Entrou em vigor em 1º de julho a Instrução Normativa 70 (IN 70), do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), atualizando norma anterior que regulava o procedimento administrativo de averbação de licenças e cessões de direitos de propriedade industrial e de contratos de transferência de tecnologia e franquia.
Publicada no início de abril, a grande novidade trazida pela IN 70 foi deixada para o final da norma. Após repetir, com ligeiras retificações, diversos aspectos já contemplados em regra anterior, indica-se que os futuros certificados de averbação incluirão a seguinte nota informativa: “O Inpi não examinou o contrato à luz da legislação fiscal, tributária e de remessa de capital para o exterior”.
Para compreender o que esta nota significa e o quanto se trata de uma quebra de um paradigma de décadas, precisamos voltar ao passado.
Ao final dos anos 1950, durante o governo JK, análises feitas pela Divisão do Imposto de Renda da Receita Federal e pela Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc, autoridade monetária nacional antes da criação do Banco Central), diagnosticaram haver expressivo volume de remessa de royalties para o exterior. A partir de então, diversas normas visando contenção de divisas entraram em vigor.
Nesse cenário, o Inpi foi criado em 1970 como um autarquia federal, substituindo o então Departamento Nacional da Propriedade Industrial e adquirindo a competência para tomar medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia.
Contratos que implicassem em transferência de tecnologia deveriam ser averbados pelo instituto, que assim conseguiria manter controle do fluxo de royalties através de uma análise intervencionista. O exame do Inpi incluía, dentre diversos aspectos, uma avaliação da conveniência da contratação, com interferência nas condições de pagamento.
Necessário destacar que vivíamos um regime ditatorial e que as práticas intervencionistas do instituto eram compatíveis com a política de substituição de importação vigente à época. Contudo, com o processo de liberalização econômica e o advento da lei da propriedade industrial (LPI) de 1996, a continuação de certas práticas e da filosofia intervencionista que permeava a transferência de tecnologia se tornaram questionáveis.
Ainda assim, mesmo após a LPI, que limitou o poder de intervenção em contratos pela autarquia, o Inpi continuou aplicando a Portaria 436/58 do Ministério da Fazenda para limitar a porcentagem de royalties permitida em contrato de transferência de tecnologia entre empresas do mesmo grupo econômico. Note-se que a referida norma limita os coeficientes de dedução fiscal por pagamento de royalties, entre 5% e 1% de forma decrescente, de acordo com a essencialidade do setor industrial, mas não as remessas de royalties em si.
Entre empresas não relacionadas, o Inpi já averbava contratos com porcentagens acima do limite de dedução, desde que fosse compatível com a prática do mercado.
A IN 70 pôde ser publicada e entrar em vigor sem qualquer modificação de lei, pois apenas formaliza que o Inpi deixará de fazer algo que, a rigor, já excedia sua competência desde a entrada em vigor da LPI, ao final dos anos 1990. Sem observação de legislação fiscal, não há mais base para a aplicação subsidiária da Portaria 436/58, já mencionada acima. Ou seja, no âmbito do Inpi não se impõe teto de royalties, valendo-se a prática de mercado.
Do ponto de vista estritamente fiscal, o tributarista Leonardo Ventura comenta que, “após a averbação pelo Inpi de contratos de transferência de tecnologia entre empresas do mesmo grupo econômico que prevejam royalties além do teto de dedução fiscal, a dedutibilidade será analisada pelos contratantes e, em segundo momento, pela Receita Federal, como já ocorre em contratos entre partes desvinculadas”.
Com isso, dá-se a impressão de haver um movimento pela menor formalização e redução de burocracia em contratações de tecnologia. Lembremos que ao final de 2015 o Inpi publicou a Resolução 156/2015, dispensando de averbação os contratos que envolvam os seguintes serviços técnicos em máquinas e equipamentos de qualquer natureza, como os de manutenção preventiva; reparo, conserto, ajuste, calibração, revisão, inspeção, reforma e recuperação; supervisão de montagem, montagem, desmontagem, instalação e início de operação.
Considerando a novidade da norma, ainda não podemos afirmar como se dará a potencial efetivação do novo padrão de análise do Inpi determinado pela IN 70. Entretanto, é certo que uma menor interferência do instituto em processos de transferência de tecnologia garantirá maior liberdade de contratação entre as partes.
Por Alberto Esteves Ferreira Filho e Andreia de Andrade Gomes
Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2017, 6h45