O Brasil não necessita de mais problemas.
O STF está julgando tema cuja repercussão sobre o sistema tributário brasileiro pode ser catastrófica.
Trata-se da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins e do PIS, que poderá ter um impacto de R$ 250 bilhões para o Tesouro, conforme consta no anexo “Riscos Fiscais” da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
A vítima imediata da decisão seria o Orçamento da Seguridade Social (Previdência Social, Assistência Social e saúde), do qual aquelas contribuições são importantes fontes de financiamento.
Essa discussão judicial se arrasta por décadas, como tem sido habitual nas grandes controvérsias tributárias, o que se explica pela opção, em 1988, por um sistema tributário excessivamente constitucionalizado, responsável por uma desnecessária complexidade processual.
A segurança jurídica é crucial para os investimentos privados. Afinal, quem vai investir em um país que leva décadas para esclarecer o que é faturamento ou que trava um teratológico embate judicial para proceder à distinção entre receita operacional bruta e receita bruta operacional?
Luís Eduardo Schoueri, titular de direito tributário na USP, em artigo recente (“Transação e Preço de Transferência”, Valor, 07.03.2017), assinala, com muita propriedade, que os investidores internacionais reputam a certeza jurídica como o mais importante requisito tributário para investimento.
Somos prisioneiros de um formalismo estéril que em nada aproveita ao País e estimula a construção de “teses” tributárias que fazem tão somente a fortuna dos que as exploram em intermináveis discussões judiciais.
A querela no STF encerra debates sobre a incidência de um tributo sobre ele mesmo ou outro tributo e a qualificação do ICMS como faturamento.
A participação de tributos em sua própria base de cálculo ou na de outro tributo não constitui novidade no sistema tributário brasileiro e, não raro, conta com expressa previsão constitucional.
O ICMS, como também o ICM que lhe antecedeu, sempre foi cobrado “por dentro”, isto é, como parte integrante de sua própria base de cálculo. A Emenda Constitucional nº 33, de 11.12.2001, ao introduzir a alínea i no art. 155º, § 2º, XII, tornou essa regra inequívoca.
A contribuição devida pelo empregado (art. 195, II da CF) integra a base de cálculo da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salário (art. 195, I, a da CF) e, ao incidir sobre o valor bruto da remuneração, finda incidindo sobre si mesma.
A esses poderiam ser acrescentados inúmeros outros exemplos, como a inclusão do ICMS na base de cálculo do IPI, do imposto de importação na do ICMS, das contribuições sociais na do ISS, etc.
Tudo para concluir que essa forma de incidência não é recente, nem é estranha ao modelo tributário brasileiro e muito menos ofende, sequer indiretamente, nosso ordenamento constitucional.
Na outra vertente da controvérsia, não há como entender que o ICMS esteja excluído do conceito de faturamento e, por essa razão, da base de cálculo do PIS e da Cofins.
A base de cálculo do ICMS é o valor faturado contra o cliente. Como o ICMS incide sobre si mesmo não há como excluí-lo, portanto do conceito de faturamento e, em consequência, da base de cálculo daquelas contribuições.
Admitir que faturamento é a “riqueza própria” do contribuinte implicaria também desconsiderar o pagamento de outros tributos, os custos das mercadorias e serviços, os salários pagos, etc. Afinal, não mais se falaria de faturamento, mas de lucro.
Caso houvesse a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, é preciso lembrar que a recomposição do equilíbrio fiscal poderia ser feita mediante simples elevação das alíquotas, neutralizando os efeitos desse equivocado entendimento, malgrado gerar uma enorme perturbação e penalizar os pequenos contribuintes, que teriam menor parcela do ICMS a excluir.
De mais a mais, cabem as seguintes indagações: quando o ICMS for objeto de incentivo fiscal deveria ser excluída a carga tributária efetiva ou a nominal? O aproveitamento do crédito do ICMS nas operações de exportações (art. 155, § 2º, X, a da CF), considerando-se que esse imposto seja receita de terceiros, deve ser entendido como apropriação indébita constitucionalmente autorizada? Qual será o tamanho do desastre fiscal se a pretensão de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins alcançar os tributos que integram a base de cálculo do próprio ICMS?
Por Everaldo Maciel
Fonte: tributario.com.br