Foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (09/02) a portaria nº 33 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que regulamenta o bloqueio de bens de devedores mesmo sem autorização judicial. Por meio do instrumento chamado de averbação pré-executória, imóveis e veículos poderão ser constritos depois de o débito tributário ser inscrito na dívida ativa. A medida entra em vigor após 120 dias da data de publicação.
A nova lei ainda gera discussão entre a Fazenda e os contribuintes. De um lado, advogados tributaristas apontam que a Lei nº 13.606/2018 é inconstitucional por ferir os princípios constitucionais como os da isonomia, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e da propriedade. Além disso, apontam que qualquer regulamentação sobre certidão de dívidas ativas deve ser feita por meio de lei complementar. Já quem defende a norma aponta que a regra pode criar um ambiente de diálogo entre Fisco e contribuintes.
O novo instrumento para recuperação de débitos foi instituído em janeiro pela Lei nº 13.606/2018, que autorizou produtores rurais e empresas adquirentes de produtos agrícolas a parcelar e renegociar dívidas com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A PGFN poderá, por exemplo, localizar um imóvel e notificar o devedor, que terá cinco dias para quitar ou parcelar a dívida a fim de evitar que o bem fique indisponível para venda.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já recebeu quatro ações que questionam a possibilidade de a Fazenda Pública tornar indisponíveis os bens dos devedores e contribuintes pela averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora.
Por enquanto, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ABAD), a Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil apresentaram ações diretas de inconstitucionalidade pedindo a inconstitucionalidade da Lei 13.606/2018.
Antes da regra, para a Fazenda conseguir bloquear os bens do contribuinte devedor era necessária uma ação de execução ou medida cautelar fiscal. Ambas precisam da prévia autorização de um magistrado.
Sanções políticas
O presidente da comissão de direito tributário do Conselho Federal da OAB, Breno de Paula, considerou a regulamentação inconstitucional e afirmou que o dispositivo criou mais ônus e sanções políticas ao contribuinte. O advogado destacou os incisos do artigo 7 da portaria, que descrevem o que a procuradoria está autorizada a fazer caso o contribuinte seja notificado e não tome as providências devidas.
Entre outras possibilidades, a PGFN poderá encaminhar a Certidão de Dívida Ativa (CDA) para protesto extrajudicial e comunicar a inscrição em dívida ativa a bancos e serviços de proteção ao crédito, bem como averbar, inclusive por meio eletrônico, a CDA nos órgãos de registro de bens sujeitos a arresto ou penhora.
Além disso, segundo de Paula, a regulamentação suprime benefícios fiscais do contribuinte e impede o recebimento de financiamento público. “Estamos diante da subversão absoluta ao sistema de responsabilização patrimonial e ao devido processo legal. A Fazenda Pública, como parte, não pode fazer justiça com as próprias mãos”, afirmou.
Dispositivo inconstitucional
O advogado Breno Vasconcelos critica da Lei 13.606 argumentando que a indisponibilidade de um bem é uma forma de restrição ao direito de propriedade, já que impede que o indivíduo disponha dele livremente. “Fazê-lo sem o devido processo legal, como determina a Constituição Federal, é o problema. A regulação dos procedimentos para a indisponibilidade está sendo feita no âmbito infralegal [via Portaria da PGFN], não de lei. A única forma de superar essa inconstitucionalidade seria a criação, em lei, de processo administrativo específico, afirma.
Para Vasconselos, todas as regras deveriam ser submetidas ao “filtro democrático”.
“Se não pode haver tributação sem representação democrática, igualmente não pode haver expropriação/indisponibilidade de patrimônio sem que essa invasão – e como ela se dará – seja debatida na arena que representa o povo. Essa é uma limitação, uma conformação ao exercício do poder, regra própria dos Estados Democráticos de Direito”, ressaltou.
O mesmo afirma a advogada Cristiane Romano. Para ela, a previsão de bloqueios de bens da Lei 13. 606 tem vários vícios de inconstitucionalidade por afrontar os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e reserva de jurisdição. “Ou seja, somente o poder judiciário pode fazer esse bloqueio de bens”, afirmou.
“Além disso, há a questão de que a mesma autoridade de constitui o crédito está executando o mesmo crédito, sem que haja intervenção do poder judiciário”, ressalta.
Já quem defende a mudança afirma que a regra pode criar um ambiente de diálogo entre Fisco e contribuinte, além disso, ressalta que a lei é constitucional.
O juiz Federal em São Paulo Paulo Cesar Conrado, em artigo enviado ao JOTA, afirmou que não há na Constituição regra que constranja a Administração em relação a seu “dever-poder” de fazer realizar o crédito tributário pendente de quitação, desde que use os meios previstos pelo sistema. “E é isso, em rigor, que faz a nova norma”, afirmou.
Jamile Racanicci – Brasília
Livia Scocuglia – Brasília