patriarca, em 2015, o controle dos ativos ficou na mão de Luca e de sua mãe, Anna Maria. Iniciou-se uma disputa dos outros três filhos contra ele e a mãe, em um cenário descrito pelos advogados como “uma família em guerra”.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou que os argumentos da Mantecorp para o planejamento sucessório são “falaciosos”. Para o representante da PGFN, as operações complexas no momento da venda da Mantecorp para a Hypermarcas tinham o intuito de gerar economia tributária, com justificativas “encontradas a posteriori para encaixar na teoria de planejamento tributário dos Mantegazza”.
O voto da relatora, conselheira Letícia Domingues da Costa Braga, foi dividido em diversas partes, cada uma tratando de um objeto diferente da autuação: por unanimidade, a turma rejeitou as preliminares de decadência, vedação ao confisco e juros sobre a multa de ofício, também negando o recurso da Fazenda Nacional – que cobrava mais R$ 280 milhões, afastados ainda na 1ª instância.
O planejamento tributário foi considerado abusivo pelo voto de qualidade
Por maioria de votos, a turma considerou que a incorporação de ações não pode ser tributada, por não ser uma alienação passível de ganho de capital. Por unanimidade, a turma afastou a multa de 150% do valor devido, reduzindo-a pela metade.
Por fim, pelo voto de qualidade, a turma manteve a responsabilidade solidária de todos os membros da família Mantegazza envolvidos. Os conselheiros representantes dos contribuintes, vencidos neste ponto, defendiam que nenhum deles deveria ser arrolado como responsável, uma vez que deveria ser aplicada a responsabilidade por sucessão. Nesse caso, apenas Gian Enrico, já falecido, é quem deveria responder pela cobrança.
No segundo caso envolvendo FIPs, por unanimidade, a turma considerou o auto de infração improcedente, afastando a cobrança contra o contribuinte. O motivo foi um vício na autuação feita pelo auditor fiscal.
A M.S.P., do empresário Paulo Brito, era dona da Biopalma, empresa que atua no ramo de extração de óleo de palma no estado do Pará. O que começou em uma holding com a mineradora Vale, em 2009, acabou com a venda completa para a Vale, no ano seguinte.
O capital derivado desta venda foi integralizado em um FIP — a Receita considerou, assim como no caso dos Mantegazza, que o envio de ações para o FIP seria um planejamento abusivo, uma vez que esta manobra geraria uma economia tributária fora dos padrões.
O contribuinte alegou que, apesar da existência de FIPs oportunistas, utilizados apenas para a venda de ativos com uma carga tributária reduzida, não seria este o caso analisado.
O FIP teria reinvestido o capital recebido pela venda em outras empresas, aumentando seu patrimônio em 160% com o passar dos anos, sem que Paulo Brito ou seus familiares se utilizassem de tais valores. O fato de a legislação não prever tributação dos ganhos de capitais nos FIPs, mas apenas no momento de seu resgate, seria apenas um benefício involuntário ao contribuinte.
A PGFN argumentou que as ações da Biopalma ficaram por um prazo muito pequeno — 88 dias — em posse do FIP, antes de sua total alienação
A PGFN, em sua sustentação, procurou defender não ser possível “aceitar esta dança de ativos”, com o intuito elisivo.
O relator do caso, conselheiro Abel Nunes de Oliveira Neto, afastou o entendimento de que houve inovação do critério jurídico na decisão da 1ª instância administrativa. Oliveira Neto, porém, se curvou à segunda nulidade requerida pela M.S.P.: segundo a empresa e o relator, o fiscal desconsiderou que a empresa, por diversos anos seguidos, apurou seus rendimentos pela sistemática do lucro presumido, autuando a empresa por lucro real. Com isso, a cobrança foi considerada improcedente por unanimidade de votos.
Roberto Quiroga, sócio do Mattos Filho, foi o advogado dos contribuintes em ambos os casos. Quiroga ressaltou a novidade do tema no Carf, que ainda conta com pouca jurisprudência na 1ª e 2ª Seções (entre agosto e outubro, a 2ª Seção analisou dois casos envolvendo FIP), mas defendeu a legalidade dos instrumentos.
São fundos criados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para alocar participações societárias de compra e venda. É um veículo financeiro criado para isso
Roberto Quiroga, sócio do Mattos Filho
Para ele, o objetivo dos FIPs é justamente o de investir em empresas fechadas e de menor porte, formando uma carteira acionária. “Por isso, se justifica seu caráter familiar”, argumentou. O que se deve se levar em conta nos julgamentos, pontuou, são os chamados fundos oportunistas, de vendas rápidas. “Estes tipos de fundo estão no conceito de ‘mau uso’ dos FIPs”, completou.
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Processos citados na matéria:
Processo nº 16561.720188/2015-85
Anna Maria Capella Mantegazza e Fazenda Nacional x As Mesmas
Processo nº 10166.728697/2016-13
M.S.P. Participações S/A x Fazenda Nacional
GUILHERME MENDES – Repórter
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