O Supremo Tribunal Federal (STF) no R.E. 574.706 julgou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, com acerto. É tese antiga no meio justributário que os impostos, cujos fatos geradores sempre são ligados à vida dos contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas, exibem bases de cálculo referidas aos respectivos fatos geradores: ter renda, possuir imóveis, prestar serviços etc.. Logo, as bases de cálculo se remetem a algum porcentual da renda, do valor venal do imóvel, do preço do serviço prestado, que são manifestações das respectivas capacidades contributivas, como recomenda a Constituição. Por isso mesmo, Amílcar de Araújo Falcão dizia haver um ligame entre o fato gerador dos impostos e sua base de cálculo que era inaharet et ossa (inerente até o osso). Uma ligação orgânica.
E Becker insistia na tese de que a base de cálculo, além de servir de parâmetro para extrair o “quantum” devido, tinha uma função veritativa ou confirmatória do fato jurígeno eleito pelo legislador. Assim, um imposto sobre imóvel levando em conta a renda propiciada ao seu dono não seria um imposto sobre o patrimônio, mas sobre rendas imobiliárias…
Sabe-se que os impostos incidem sempre sobre rendas ganhas, sobre patrimônios, sobre transferências econômicas intervivos e causa mortis, e sobre consumo ou renda consumida, como prefere a doutrina alemã. E nos impostos sobre consumo o legislador visa atingir a capacidade contributiva do consumidor (sujeito passivo de fato), e não a capacidade contributiva dos agentes econômicos (contribuintes “de jure”). Eles são, sob essa ótica correta, meros agentes de interposição.
É por isso que na contabilidade das receitas brutas restam separadas as parcelas que são do contribuinte daquelas outras devidas a terceiros como “custos” (comissões, bonificações, participação de terceiros) ou como de “alheia propriedade” (impostos retidos na fonte de empregados, impostos cobrados como substituto tributário, impostos outros devidos pelo próprio agente econômico à União, estados e municípios embutidos ou justapostos aos preços dos bens e serviços).
O STF percebeu que na receita bruta o ICMS embutido no valor das vendas era pertencente ao estado e deduziu que a União com o PIS/Cofins estava tributando a receita dos estados-membros da Federação, ofendendo o princípio maior da imunidade intergovernamental recíproca, que impede mutuamente as pessoas políticas de fazerem incidir seus impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros, em sentido lato como sempre quis Aliomar Baleeiro, pois não se trata de restringir a incidência de impostos sobre a renda, patrimônio e serviços, tese de manifesta pobreza exegética, mas de proteger a União, os estados e os municípios de quaisquer impostos que molestem seus respectivos serviços, rendas e patrimônios em acepção lata, por não possuírem capacidade contributiva. São “no profits”, como ensinava o ministro Baleeiro.
Quando assim não fosse, estar-se-ia poluindo a base de cálculo dos impostos com elementos estranhos ao fato gerador, índice da capacidade contributiva do pagante. Imposto não pode nem deve incidir sobre imposto.
No caso em pauta, o contribuinte, em cada venda que faz, anota no livro de saída, na coluna do ICMS, o valor embutido no preço que, depois de deduzido do ICMS pelas entradas, lhe indica o ICMS próprio a recolher. Portanto, vir o ICMS “por dentro” (no preço) não importa. No caso do IPI, o valor vem por fora (sobre preço), mas ambos são transferidos pelo mecanismo mercantil e recolhidos à União (IPI) e aos estados (ICMS). Ontologicamente, são impostos sobre o consumo. No mais, o STF já decidiu que repassar imposto cobrado na repercussão ou na retenção (IR fonte, IOF fonte), e não recolhê-lo a quem de direito, constitui apropriação indébita.
O ISS do município, que também repercute no tomador do serviço, apresenta-se como imposto indireto sobre o consumo de serviços de qualquer natureza (o raciocínio objetivo levará à mesma conclusão).
Em suma, IPI, ICMS e ISS não devem nem podem estar na base de cálculo do PIS/Cofins. A uma, porque de contribuição só tem o nome. Destina-se ao Tesouro e não a seguridade. A duas, porque a base de cálculo não é parcela de custo e de benefício que a União preste a algum grupo social, mas o lucro bruto das pessoas jurídicas, ainda que em estado pré-falimentar ou que não venha a ter lucro líquido (Imposto de Renda). É a versão tupiniquim de um imposto que já deixou de existir no mundo (gross income tax).
A decisão deixa-nos uma lição do STF, a de que a base de cálculo dos impostos mede o fato imponível (ou gerador do imposto) e não pode incidir sobre “despesas tributárias”. Vale para todos os impostos. Ocorrendo decisão desse jaez equivaleria a uma reforma tributária por via judicial. Tira 10% da carga fiscal excessiva do Brasil.
Por Sacha Calmon Navarro Coêlho
Fonte: tributario.com.br