Na concepção bem clara de Fábio Ulhoa, no seu “Curso de Direito Civil”, o instituto da pessoa jurídica é uma técnica jurídico-legal para uma separação patrimonial. Os membros dela não são os titulares dos direitos e obrigações imputados à pessoa jurídica. Tais direitos e obrigações formam um patrimônio distinto do correspondente aos direitos e obrigações imputados a cada membro da pessoa jurídica. Essa é a regra.
No ordenamento jurídico civil nacional existem os sujeitos de direito. E, como tais, subdividem-se em pessoas físicas e jurídicas. Classicamente, classificam-se em: “sujeito de direito humano” (pessoa física e o nascituro); e “sujeito de direito inanimado” (pessoas jurídicas e entidades despersonalizadas).
No Direito Civil legislado, as pessoas jurídicas de direito privado são as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada.
De acordo com o art. 45, do Código Civil, “começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.
Com efeito, de conformidade ainda com o Código, ficam estabelecidas regras procedimentais para a desconsideração ou desconstituição da personalidade das pessoas jurídicas, medida que autoriza a responsabilização direta dos sócios por dívidas da Sociedade em caso de fraude ou infração à lei. O Código Civil anterior era obscuro nesse ponto e não trazia de forma clara o procedimento a ser seguido para a obtenção da medida.
Segundo Siqueira Salim, pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil, a teoria da desconsideração visa evitar e coibir a utilização de determinada sociedade civil para fins diversos da atividade prevista no seu respectivo estatuto ou contrato social. E para que não haja, evidentemente, confusão entre o patrimônio pessoal dos sócios com o patrimônio da pessoa jurídica, evitando-se, por exemplo, o enriquecimento sem causa, indevido e com fraude a credores.
“A utilização da personalidade jurídica, através da sociedade limitada, passou a ser tida como a forma de constituição societária mais vista no ordenamento jurídico, principalmente no brasileiro. Devido a sua distinção patrimonial face aos bens de seus sócios, bem como a limitação das responsabilidades destes aos limites do capital social devidamente integralizado, a mesma era algumas vezes utilizada para fins ilícitos, seja na fraude contra os credores, como também como forma de enriquecimento indevido”, diz Salim.
Com a regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica, houve, enfim, um avanço substancial e decisivo do Direito Civil brasileiro, que veio visar assegurar na relação negocial o império do principio da boa fé.
Assim, com os adventos do Novo Código Civil e do Novo Processo Civil, a pessoa jurídica não poderá mais ser utilizada como meio artificioso ou fraudulento em detrimento de terceiros, abusando-se, portanto, da personalidade jurídica constituída para a prática de crimes, porquanto o objetivo da lei civil e processual civil é assegurar a igualdade entre as partes nas relações negociais, e, por conseguinte, evitar o favorecimento de uns em detrimento de outros.
Na vigência da legislação civil anterior, ante a ausência de previsão legal da desconstituição e/ou desconsideração da personalidade jurídica, não raro ocorria fraude contra credores ou infração à lei. Credores e consumidores no mesmo universo de vítimas das mais variadas infrações à lei.
A fraude contra credores, por exemplo, de acordo com a nossa legislação civil, implica no fato de o devedor utilizar-se de métodos maliciosos para se livrar do pagamento da dívida. Antes do advento do Novo Código Civil, a dilapidação do patrimônio por conta do devedor era regra (até tolerável), já que não havia regulamentação da desconstituição e/ou desconsideração da personalidade jurídica.
Na ordem econômica, a desconsideração da pessoa jurídica ocorre quando há abuso de direito, excesso de poder, infração à lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou do contrato social. Essa desconsideração também se efetiva quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má fé ou má administração.
A intenção da lei, por fim, é garantir o ressarcimento ao credor ou ao consumidor. Se há um fato concreto de que a pessoa jurídica é um obstáculo ao pleno exercício do direito do credor ou do consumidor, será, portanto, passível de desconstituição ou desconsideração a personalidade jurídica.
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (art. 50, do CC).
Basta, para a desconsideração da personalidade jurídica e atingimento dos bens particulares dos sócios, que a pessoa jurídica seja obstáculo para o adimplemento da dívida, sejam em relação a credores, sejam em relação a consumidores.
Fonte: Portal AZ