Compliance no Brasil é um conceito novíssimo, especialmente se comparado aos Estados Unidos. Nossa lei anticorrupção entrou em vigor somente em 2014, quando nos EUA o combate à corrupção já fora iniciado havia quase 40 anos. Assim, é uma vitória que já estejamos em patamares avançadíssimos em compliance mais do que muitos outros países — ditos de primeiro mundo, aliás. Isso devemos à Lava Jato e, logicamente, ao imenso número de subsidiárias de empresas americanas no Brasil preocupadas em evitar situações de ilicitude em corrupção neste país tão marcado por essa característica.
As subsidiárias americanas já trouxeram há anos para o nosso país programas de compliance, e alguns bastante robustos. Isso não significa, entretanto, como bem indicou Hui Chen, que sejam efetivos. Eles não o são nem mesmo no seu país de origem. Para um programa ser efetivo, ele deve passar por uma série de protocolos e amadurecer — seriamente.
Na verdade, a maioria das empresas brasileiras somente agora está criando programas de compliance, nem tanto por obrigação da legislação, que certamente os requer, mas pelas exigências de mercado. Na prática, o mercado não quer mais se relacionar com empresas desatentas ao compliance. As contratantes multinacionais, antes de contratar no Brasil, mais e mais investigam as potenciais contratadas (os chamados background checking ou integrity due diligence), especialmente se estas puderem lhes trazer riscos no que diz respeito à corrupção. E no Brasil, nação classificada como 96ª entre 180 países pelo Índice de Percepção de Corrupção da ONG Transparency International e cuja legislação imputa responsabilidades, essa medida de diligência não é somente salutar, mas no mínimo necessária. Todo programa efetivo deve conter essa obrigação de seleção de terceiros.
Alguns grupos empresariais brasileiros importantes e pioneiros como Votorantim Cimentos e Neoenergia têm programas de compliance da mais alta seriedade e ocupam posição de destaque num levantamento inédito da mesma Transparency International divulgado em janeiro deste ano. O estudo, destinado a avaliar o nível de transparência corporativa das organizações, ranqueia as 100 maiores empresas brasileiras segundo dois critérios: programa anticorrupção, que inclui a forma de divulgação de informações sobre práticas anticorrupção, e a estrutura organizacional das empresas analisadas.
Outro importante exemplo é a Embraer, que está adotando um programa do mais alto calibre em virtude da monitoria independente a ela imposta pelos reguladores americanos. A monitoria utiliza exatamente os parâmetros explorados por Hui Chen, que ainda estava no governo americano quando a Embraer negociou seu acordo e a implementação do programa de compliance nos moldes praticados nos EUA.
Outros grupos estão começando a ter consciência da importância dos programas de compliance, mas ainda é muito cedo para avaliar as métricas usadas pelas empresas nacionais. Naturalmente, as subsidiárias usam os modelos de métricas comuns nos EUA, mas as brasileiras ainda estão apenas no início da criação de seus programas. Hoje em dia no Brasil ninguém que queira ser levado a sério no mundo dos negócios pode se dar o luxo de confessar que não tem compliance. E mais: não basta ser compliant — há que parecer ser compliant. Os brasileiros estão aprendendo esse truque rapidamente. Compliance varreu o Brasil como um tsunami em virtude das transformações resultantes da Lava Jato. Nenhum outro país está passando por essas transformações e em tal velocidade. Mesmo países como França, Espanha e Itália engatinham perto do Brasil, que promulgou sua lei logo após o Reino Unido e muito antes da França.
Obviamente, os empresários brasileiros, como quaisquer outros pelo mundo afora, não querem desperdiçar dinheiro, muito menos com compliance. Ocorre que aqui, como em nenhum outro país do planeta, aprendemos quanto custa a ausência de compliance. Nenhum empresário no nosso território quer reinventar uma roda que já se lapidou nos EUA. O Brasil tem absorvido rapidamente tudo que os EUA ensinam na matéria. Como se deve, portanto, fazer um programa efetivo por aqui?
A primeira lição é que não existe one size fits all. Os programas devem ser personalizados para cada empresa. O primeiro passo tem de ser uma séria avaliação de riscos, por isso copiar programas de outras empresas é perda não só de tempo como também de oportunidade. Cada empresa tem seus próprios riscos, e há que mapeá-los para atacá-los de frente. O programa de compliance precisa ser autêntico e refletir a realidade da organização. Deve ser entendido exatamente como se concebem seus valores, missão e visão.
É necessário fazer um exercício de autoconhecimento com a participação do maior número possível de colaboradores, mesmo que sejam grupos representativos somente. Esse primeiro passo pode custar caro, pois exige um exercício de investigação interna. Entretanto, se for bem executado, economizar-se-ão outros grandes custos. Se a avaliação for boa, a empresa terá condições de criar um programa enxuto e eficaz, sem gastar com medidas cosméticas ou copiar programas exorbitantes.
Além disso, o programa efetivo terá “a cara” da organização. Ele deve ser iniciado de modo simples e prático, tomar forma e crescer em paralelo com a consciência, por parte da empresa, da importância do compliance e amadurecer com o tempo e em passos firmes. A chance de sucesso desse tipo de programa é muito maior do que a de um programa de prateleira oneroso.
A empresa deve buscar seus princípios e sua cultura intimamente. Deste exercício já se consubstancia outro elemento crucial do programa: o comprometimento e o patrocínio da alta cúpula, sem os quais ele nunca se materializará. O andar de cima tem de se engajar e deve dar o tom, o exemplo! Assim o programa efetivo deve ser criado por toda a empresa e tocar o coração dos funcionários.
E fará parte da vida das pessoas. Os gestores das áreas liderarão seus colaboradores para que todos contribuam e se sintam donos do programa. Esse exercício certamente economizará muito para a empresa. Não há necessidade de gastar milhões com consultores especializados. Os próprios colaboradores criam seu código de ética, as políticas essenciais, os processos, os controles para gerenciamento dos riscos, tudo em linguagem simples e direta. Este, sim, é um programa que pode ter baixo custo e alto retorno para a organização.
Depois, é fundamental comunicar o programa a todos, de forma direta, simpática, olhos nos olhos, não como um fardo, mas como uma ferramenta para potencializar o diferencial competitivo da organização e dos colaboradores. Os que mais se engajaram no início do programa podem ser os embaixadores da comunicação, quem sabe com a ajuda do departamento de marketing, e criar um espaço produtivo e um motivo de orgulho para todos os funcionários. Aliás, aqui em solo tupiniquim, por causa do exemplo do gatuno Garth Peterson, ex-diretor do Morgan Stanley, os treinamentos têm sido levados a sério. A meu ver, treinamentos online são completamente inócuos. Eles podem até ter certo valor se utilizados como revisões dos treinamentos presenciais. Tenho discutido com vários conselhos de administração que me convidam para conversar e passam muito mais horas comigo do que previam.
Os conselheiros, éminence grise das empresas, estão abrindo os olhos para a importância do tema e corolários. Vários conselhos têm me surpreendido por rapidamente compreenderem que não há opção ao compliance. É um caminho sem volta. Importantíssimo componente do programa é a comunicação através de canal seguro, com garantia de confidencialidade e anonimato. O canal deve ser operado e controlado por uma firma especializada para manter a transparência e segurança de todo o processo — não se trata de um canal de denúncia, mas sim de uma fonte de esclarecimento de situações complexas, dilemas éticos e circunstâncias a ser investigadas transformando-se em métrica importante do sucesso do programa.
Concluindo, é essencial iniciar o programa, com sinceridade e boa vontade, já contratando um especialista em compliance para ser responsável e zelar pelo programa. O compliance officer deve ser o guardião do programa e a melhor métrica de sua efetividade.
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Isabel Franco é head da área de Anticorrupção, Compliance & Investigação do KLA – Koury Lopes Advogados.
Fonte:https://hbrbr.uol.com.br/avancos-compliance-brasil/