A Lei 10.753/2003, que instituiu a Política Nacional do Livro, equipara álbuns para colorir, pintar e recortar, classificados como "outros livros, brochuras e impressos semelhantes", a livros. Mas a Fazenda Nacional, vendo os cofres esvaziarem-se em meio à crise, inventou seu próprio jeito de classificar o que é livro, e tentou cobrar tributos sobre a importação das publicações para crianças, que têm espaços para colorir. A sanha arrecadatória, no entanto, foi impedida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O artigo 150, inciso VI, letra "d", da Constituição Federal isenta de quaisquer impostos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Com isso, a 1ª Turma do TRF-4 negou Apelação da Fazenda,condenada pela 1ª Vara Federal de Curitiba a declarar corretamente uma carga de livros infantis importados, reconhecer a imunidade tributária e deixar de exigir do importador a apresentação de certificado de avaliação de conformidade emitido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) para obtenção de Licença de Importação.
A sentença também declarou nula a multa de 30% sobre o valor aduaneiro, aplicada pelo Fisco com base no artigo 706, inciso I, do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09). A União, por fim, foi condenada a ressarcir o importador das despesas portuárias e de armazenagem, pela retenção ilegal da mercadoria.
No recurso encaminhado à corte, a Fazenda Nacional sustentou que é correta a classificação atribuída pelo Fisco, sob o código 4903-00-00, no qual se enquadram álbuns ou livros de ilustrações para crianças, cuja ilustração constitua o atrativo principal e o texto tenha apenas interesse secundário. Apontou que, na classificação fiscal pretendida pela Aduana, não há a incidência de impostos, mas apenas de contribuições sociais — PIS e Cofins, que não se encaixam no rol dos impostos federais.
Estímulo à leitura
O relator da Apelação, desembargador Amaury Chaves de Athayde, entendeu como correto o enquadramento na posição tarifária conferido pelo importador, nos termos propostos pelas Regras Gerais para a Interpretação do Sistema Harmonizado, que integram o texto da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi). A seu ver, do ponto de vista tributário-constitucional, interessa não apenas a natureza do produto, mas a sua finalidade específica.
"As mercadorias relacionadas a este processo se tratam de livros infantis, livros com histórias, cuja proposição aos leitores é a realização de tarefas relacionadas ao contexto retratado como, por exemplo, circular determinadas figuras dentre várias semelhantes, desenhar e pintar parte das figuras, fazer traçados sugeridos, como recursos pedagógicos para otimizar o aprendizado/apreensão do conteúdo do livro", comentou em seu voto. Estas atividades, propostas nas obras importadas, frisou, aprimoram a coordenação motora e cognitiva das crianças, muitas de tenra idade e sequer alfabetizadas.
Seguindo esta linha de raciocínio, Athayde ponderou que a aprendizagem dirigida a este público não se limita à expressão escrita. E por motivo simples: o conhecimento, nas idades iniciais, não está necessariamente ligado a palavras, mas abrange outras formas de expressão, tais como figuras, desenhos, imagens, tato etc. Logo, não se pode concluir, como pretende a Fazenda Nacional, que tais materiais não encerram a "disseminação de ideias e a transmissão do pensamento" — o que aí, sim, permitiria seu enquadramento no conceito tradicional de livros e a consequente isenção tributária.
‘‘Com efeito, os textos contidos nos livros não são de leitura complexa, por se destinarem ao público infantil. É certo, contudo, que não se pode limitar o conceito de livro, exigindo que contenham textos elaborados, sob pena de desestimular, pela prática de preços mais elevados (em razão do não reconhecimento de imunidade tributária), a leitura desde a infância, essencial para o desenvolvimento intelectual da criança’’, concluiu. O acórdão foi lavrado na sessão de 27 de julho.
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Por: Jomar Martins