A Constituição Federal, no seu art. 155, II, estabeleceu como competência dos Estados e do Distrito Federal o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, o ICMS.
Estipulou ainda, no §7º, do art. 150, que:
A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
A Lei Complementar 87/96 veio legitimar o disposto na CF/88, em seu artigo 6º, “Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.”
Além também, da previsão legal do art. 128 do Código Tributário Nacional:
Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Ambos dispositivos versam sobre a forma de recolhimento do ICMS por Substituição Tributária, regime pelo qual a responsabilidade pelo ICMS devido em relação às operações ou prestações de serviços é atribuída a outro contribuinte.
Nas palavras de Almir José Gorges:
Trata-se de forma de tributação, de previsão constitucional, que, ora atribui ao destinatário da mercadoria a responsabilidade pelo recolhimento do imposto na condição de substituto tributário (=substituição tributária de operações antecedentes), ora atribui ao remetente (=substituição tributária de operações subsequentes).
As operações da Impetrante encaixam-se na Substituição Tributária de operações subsequentes, onde o ICMS é todo recolhido na primeira operação. Ou seja, a Impetrante recolhe o ICMS que seria devido pelos contribuintes destinatários nas operações subsequentes.
Para se chegar a base de cálculo do imposto na maioria das vezes é efetuada pesquisa de mercado de preço médio, a grosso modo o cálculo é feito da seguinte maneira: o Valor da operação + seguro + frete + outros encargos + MVA (margem de valor agregado) x Alíquota interna.
Porém, em alguns casos, torna-se necessário observar o disposto no art. 8º, §2º e 3º, da LC 87/96 que versa:
§2º – tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final ao consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido.
§3º – Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço.
Faz-se necessário ainda, a observância do Convênio 76/94, celebrado entre os Estados e o Distrito Federal, que regulamenta a substituição tributária do ICMS nas operações interestaduais com produtos farmacêuticos, mais precisamente a cláusula segunda:
A base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária será o valor correspondente ao preço constante da tabela, sugerido pelo órgão competente para venda a consumidor e, na falta deste preço, o valor correspondente ao preço máximo de venda a consumidor sugerido ao público pelo estabelecimento industrial.
Para alguns produtos como por exemplo aos produtos farmacêuticos, segue-se os valores estipulados pelo PMC da CMED, pois o Governo Federal, com intuito de conter o aumento abusivo de preços no setor, implantou um controle através da Lei nº 10.742, de 2003, pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos — CMED, que tem como principal competência a regulação econômica do mercado de medicamentos.
Ocorre que, os valores praticados ao consumidor, muitas vezes, são bem menores que os fixados pelos órgãos reguladores ou pelo Fisco, ou seja, tais operações geram direito a restituição, tendo em vista que, a base de cálculo efetiva da operação é inferior à presumida.
Neste sentido, em 19/10/2016, o plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão geral, efetuou o julgamento do RE 593849/MG, em que se discutia a constitucionalidade da restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS) pago a mais no regime de substituição tributária, quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Neste julgamento, o relator, Ministro Edson Fachin, asseverou que, de acordo como art. 150, §7º, “in fine”, da Constituição, há direito à restituição do imposto pago antecipadamente sempre que o fato gerador presumido não se concretizar empiricamente. Isto ocorre quando o fato gerador definitivo se realiza de forma distinta daquela tributada na etapa inicial do ciclo produtivo.
A Corte afirmou que o instituto da substituição tributária, previsto no art. 150, §7º, da Constituição Federal, tem como fundamento o princípio da praticidade, promovendo comodidade, economicidade e eficiência na execução administrativa das leis tributárias.
Ponderou, entretanto, que o princípio da praticidade tributária também encontra freio nos princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação do confisco, bem como na arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS.
Sendo assim, é papel institucional do Poder Judiciário tutelar situações individuais que extrapolem o limite da razoabilidade.
Deve-se, portanto, interpretar aquele dispositivo constitucional em consonância com o significado jurídico-político do Estatuto Constitucional dos Contribuintes, tal como foi instituído pela Seção “Das Limitações do Poder de Tributar” da Constituição Federal. Noutras palavras, na qualidade de invenção humana voltada a discriminar o público do privado e redistribuir renda e patrimônio, a tributação não pode transformar uma ficção jurídica em uma presunção “juris et de jure”, tal como ocorreria se o fato gerador presumido tivesse caráter definitivo, logo alheio à narrativa extraída da realidade do processo econômico.
Observou, ainda, que não há uma autorização constitucional para cobrar mais do que resultaria da aplicação direta da alíquota sobre a base de cálculo existente ao ensejo da ocorrência do fato gerador. Assim, uma interpretação restritiva do § 7º do art. 150 da Constituição, com o objetivo de legitimar a não restituição do excesso, representaria injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre Fisco e contribuinte.
Desse modo, a restituição do excesso atende ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, haja vista a não ocorrência da materialidade presumida do tributo.
Este entendimento do STF, permite que o contribuinte que recolheu valor superior ao praticado a consumidor final tenha direito a restituição tendo em vista que ele suportou este ônus tributário, sendo legítimo titular para exercer o direito a restituição, consoante art. 166 do CTN
De acordo com o entendimento da Suprema Corte, o Estado não pode locupletar-se ilicitamente de valores relativos a tributo proveniente de fato gerador inexistente, também, em hipótese inversa, não pode exigir dos contribuintes ICMS sobre fato gerador inexistente ou que nunca ocorrerá.
A Substituição Tributária, é um meio de facilitar a fiscalização, mas não pode gerar uma tributação indevida.
Nos tempos atuais a informática é uma forte aliada para ajustar os reais valores praticados no mercado.
O Fisco possui ferramentas de controle como a fiscalização eletrônica dos ECF’s (Emissores de Cupom Fiscal) onde cada produto possui o seu GTIN(Número Global do Item Comercial) obrigatoriamente informado no Cupom Fiscal e lançados no Speed Fiscal.
Da mesma forma o contribuinte pode usar destas bases para apurar o valor pago a maior e requerer a restituição junto ao Fisco Estadual.
Porem se o varejista tem dificuldades em provar o ônus o melhor remédio e evitar que regra da substituição tributária lhe onere de forma indireta
A base de cálculo constitui o aspecto fundamental da estrutura de qualquer tipo tributário por conter a dimensão da obrigação pecuniária, tendo a virtude de quantificar o objeto da imposição fiscal, como seu elemento nuclear, o verdadeiro cerne da hipótese de incidência normativa.
Os demais critérios normativos são também importantes na fixação dos componentes da relação jurídica, como as figuras do credor e devedor, as coordenadas de tempo e espaço, e, obviamente, as materialidades.
Para evitar este ônus o melhor remédio é um Mandado de Segurança contra o Estado para evitar a prática de pauta acima do valor de mercado exigindo via ordem judicial, que o Distribuidor cobre somente o real valor praticado junto ao consumidor, evitando a obrigação de pagamento além do devido e uma futura restituição que em infinitas vezes não ocorre por razoes diversas.
Este fato já ocorreu com as concessionárias de veículos em relação ao ICMS cobrado pelas Montadoras nos fretes dos veículos em operação própria.
O STJ no REsp 931727/RS assim decidiu:
REsp 931727 / RS
RECURSO ESPECIAL 2007/0047463-8
Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador S1 – PRIMEIRA SEÇÃO
Data do Julgamento 26/08/2009
Data da Publicação/Fonte DJe 14/09/2009 RTFP vol. 88 p. 318
Ementa
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA
FRENTE. MONTADORA/FABRICANTE (SUBSTITUTA) E
CONCESSIONÁRIA/REVENDEDORA (SUBSTITUÍDA). VEÍCULOS AUTOMOTORES.
VALOR DO FRETE. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO QUANDO O TRANSPORTE É
EFETUADO PELA MONTADORA OU POR SUA ORDEM. EXCLUSÃO NA HIPÓTESE
EXCEPCIONAL EM QUE O TRANSPORTE É CONTRATADO PELA PRÓPRIA
CONCESSIONÁRIA. ARTIGOS 8º, II, “B”, C/C 13, § 1º, II, “B”, DA LC
87/96. ARTIGO 128, DO CTN. APLICAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, DO
CPC. INOCORRÊNCIA.
1. O valor do frete (referente ao transporte do veículo entre a
montadora/fabricante e a concessionária/revendedora) integra a base
de cálculo do ICMS incidente sobre a circulação da mercadoria, para
fins da substituição tributária progressiva (“para frente”), à luz
do artigo 8º, II, “b”, da Lei Complementar 87/96.
2. Entrementes, nos casos em que a substituta tributária (a
montadora/fabricante de veículos) não efetua o transporte, nem o
engendra por sua conta e ordem, o valor do frete não deve ser
incluído na base de cálculo do imposto, ex vi do disposto no artigo
13, § 1º, II, “b”, da LC 87/96,
(…)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA
SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman
Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Eliana Calmon
(voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Notas Julgado conforme procedimento previsto para os Recursos Repetitivos
no âmbito do STJ.
CONCLUSÃO
A restituição do valor pago a maior na operações envolvendo mercadoria sujeitas a Substituição Tributária é medida que se impõe por ser de inteira JUSTIÇA FISCAL e um direito daquele que suporta seu ônus. A forma de operacionalizar pode ser utilizando as mesmas informações remetidas ao Fisco pelo SPED Fiscal e Emissores de Cupom Fiscal que comportam todas as informações da base de cálculo do ICMS ST e o real valor praticado a consumidor final.
E nos casos em que ocorra complexidade na apuração do crédito e dificuldade no seu exercício, a impetração de Mandado de Segurança, é medida que se impõe, para impedir a cobrança do ICMS ST, além do realmente praticado no mercado, evitando-se assim enriquecimento sem causa por parte dos Estados.
Por Jaime Luiz Leite
Fonte: tributario.com.br