Um projeto de lei em tramitação no Senado Federal pode incluir a penhora sobre faturamento, quando homologada em um acordo judicial, nas hipóteses que permitem a suspensão da cobrança de um crédito tributário. O texto com a nova possibilidade de suspensão foi apresentado no início de setembro, e aguarda a designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
O Projeto de Lei nº 372/2018, apresentado pelo senador Pedro Chaves (PRB-MS), prevê uma alteração no Código Tributário Nacional (CTN) para prever a penhora de faturamento. O artigo 151 do CTN hoje prevê seis hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário: moratória, depósito integral, recurso por parte do contribuinte, liminar ou tutela antecipada em mandado de segurança ou outro tipo de ação e parcelamento do montante devido.
Caso a proposta seja aceita, o contribuinte que optar pela penhora de um percentual de seu faturamento em uma disputa judicial terá a cobrança suspensa. O projeto, porém, divide opiniões.
Segundo apoiadores do PLS, esta sistemática permitiria que a atividade da empresa não ficasse comprometida apesar da dívida. A penhora de parte do faturamento garantiria a possibilidade de Certidão Negativa de Débitos (CND), essencial em processos de licitação com o poder público, por exemplo.
Por outro lado, o projeto recebeu críticas por ser extremamente específico, não permitindo uma negociação mais ampla entre a Fazenda pública e o contribuinte.
A proposta inicial foi apresentada por um tributarista que atua no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Wesley Rocha, que é conselheiro representante dos contribuintes em uma turma ordinária da 2ª Seção, trabalhou por cerca de quatro anos antes de concluir o texto encampado pelo senador.
“[A ideia] veio de uma situação de 2014, com um cliente que tinha várias execuções fiscais. Fizemos, à época, uma proposta de penhora de faturamento para ele”, relembra o tributarista. O desfecho daquele caso, porém, não foi o esperado: “ele [o cliente] se negou a fazer esta penhora, pelo único e simples motivo de que isso não suspendia a execução e, consequentemente, não lhe daria a certidão positiva com efeitos de negativa”.
“E se houvesse essa proposta de [penhora] do faturamento que pudesse suspender [a exigibilidade] do crédito fiscal?” provocou Rocha, “esse cliente talvez pensasse bem diferente”. O idealizador da proposta, que é de Caxias do Sul (RS), ouviu então a opinião de um de seus conterrâneos – o procurador do estado do Rio Grande do Sul na cidade, Rafael Cândido Velasques Orozco.
O Rio Grande do Sul já possui uma política similar de utilização da penhora homologada judicialmente, regulamentada desde 2012
“A procuradoria chama as empresas para sentar e, de forma negociada, tentamos estabelecer um percentual do faturamento da empresa razoável para o abatimento da dívida, mas que não comprometa a continuidade das atividades da empresa”, afirmou Velasques Orozco.
No âmbito estadual, a proposta contou com o apoio da Secretaria da Fazenda e, segundo o procurador, contou com uma série de ajustes em sistemas de informação. Hoje já é possível que o acordo de penhora automaticamente inscreva o contribuinte como regular e apto a emitir uma CND.
Com base no que vê em sua cidade – segundo Velasques Orozco, a sua jurisdição analisa mais de R$5 bi em títulos de dívida ativa do estado – a medida, se aprovada pelo Senado, poderá ser considerada “salutar” e “um grande avanço”.
O professor de processo civil da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Marco Antônio Rodrigues, também concorda com a efetividade da proposta.”[A penhora homologada judicialmente] é um mecanismo de consensualidade para a cobrança do crédito tributário. Em muitas vezes, a empresa não tem condições de pagar aqueles milhões de parcelas previsto em lei estadual”, pontuou o professor.
Rodrigues, que também é procurador no Rio de Janeiro, lembra que já passou por situações onde a previsão faria diferença. “Já vi caso de devedor que queria pagar em parcelas, mas não tinha como. Neste caso, a penhora de faturamento seria perfeita”, rememorou. O procurador levou a ideia aos seus superiores, que decidiram pela não aplicação da proposta à época. “Hoje, isto é uma tendência”, diz.
Para o senador Pedro Chaves, “a proposta tem como principal objetivo incentivar aos contribuintes, de iniciativa própria, a procurarem seu credor, a Fazenda, para formalizar acordos e quitar suas dívidas”. Segundo o parlamentar, após sua apreciação pela CAE o projeto deve ir ao plenário do Senado.
Chaves afirmou esperar que, caso aprovado, o PLS nº 372/2018 possa ajudar a baixar o estoque da dívida ativa nas execuções fiscais. “Chamaria essa iniciativa de um projeto ‘simpático’, que atende a diversos interesses, inclusive do poder Judiciário”, pontuou o senador.
A proposta também atraiu vozes críticas no seu caminho. “Eu não vejo problemas para que a penhora de faturamento homologada pelo juiz, quando se constituir em garantia única e for considerada suficiente em juízo, seja utilizada para esta finalidade”, pondera o presidente da Associação Nacional dos Procuradores Estaduais (Anape), Telmo Lemos Filho.
“Agora, criar o dispositivo específico pra isso é algo que eu não vejo necessidade.”
Telmo Lemos Filho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores Estaduais
Lemos Filho, que assim como Wesley Rocha e Rafael Velasques Orozco é do Rio Grande do Sul, entende de maneira diversa sobre a aplicação do dispositivo. “A penhora de faturamento pode ter este efeito que o proponente postula? Pode ter. Mas não é simplesmente a penhora de faturamento, e sim todo um desenho do devedor”. O procurador exemplificou: “se uma empresa, de patrimônio imobiliário de 90 acabe por dever 10, ela tem as condições de garantir a penhora por outras maneiras, que não seja o faturamento. Para esse devedor deve ser dado um tratamento diferente de um contribuinte que não tenha nada”.
Entre advogados, há quem defenda que a proposta traz um bom sinal ao contencioso. “O PLS se torna interessante para que se produza, com segurança jurídica, os instrumentos legais e concretos pela efetiva busca da eficácia, social e econômica”, pontuou o tributarista Allan George de Abreu Fallet.
O advogado lembra do posicionamento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que em 2015 já se manifestou no sentido de que a penhora sobre o percentual do faturamento da empresa, ao assemelhar-se ao parcelamento, pode permitir a emissão de CND, sem no entanto suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Mas, mesmo entre a classe advocatícia, há dúvidas sobre a efetividade da proposta. “É uma forma importante de negociação e de proteção dos negócios jurídicos processuais que, com o novo CPC, estão ganhando bastante força”, pontua a advogada do contencioso tributário do Mannrich e Vasconcelos Advogados, Maria Rafaela Matthiesen.
“Eu fico um pouco reticente à proposta porque ela cria uma nova hipótese muito específica. Podem surgir outras formas de negociação, entre contribuinte e Fazenda, que permita a quitação. Estas formas de transição têm se tornado ainda mais relevantes no Direito Tributário, e elas poderiam também ser forma de viabilizar não apenas a suspensão da exigibilidade do crédito, mas a possibilidade de obter a CND”, completou a tributarista.
GUILHERME MENDES – Repórter de Tributário
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