São nulas as provas conseguidas com violações a direitos fundamentais de investigados. Assim entendeu o juiz Ícaro Almeida Matos, da 1ª Vara Criminal Especializada de Salvador, ao absolver mulher flagrada entrando em presídio com um celular dentro da vagina.
Para o magistrado, a mulher não pode ser condenada porque a prova foi obtida de forma ilegal. “A revista mencionada foi feita sem observância de direitos fundamentais, o que torna o ato da apreensão ilícito e, consequentemente, faz desaparecer qualquer supedâneo probatório consistente a legitimar uma condenação.”
Ele destacou também que, conforme depoimento de testemunha, o celular foi encontrado mediante “desnude total da ré, a utilização de lanternas, com vasculha às partes íntimas, que gozam de potencialidade protetiva constitucional”.
“Portanto, perfilho o entendimento que protege a dignidade da pessoa humana. Pelo exposto, de logo, absolvo a acusada com base no art. 386, VII, do CPP”, finalizou. O dispositivo determina que “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça não existir prova suficiente para a condenação”.
Crime impossível
Ícaro Almeida Matos também contou que há entendimento sobre o tema que define o ato julgado nesse caso como crime impossível. Porém, ele discorda desse posicionamento porque a descoberta de aparelhos celulares ocorre dentro dos presídios.
“Tal fundamento para absolvição, foi recentemente debatido em apelação criminal 70051788081/2012, 3ª Câmara Criminal do TJRS, que também suscitou, em um dos votos, a possibilidade de enquadramento na hipótese de crime impossível, tendo em vista que a apreensão geralmente é feita antes do ingresso no estabelecimento penal, fundamento este do qual discordo, pois já é feita em dependência do Complexo Penitenciário destinado especificamente para este fim”, opinou.
Revista Vexatória
Apesar de proibida em todo o Brasil desde agosto de 2014, com a edição da Resolução 5 pelo Ministério da Justiça, a revista vexatória ainda é uma realidade em muitos estados brasileiros, e a prática afeta também advogados. Em São Paulo, por exemplo, apesar de haver a Lei 15.552/2014, no último dia 20, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil teve que questionar o secretário de administração penitenciária paulista, Lourival Gomes, sobre tema.
Um dos casos mencionados foi o de uma advogada que foi impedida de entrar na Penitenciária de Itaí para atender um cliente porque o detector de metais apitou repetidamente mesmo depois que todos os objetos de metal foram deixados no local indicado.
No fim das contas, era o zíper da saia da advogada que estava sendo detectado pelo aparelho. Por conta disso, os agentes penitenciários ofereceram uma calça do uniforme de detentos, mas ela disse que concordaria em ser revistada por uma agente para não precisar usar a peça. O pedido foi negado sob a alegação de que a prática é proibida. Diante do impasse, a profissional não conseguiu entrar.
Em resposta aos questionamentos da OAB-SP, Gomes afirmou que serão instalados aparelhos que facilitem e otimizem essas tarefas. "O edital de licitação para os scanners corporais já foi publicado e a partir de agora segue o rito normal estabelecido pela lei. Esperamos que até o final do ano a situação seja diferente e já tenhamos esses equipamentos instalados", disse.
Na resolução do Ministério da Justiça consta que “a revista pessoal é a inspeção que se efetua, com fins de segurança, em todas as pessoas que pretendem ingressar em locais de privação de liberdade” e que essa busca deve “preservar a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada”.
A proteção dessa garantia é citada no parágrafo seguinte: “A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, scanner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual”.
Além dos presídios
Mas não é só dentro de presídios que abusos em revistas levam anulação de atos por agentes públicos. Em 2007, a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou o estado a indenizar por danos morais um taxista que foi coagido pela Polícia Militar.
O taxista voltava de uma corrida quando foi parado por policiais com armas em punho e ordenando que o trabalhador colocasse as mãos sobre o carro. Em seguida, o taxista foi submetido a uma revista minuciosa. O profissional disse não ter dado motivo para a ação e que se sentiu humilhado ao ser tratado como um bandido em público.
A PM responsável pela ação alegou que a confusão foi feita na checagem das placas do veículo. Para o colegiado, a indenização deveria ser paga porque um cidadão não pode ser submetido a revista da polícia de maneira vexatória, sob a mira de arma de fogo, sem direito a apresentar documentos.
Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2017, 7h05