Após o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivar seis inquéritos abertos contra políticos com base na colaboração premiada da Odebrechet por falta de provas que corroborem os relatos dos delatores, a Procuradoria-Geral da República (PGR) teme que diversas outras investigações iniciadas depois da delação da empreiteira sigam o mesmo caminho.
Segundo integrantes da PGR ouvidos reservadamente pelo JOTA, um dos motivos de preocupação é o fato de que os arquivamentos não partiram apenas de ministros críticos à Lava Jato, mas também de magistrados da Corte mais alinhados às ideias dos investigadores, como o ministro Luís Roberto Barroso, cuja decisão que determinou o arquivamento de um inquérito tem sido usadas pelos colegas como jurisprudência.
Os despachos, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Barroso argumentam que os inquéritos tiveram sucessivas prorrogações e até agora, mais de um ano depois, nada foi encontrado, já que não houve oferta de denúncia.
Alegam, ainda, que os órgãos de persecução penal devem realizar investigações quando verificam um mínimo de elementos indiciários, como é o caso das deleções, mas que isso não significa que agentes públicos devam suportar “indefinidamente o ônus de figurar como objeto de investigação, de modo que a persecução criminal deve observar prazo razoável para sua conclusão”.
Os inquéritos foram abertos em abril de 2017 por decisão do relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, a pedido do então PGR, Rodrigo Janot. Mais tarde, a relatoria de alguns casos foi redistribuída por não terem conexão com a operação e nem todos continuaram com Fachin.
Os beneficiados pelas decisões de Gilmar foram: o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e os irmãos Jorge e Tião Viana, senador e governador do Acre pelo PT, respectivamente. A de Alexandre de Moraes dizia respeito aos senadores Eduardo Braga (PMDB-AM) e Osmar Aziz (PSD-AM). Já a de Barroso foi sobre o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e as decisões de Toffoli envolviam o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) e o deputado Daniel Vilela (PMDB-GO) e seu pai, o ex-senador Maguito Vilela. Na maioria dos casos eram apurados relatos sobre pagamentos de caixa 2 às campanhas dos parlamentares.
A PGR já recorreu das duas primeiras decisões, em relação aos inquéritos de Ferraço e dos senadores do Amazonas. Ambos os agravos regimentais são assinados pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que sustenta que o STF não tem competência para arquivar as investigações sem consultar o MP por se tratar de uma etapa pré-processual.
“Não é mais o STF competente para homologação do arquivamento, assim como não é mais a PGR competente para a promoção de eventual ação penal pública ou promoção de arquivamento”, argumentou.
Segundo a PGR, o artigo 28 do Código de Processo Penal, usado como base pelos ministros, está sendo interpretado de maneira equivocada. “Importa salientar que, na decisão de arquivamento, a conclusão derradeira sempre será do órgão da acusação, consoante dispõe o dispositivo do CPP, pois se está diante de um não processo”, escreveu Dodge.
Assim, Dodge conclui os dois recursos pedindo para que os processos sejam desarquivados e remetidos à Justiça de 1ª instância. A tendência é que a PGR também recorra das outras decisões.
A divergência entre os ministros e a procuradoria em relação à interpretação do CPP fica evidente na decisão de Barroso no caso de Ferraço: “O dispositivo legal não obriga o Juiz a só proceder ao arquivamento quanto for este expressamente requerido pelo Ministério Público, seja porque cabe ao juiz o controle de legalidade do procedimento de investigação; seja porque o Judiciário, no exercício de suas funções típicas, não se submete à autoridade de quem esteja sob sua jurisdição”.
Como agravos geralmente são decididos nas turmas, o recurso da PGR deve representar mais um elemento para movimentar a Corte no próximo semestre. Isso porque o ministro Dias Toffoli assume a presidência do Supremo em setembro e a atual presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, fica com seu lugar na 2ª Turma, para onde vão os recursos.
Então, os pedidos da PGR que podem reabrir os inquéritos devem ser apreciados por uma 2ª Turma mais alinhada com a Lava Jato, uma vez que os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski têm contado com Toffoli para formar maioria e tomar decisões contrárias à operação.
No caso de Aécio, o inquérito teve como base a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e também contou com informações prestadas pelo doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros delatores da Lava Jato. A investigação apura crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Youssef relatou que ouviu dizer que Aécio recebia valores mensais, por intermédio de sua irmã, da empresa Bauruense, contratada por Furnas
Gilmar, porém, destacou que o MPF está com o inquérito por mais tempo do que o previsto em lei. “Muito embora o prazo legal seja de apenas quinze dias, por quase dez meses, a PGR ocupou-se de dar destino a uma investigação concluída. Após, limitou-se a passar o problema adiante invocando a nova orientação do pleno quanto à competência (restrição do foro)”, disse o ministro.
Em relação aos irmãos Jorge e Tião Viana, o caso havia começou a partir da colaboração de Marcelo Odebrecht, presidente afastado da Odebrecht, e Hilberto Mascarenhas, ex-chefe do Setor de Operações Estrutura, que afirmaram que ambos receberam R$ 2 milhões para a campanha de 2010, sendo R$ 1,5 milhão via caixa 2. Nas planilhas da empreiteira, ambos eram tratados como “meninos da floresta”.
O ministro, no entanto, afirmou que após sucessivas prorrogações de prazo não foi oferecida denúncia nem apresentadas provas contundentes que corroborem a versão dos delatores.
Já Bruno Araújo foi acusado pelos delatores de receber doação de R$ 600 mil da em 2010 e 2012 sem prestar contas à Justiça Eleitoral. Mas Toffoli afirmou que a demora é inadmissível: “O presente inquérito perdura por prazo significativo, com prorrogações sucessivas, sem que tenham aportado nos autos elementos informativos que se possa considerar elementos de corroboração às declarações dos colaboradores, ou provas outras”, escreveu o ministro.
Braga e Aziz, por sua vez, teriam recebido recursos ilegais quando eram governadores (um sucedeu o outro), para construção da ponte sobre o Rio Negro.
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