Resumo: O tema do presente ensaio é a sujeição passiva tributária dita por substituição e por responsabilidade dos tributos não-vinculados1, tendo em vista que se fulcram em situação exclusivamente ligada àquele que manifesta signo presuntivo de riqueza, divorciadas de qualquer atuação estatal para o nascedouro da obrigação, razão pela qual excluir-se-á do tema alusões às taxas e contribuições de melhoria. No que pertine às contribuições, ante sua multifacetaridade e ausência de previsão constitucional de materialidade (excluídas as inscritas no artigo 195, da CF/88), o tema abordado a elas se aplica quando estas revestirem contornos de tributos não-vinculados (impostos). Partindo da análise do Direito Positivo em seu plano de expressão, nos propomos a construir conteúdos de significação que guardem íntima correlação com os enunciados prescritivos para, após, passar à análise dogmática e à pragmática, analisando criticamente como os utentes, participantes ou observadores do sistema2, encaram a substituição e a responsabilidade tributária.
Abstract: This paper analyses the dutiable liability assesment method known in brazilian law as “tax substitution” (the tax levied on the whole supply chain by a third party). This assesment method only applies to “non-linked taxes”. Those are the taxes wich the triggering event is a taxpayers behavior. On the other hand, “linked taxes” are those wich the triggering event is a States action, such public services fees. The diference between these two tax species is that the first is a sign of the taxpayers wealth, while the second is just an amount paid for a public service. To this extent, the objetive of this study was to investigate the “tax substitution” for non-linked taxes. In what concerns the contributions, it was considered as a third tax specie, whose triggering event is a taxpayers behavior (non-linked), but the amount raised has a specif destination (for social security, for example). In this context, the assesment method known as “tax substitution” also applies to this third specie, because these are considered “non-linked” taxes. Therefore, the study was carried out analysing the “tax substitution” based on the language theory, wich is the philosophy ground of this research. The objective is firstly an interpretation of the prescriptive statements in the legal system (dogmatic analysis). Then, in a second moment, the interpretation comes on a pragmatic level, analysing how the language users, participants or observers , face the “tax substitution” in Brazilian law3.
Sumário
Introdução
1. Pressuposto do Direito Tributário
1.1 Reserva Constitucional de Competência
1.2 Capacidade Contributiva como Suposto da Tributação por Impostos
2. Sujeição Passiva: Responsabilidade e Substituição
2. Sujeição Passiva no Código Tributário Nacional
3. Responsabilidade Tributária no CTN
3.1 Responsabilidade dos Sucessores (artigos 129 a 133)
3.2 Responsabilidade de Terceiros (artigos 134 e 135)
3.3 Outras Causas de Responsabilidade
4. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária
5. A Chamada “Substituição Tributária”
5.1 Diferimento ou “Substituição Tributária para Trás”
5.2 A Chamada Substituição Tributária para Frente
5.2.1 Substituição Tributária para Frente como Ficção Jurídica
5.2.2 Regra-Matriz de Incidência do ICMS na Substituição Tributária para Frente
5.2.2.1 Aplicação da Regra-Matriz de Incidência
6. Conclusões
Referências
Notas
Introdução
Os temas “Substituição Tributária” e “Responsabilidade Tributária”, nos últimos anos, têm animado a doutrina e a jurisprudência brasileira, que já se debruçaram sobre eles em inúmeras oportunidades, chegando a conclusões das mais variadas.
Tais institutos são sempre colocados como correlacionados e, em algumas oportunidades, inclusive, é possível observar um como espécie do outro, como no caso da “responsabilidade tributária por substituição”.
Construções desta natureza denotam os sinais que ciências estranhas ao Direito podem trazer à fenomenologia jurídica, notadamente da Ciência das Finanças e Econômica, porquanto sua premissa central atina à percussão da carga tributária no patrimônio daqueles que a suportam em detrimento da relação jurídica em si.
Por isso a premência em propor definições precisas acerca da chamada “Substituição Tributária” e da “Responsabilidade Tributária” partindo do único critério possível passa o jurista: a Ciência do Direito.
1. Pressuposto do Direito Tributário
1.1 Reserva Constitucional de Competência
Toda a atuação estatal tem como máximo fundamento de validade a reserva constitucional de competência, que servirá de arquétipo para a prática de todo e qualquer ato dos entes políticos. Sua observância no processo de positivação do direito é cogente e delimita as pretensões do Estado, além de assegurar direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, dentre os quais, o patrimônio, objeto dos gravames tributários.
A outorga constitucional de competências é rígida, estabelecendo os limites para o legislador infra-constitucional instituir, no âmbito tributário, exações que retirem parcela do patrimônio do particular em prol do Poder Público, visando ao atendimento de seus misteres.
Ao indicar as materialidades dos tributos, a CF/88 faz referência a um comportamento ou situação, os quais são compostos por um verbo e um complemento, que dão ensejo à identificação do critério material da regra-matriz de incidência tributária4.
Para visualizar a situação exposta, importa mencionar, em linhas gerais, as reservas constitucionais de competência para instituição de impostos pelos entes federativos:
– União – artigo 153, CF/88:
TRIBUTO | VERBO | COMPEMENTO | ESPÉCIE |
II | Importar | Produtos estrangeiros | Comportamento |
IE | Exportar | Produtos nacionais/nacionalizados | Comportamento |
IR | Auferir | Renda | Comportamento |
IPI | Industrializar | Produtos | Comportamento |
IOF | Realizar | Operações financeiras | Comportamento |
ITR | Possuir | Propriedade de bem imóvel rural | Situação |
IGF | Possuir | Grande fortuna | Situação |
– Estados e Distrito Federal – artigo 155, CF/88:
TRIBUTO | VERBO | COMPEMENTO | ESPÉCIE |
ITCMD | Transmitir ou doar | Causa mortis bens e direitos | Comportamento |
ICMS | Promover / prestar | Circulação de mercadorias / serviços de transporte intermunicipal, interestadual e comunicação | Comportamento |
IPVA | Possuir | Propriedade de veículo automotor | Situação |
– Municípios e Distrito Federal – artigo 156, CF/88:
TRIBUTO | VERBO | COMPEMENTO | ESPÉCIE |
IPTU | Possuir | Propriedade de bem imóvel urbano | Situação |
ITBI | Transferir | A propriedade de bens imóveis onerosamente inter vivos | Comportamento |
ISS | Prestar | Serviços de qualquer natureza | Comportamento |
Ao analisar a decomposição das materialidades constitucionalmente reservadas pela Constituição Federal aos entes federativos, observa-se que nos verbos apresentados há sempre um comportamento humano ou uma situação referida a algum bem (ITR, IPVA, IPTU) onde é possível identificar um sujeito (na acepção gramatical do signo) oculto (p. ex.: auferir – aquele que aufere).
Ao exercitar a competência tributária que lhe foi outorgada pela Carta Magna, ao legislador infra-constitucional incumbirá, em seu expediente enunciativo, iniciar o processo de positivação da norma a partir do núcleo reservado constitucionalmente, atendo-se principalmente à materialidade (verbo/complemento) no antecedente e, no conseqüente, ao critério pessoal (ativo, sem usurpação de competência alheia, e passivo, aquele sujeito oculto encontrado na conjugação do verbo presente no critério material), conforme lição do Insigne Geraldo Ataliba5:
Na própria designação constitucional do tributo já vem implicitamente dito ‘quem’ será o seu sujeito passivo. No quadro dos contornos fundamentais da hipótese de incidência dos tributos (…) está referido o sujeito passivo do tributo, aquela pessoa que, por imperativo constitucional, terá seu patrimônio diminuído, como conseqüência da tributação. (Destaque no original).
1.2 Capacidade Contributiva como Suposto da Tributação por Impostos
Pressuposto ínsito à pretensão impositiva do Estado e à reserva constitucional de competência, no que se refere aos tributos não-vinculados, é manifestação de capacidade contributiva pelo fato ou pela situação descritos no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, sem o quê, não há tributação.
Enquanto postulado, a capacidade contributiva pode apresentar-se de difícil definição semântica. Porém, enquanto axioma máximo do sistema tributário, alicerce máximo para sua construção, seu conteúdo de significação é verificável de plano: o Estado somente pode investir sobre fatos ou situações que manifestem signo presuntivo de riqueza6.
E isto se dá pelo simples motivo de que somente detém condições de contribuir aqueles que, de alguma forma, apresentam alguma capacidade econômica para tanto.
Sobre a capacidade contributiva, vale trazer à colação o magistério de REGINA HELENA COSTA7, in verbis:
Funciona, desse modo, como pressuposto ou fundamento jurídico do imposto, ao condicionar a atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o nascimento de obrigações tributárias. Representa sensível restrição à discrição legislativa, na medida em que não autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza.(Original sem grifo).
Nesse passo, à luz do princípio da capacidade contributiva, insculpido no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, a instituição de tributos deverá necessariamente observar manifestações de signos presuntivos de riqueza expressos nas relações intersubjetivas, para que se possa eleger o fato que o apresente como passível de repartição de parcela dessa grandeza com o Estado.
Tendo como premissa que o direito positivo tem como significado a regulação das condutas intersubjetivas; é dizer: se volta para as relações entre dois ou mais sujeitos, a instituição de tributos precisa voltar-se àquele sujeito da relação a quem a manifestação de riqueza incumbiu, porquanto a parcela reivindicada pelo Estado dela se retirará.
Este sujeito, que manifesta o signo presuntivo de riqueza, a quem a prestação da relação intersubjetiva compete é que deverá ser eleito pela norma como sujeito passivo natural da obrigação tributária, devendo, necessariamente, participar da relação intersubjetiva eleita pelo direito positivo como passível de gerar o vínculo obrigacional tributário.
Por certo que as relações jurídicas reguladas deonticamente pelas normas tributárias pertinem às condutas dos seus sujeitos ativo e passivo. Entretanto, não se pode deixar de observar que todo fato ou situação descritos nas hipóteses de incidência tributárias têm como substrato relações econômicas havidas entre dois ou mais sujeitos. Ou seja, não há manifestação de signo presuntivo de riqueza sem que a o fato manifeste circulação (transferência) de ativos (serviços, mercadorias, etc.) ou que a situação não seja oponível perante toda a sociedade (propriedade).
Conjugado ao precitado princípio da capacidade contributiva, o sujeito passivo eleito pela norma tributária participa da relação jurídica descrita no suposto da norma tributária com um ou mais sujeitos, manifestando signo presuntivo de riqueza. É ele o sujeito passivo natural da obrigação.
Todo o conteúdo de significações já explicitado teve como significado postulados constitucionais devidamente positivados que norteiam o sistema constitucional tributário, os quais se prestam a estruturar os enunciados prescritivos produzidos pelo legislador infra-constitucional; é dizer: sua observância é peremptória, inarredável, sob pena de ofender aos desígnios magnos e macular sua positivação no plano sintático.
Ao exercer a competência que lhe foi constitucionalmente outorgada, os entes federativos, na enunciação (em sede pré-normativa), deverão ater-se ao arcabouço das materialidades descritas no texto, donde é possível construir os elementos para composição da regra-matriz de incidência.
2. Sujeição Passiva: Responsabilidade e Substituição
2.1 Sujeição Passiva no Código Tributário Nacional
O Código Tributário Nacional, ao editar as normas gerais de direito tributário, à inteligência do estatuído no artigo 146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, define, em seu artigo 121, aqueles que poderão ser sujeitos passivos da obrigação tributária.
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Do texto legal transcrito é possível construir a definição legal de sujeito passivo adotada pelo CTN, que nomina contribuinte aquele que possui relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário e responsável a quem a lei atribui a obrigação, mesmo sem participar do vínculo obrigacional.
É depreensível, assim, que o contribuinte participa da relação intersubjetiva (de cunho econômico, não tributário) passível de gerar a obrigação tributária, ao passo que aoresponsável compete o adimplemento da prestação, mesmo sem dela participar. O feixe que o obrigará nascerá de razões outras, de um vínculo superveniente à aplicação da regra-matriz.
Sobre a condição de contribuinte, vale aqui ressalvar que a acepção com que trabalhamos é estritamente jurídica. Ou seja, pensamos que é aquele que é calcado ao posto de sujeito passivo na relação jurídica tributária, como, aliás, ensina PAULO DE BARROS CARVALHO8:
Economicamente, contribuinte é a pessoa que arca com o ônus do tributo. Nos domínios jurídicos, é o sujeito de direitos que ocupa o lugar sintático de devedor, no chamado “pólo passivo da obrigação tributária”.
No tocante ao responsável, seguimos a orientação do enunciado no inciso II, do artigo 128, do Código Tributário Nacional classificando-o logicamente como o indivíduo que assume o encargo de adimplir a obrigação tributária sem participar da relação jurídica tributária que a ela deu ensejo.
3. Responsabilidade Tributária no CTN
A fim de investigar o instituto da responsabilidade tributária, impende observar as disposições do CTN, que prevêem a possibilidade de lei tributária atribuir o que nominou de responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária a terceira pessoa, vinculada ao fato jurídico tributário. É o que se constrói a partir da redação do artigo 128 do diploma legal, sobre o qual, vale uma ponderação. Seu texto aduz à atribuição de responsabilidade pelo crédito tributário, do que se deflui, segundo o conteúdo semântico atribuído pelo CTN à expressão, que a responsabilização se dá supervenientemente à inserção de norma individual em concreta no sistema, quando a obrigação tributária já está devidamente constituída.
Para uma melhor visualização das normas encontradas no dispositivo, vale transcrevê-lo.
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Desta forma, à luz do disposto no citado artigo e seguindo as premissas preconizadas pelo próprio diploma legal, a lei poderia atribuir a responsabilidade pela prestação da obrigação tributária devidamente constituída (vertida em linguagem competente) – com a indicação de todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária, assim compreendido o sujeito passivo – a um terceiro a ela estranho, desde que, de alguma forma, esteja vinculado ao fato jurídico tributário.
A exegese atribuída ao dispositivo guarda correlação lógica com o preceituado no artigo 121, parágrafo único, inciso II, do CTN, que coloca como responsável aquele que não participou do fato jurídico tributário, mas que com ele guarde alguma espécie de vínculo.
Impende realçar que a natureza desta relação superveniente detém nítido caráter sancionatório, valorada negativamente pelo legislador ordinário, conforme magistério de PAULO DE BARROS CARVALHO9:
Rigorosamente analisada, a relação envolve o responsável tributário, porém, é forçoso concluir que não se trata de verdadeira “obrigação tributária”, mas de vínculo jurídico com natureza administrativa.
Com efeito, esta responsabilidade poderá se dar em caráter supletivo – quando subsiste a obrigação do contribuinte (na acepção do artigo 121, parágrafo único, inciso I, do CTN) –, bem como em substituição, quando o contribuinte, devedor originário, estará desobrigado à prestação.
Frise-se que, conforme já asseverado, o vínculo obrigacional do responsável pelo adimplemento da obrigação tributária ocorre em momento posterior à sua versão em linguagem competente e, por isso, exige uma nova norma individual e concreta para inseri-la no sistema.
Passemos à análise das causas de responsabilidade capituladas no Código Tributário Nacional, excetuando-se a por infrações.
3.1 Responsabilidade dos Sucessores (artigos 129 a 133)
A responsabilidade dos sucessores no CTN está intimamente ligada à transferência de titularidade de bens (por natureza ou ficção jurídica, como os bens do espólio) e direitos, passando o adquirente a responder pelos tributos sobre eles incidentes, instaurando-se o vínculo obrigacional, com a substituição do sujeito passivo, no momento em que se consuma a transação dos bens.
Note-se que a regra-matriz de incidência permanece incólume, sendo que o evento que dá ensejo à responsabilidade por sucessão ocorre após a sua aplicação, quando já há norma individual e concreta no sistema, ou em curso de inserção (art. 129, CTN).
3.2 Responsabilidade de Terceiros (artigos 134 e 135)
O pressuposto da responsabilidade de terceiros, que dá ensejo a instauração de um vínculo obrigacional, é o inadimplemento da obrigação tributária por dolo ou culpa sua. As causas elencadas no artigo 134 ilustram situações onde terceiros respondem por bens alheios, razão pela qual, eventuais inadimplementos de tributos, ante os elementos subjetivos dolo ou culpa, poderá causar-lhes a responsabilização pessoal.
Observa-se, ainda, caráter subsidiário, não obstante a previsão de pretensa solidariedade, porquanto necessariamente haver o esgotamento das investidas de percepção da obrigação perante os efetivos sujeitos passivos.
Como ocorre com a sucessão, há efetiva atribuição de responsabilidade da obrigação tributária devidamente constituída, supervenientemente à expedição de norma individual e concreta, efetivando-se, ainda, mediante a apuração de elemento subjetivo (dolo ou culpa), em caráter subsidiário.
Postas as ponderações, evidencia-se que todas as causas de responsabilidade tributária previstas no CTN, ao teor do seu artigo 128, são supervenientes à composição da regra-matriz de incidência, instaurando-se o vínculo do responsável após a inserção de norma individual e concreta no sistema, tido como responsabilidade por transferência.
3.3 Outras Causas de Responsabilidade
Conquanto as hipóteses legalmente tipificadas, que corroboram com a tese de que as causas de responsabilidade se dão quando a norma individual e concreta que aplica a regra-matriz de incidência já foi expedida, o artigo 128, do CTN, admite que a lei responsabilize terceiros que participem da relação intersubjetiva que dá ensejo à construção do fato jurídico tributário através da expressão “sem prejuízo do disposto neste capítulo” que inaugura a redação de sua cabeça.
Tendo como fundamento de validade o citado permissivo legal, poder-se-á inserir normas no sistema que impliquem na atribuição de responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária a terceiros, desde que vinculados ao fato jurídico tributário.
4. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária
A sujeição passiva da obrigação tributária é determinada no conseqüente da regra-matriz de incidência e deve observância ao artigo 121, parágrafo único, inciso I, do CTN, que preceitua a necessidade de o contribuinte participar do fato jurídico tributário, mesmo que não pratique o fato típico descrito no seu antecedente.
Atendendo aos desígnios da capacidade contributiva, quando aquele sujeito passivo eleito pela norma jurídica de tributação não manifestar signo presuntivo de riqueza, deverá existir norma diversa que lhe assegure o direito de reter daquele que manifesta parcela da prestação concernente ao tributo, a chamada norma de retenção, com a qual exsurge um vínculo obrigacional, de natureza civil, entre os sujeitos da relação intersubjetiva.
Será ele, sem dúvida, pela escolha procedida pelo direito positivo, o efetivo sujeito passivo da obrigação, não havendo qualquer substituição, pois a relação jurídica se instaurará entre sujeito ativo (ente tributante) e sujeito passivo (contribuinte), assim compreendido, frise-se, qualquer um que participe do fato jurídico tributário.
Por essas razões, insubsistentes as definições de sujeitos passivos diretos e indiretos, porquanto a sujeição passiva ser sempre daquele obrigado à prestação, com o qual se instaura o vínculo obrigacional.
Sobre a teoria da sujeição passiva direta e indireta, PAULO DE BARROS CARVALHO, à margem da posição de RUBENS GOMES DE SOUZA10, ensina:
(…) A teoria de que falamos vislumbrava no sujeito passivo aquela pessoa que estava em relação econômica com o fato jurídico tributário, dele extraindo vantagens. Seus escritos esclarecem, entretanto, que, por vezes, tem o Estado interesse ou necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente: dá-se então a sujeição passiva indireta. A sujeição passiva indireta apresenta duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade.
Foi útil a preleção desse jurista egrégio, para a relativa compreensão do fenômeno jurídico da sujeição tributária. Todavia, sua elaboração data dos albores do Direito Tributário no Brasil, quando os conceitos dessa Ciência se achavam fortemente impregnados pela influência negativa de categorias estranhas, principalmente de caráter econômico. Daí a improcedência de uma observação crítica decisiva e fulminante: não há, em termos propriamente jurídicos, a divisão dos sujeitos em diretos e indiretos, que repousa em considerações de ordem eminentemente factuais, ligadas à pesquisa das discutíveis vantagens que os participantes do evento retiram de sua realização. Interessa, do ângulo jurídico-tributário, apenas quem integra o vínculo obrigacional.
Com base na transcrição acima, podemos concluir com facilidade que a classificação de sujeição passiva direta e indireta não se sustenta, porquanto assente que será sujeito passivo (contribuinte) todo aquele que figurar no pólo passivo da regra-matriz de incidência tributária.
Destarte, nestes casos, não se estará diante de causas de responsabilidade, cujo suposto é a constituição pretérita da obrigação tributária, mas sim de eleição, pela lei, de um sujeito passivo para a ela adimplir, consoante já foi abordado em tópico próprio.
Portanto, a reponsabilidade tributária como ordinariamente tratada nada mais é do que mero caso de sujeição passiva.
5. A Chamada “Substituição Tributária”
A motivação que levou o legislador tributário a conceber o instituto da chamadasubstituição tributária para frente em sua atividade enunciativa, porque exaustivamente já dissecados em outras oportunidades, não serão abordados no presente trabalho.
Com efeito, fixada a premissa segundo a qual será contribuinte todo aquele que figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária por força de determinação legal, inçado pelo critério pessoal da regra-matriz de incidência, passemos à analisar a chamada substituição tributária.
Durante muito tempo, entendeu-se como substituição tributária o fenômeno segundo o qual a lei atribuiria a um terceiro, que não praticou o fato típico, a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária11.
Entretanto, tal posição parte de uma concepção pré-legislativa e está permeada de contornos de ciências estranhas à Ciência do Direito, conforme nos ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, confrontando as lições de RUBENS GOMES DE SOUZA12:
O teor pré-legislativo dessa construção aparece nitidamente ao tratar do mecanismo da substituição. Sustentou Rubens Gomes de Souza que se dava o fenômeno quando, em virtude de uma disposição expressa de lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, ou negócio tributado: nesse caso, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto.
Está bem claro que, na hipótese, o legislador nada substitui, somente institui. Anteriormente à lei que aponta o sujeito passivo, inexistia, juridicamente, aquele outro sujeito que o autor chama de direto. Havia, sim, sob enfoque pré-legislativo, como matéria-prima a ser trabalhada pelo político. Mas o momento da investigação jurídico-científica começa, precisamente, na ocasião em que a norma é editada, ingressando no sistema do direito positivo.
Por isso, aquilo que tradicionalmente se denomina “substituição tributária”, em rigor, nada mais é do que mera sujeição passiva tributária indistinta de qualquer outra
Isto porque a acepção semântica atribuída ao signo substituição pressupõe troca de determinada posição, o que não se dá na hipótese, mas sim a incidência da regra-matriz, com a indicação do sujeito passivo eleito pela lei, posto que inexiste alternância de sujeitos.
Entretanto, isto não significa absoluta liberdade ao legislador na eleição do sujeito passivo, pois este deve observância aos requisitos preconizados pelo artigo 128, do CTN, notadamente aquele que determina a relação direta com a hipótese de incidência.
5.1 Diferimento ou “Substituição Tributária para Trás”
Ordinariamente, definem-se o diferimento da seguinte forma:
No diferimento, os Estados adiam o momento do lançamento e do recolhimento do ICMS para o momento futuro, transferindo a responsabilidade para contribuinte destinatário da mercadoria.
Significa “transferência de sujeição passiva”, ou transferência da responsabilidade tributária para um contribuinte que participe de uma das subseqüentes etapas da circulação da mercadoria 13.
Segundo a definição supracitada, a sujeição passiva seria transferida para outro sujeito (um terceiro), em substituição, para que este pagasse futuramente a exação respectiva.
Tal definição, como se pode observar, guarda estrita convergência com a posição tradicional defendida por RUBENS GOMES DE SOUZA. Entretanto, para as premissas desenvolvidas neste trabalho, preferimos encarar o diferimento simplesmente como indicação diferenciada dos critérios temporal no antecedente e temporal no consequente da regra-matriz de incidência.
Note-se, por isso, que não se evidencia hipótese de substituição.
Ressalte-se, por oportuno, a premência da regra de retenção quando não houver manifestação, pelo sujeito, de signo presuntivo de riqueza.
5.2 A Chamada Substituição Tributária para Frente
Modalidade sui generis de sujeição passiva é a denominada substituição tributária para frente, com permissivo constitucional no artigo 150, § 7º da Carta Magna, cujo texto segue:
§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Pelos mesmos motivos apontados quando do estudo da substituição para trás, há flagrante imprecisão na expressão substituição tributária para frente, pois, conforme já dito, não há troca de sujeitos, mas apenas e tão somente a escolha de um único pela lei.
O que se observa, em verdade, é a sujeição passiva de uma determinada pessoa, que é contribuinte de obrigação tributária, pelo adimplemento de prestação oriunda de um fato jurídico tributário cuja ocorrência se dá por ficção jurídica.
Impende realçar que a limitação constitucional para a presunção legal da ocorrência de fato jurídico tributário futuro (ficção jurídica) encontra limites na probabilidade de que ele efetivamente venha a se consumar prospectivamente, o que torna o instituto adstrito aos tributos incidentes sobre cadeias produtivas ou de consumo.
5.2.1 Substituição Tributária para Frente como Ficção Jurídica
A digressão acerca da chamada substituição tributária para frente passa pela necessária definição da acepção com que trabalhamos as ficções jurídicas.
Em linhas gerais, temos a ficção jurídica como a realidade constituída pelo direito em exceção ao regime ordinariamente por ele concebido, de onde se impõe uma relação jurídica diante da verificação de um suposto diverso.
Neste sentido, vale trazer à colação a lição de ANGELA MARIA DA MOTTA PACHECO14, in verbis:
(…) a norma introdutora de ficção no sistema tem de ser analisada em relação a outras normas já neste existentes. Tudo se passa no Universo do Direito Positivo, dentro do ordenamento jurídico. Este fato é facilmente verificável em relação às Ficções de Remissão.
Estas, claramente rementem-se a outras normas do sistema quando dizem: “Consideram-se…”; “É também…”;, “Incide também…”
Em rigor, é o que ocorre no caso da substituição tributária para frente, conforme se observa da redação do artigo 26, da Lei nº 1.423/89 do Estado do Rio de Janeiro abaixo transcrito, o qual trata especificamente da ficção jurídica relativa ao ICMS devido por substituição tributária, in verbis:
Art. 26 – No caso do inciso II do artigo 2415, considera-se ocorrido o fato gerador relativo à operação ou operações subsequentes, tão logo a mercadoria seja posta em circulação pelo contribuinte substituto. (Original sem grifo).
Importante destacar que a legislação atribui da denominação “operação subsequente” àquelas cuja ocorrência é presumida por ficção jurídica quando da saída da mercadoria do estabelecimento industrial ou atacadista.
Dito isso, da simples leitura do dispositivo destacado, observa-se que ele constitui exceção à regra geral de tributação do ICMS, qual seja, do critério temporal saída do estabelecimento do sujeito passivo16.
Por isso, a substituição tributária para frente é uma Ficção Jurídica de Remissão, onde o critério temporal no antecedente o pessoal no consequente são excepcionalmente diversos da regra geral da exação.
5.2.2 Regra-Matriz de Incidência do ICMS na Substituição Tributária para Frente
Posto que a substituição tributária para frente no ICMS consubstancia-se Ficção Jurídica por Remissão, passemos a analisar suas limitações e estruturas normativas.
De antemão, já manifestamos que, para nós, o manejo da substituição é válido, desde que assegure, conforme exposto no enunciado constitucional, a restituição da prestação tributária advinda do fato jurídico presumido não consumado ou havido a menor, bem como mecanismos que permitam o reembolso do sujeito passivo eleito junto àquele que pratica o fato jurídico efetivo (manifestando signo presuntivo de riqueza), em estrita observância ao princípio da capacidade contributiva.
Com efeito, característica intrínseca à sujeição passiva pelo fato jurídico tributário futuro fictício é a não participação do sujeito posto na condição de devedor pela lei da relação intersubjetiva que manifesta o conteúdo econômico perseguido pelas normas tributárias.
Tal situação amolda-se na figura do responsável descrito no artigo 121, parágrafo único, inciso II, do CTN, pois, sem revestir a condição de contribuinte (leia-se: sem estar diretamente relacionado com o fato jurídico tributário), sua obrigação decorre expressamente da lei. Não obstante, é considerado sujeito passivo no vínculo obrigacional.
Na hipótese testilhada, o sujeito passivo do fato jurídico tributário futuro fictício, conforme já dito, não participa do evento que lastreia a obrigação tributária, decorrendo sua obrigação exclusivamente da lei, razão pela qual, é ele responsável, na acepção atribuída pelo CTN.
É possível, portanto, compor uma regra-matriz de incidência por fato jurídico tributário futuro presumido e, para tanto, servimo-nos do exemplo do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, tomando por base uma cadeia produtiva simplificada:
ANTECEDENTE:
Critério Material: Promover (verbo) Circulação de Mercadorias (complemento);
Critério Espacial: Circunscrição do Estado;
Critério Temporal: Considera-se ocorrida a operação subseqüente quando da saída da mercadoria do estabelecimento industrial (presunção legal);
CONSEQÜENTE:
Critério Pessoal: Sujeito Ativo: Estado;
Sujeito Passivo: O industrial;
Critério Quantitativo: Base de Cálculo: Valor presumido da operação;
Alíquota: Aquela constante da legislação específica.
Destrinchada a regra-matriz de incidência do fato jurídico tributário futuro presumido, é possível observar que ela diferencia-se da regra-matriz regular do tributo no critério temporal no antecedente e nos critérios pessoal (sujeito passivo) e quantitativo (base de cálculo) no conseqüente.
Isto se dá por ficção jurídica, por se poder presumir que, após a saída da mercadoria do estabelecimento industrial, por exemplo, ocorrerá subsequentemente uma operação mercantil sujeita ao ICMS. Ou seja, dato o fato de que é grande a possibilidade de operação mercantil após a saída da mercadoria do estabelecimento industrial, então considera-se consumada sua hipótese no momento em ocorrer esta saída.
No exemplo apontado, frise-se, o fato de o industrial vender a mercadoria para o comerciante gera a presunção de que, futuramente, haverá uma operação mercantil entre o comerciante e um consumidor final, sobre a qual haverá a incidência da regra-matriz do ICMS. Existe entre os fatos uma decorrência lógica que os conecta, porque, havendo a aquisição de uma mercadoria por um comerciante, é depreensível que ele a colocará no mercado de consumo e praticará o fato descrito no suposto conotativo da regra-matriz de incidência.
5.2.2.1 Aplicação da Regra-Matriz de Incidência
À regra-matriz de incidência, como norma geral e abstrata que é, por capitular em seu antecedente enunciados conotativos para identificação de eventos em sua versão como fatos jurídicos, é imprescindível a expedição de uma norma individual e concreta para que seja aplicável. Esta norma individual e concreta, considerada como veículo introdutor, poderá constituir diversos fatos relatando a ocorrência de diversos eventos com as respectivas subsunções, introduzindo normas outras das mais diversas naturezas.
Quando da versão em linguagem competente de determinados fatos (enunciados denotativos) previstos na regra-matriz de incidência (enunciados conotativos), poder-se-ão, no antecedente da norma individual e concreta que os insere no sistema, narrar a aplicação de sua subsunção a diversas normas gerais e abstratas, dentre elas as normas de crédito não-cumulativo (caso do ICMS e IPI, p. ex.), norma de fato jurídico tributário futuro por ficção, etc..
A título ilustrativo, servimo-nos novamente do ICMS, tomando por base uma cadeia de substituição tributária:
Rec. 0,50 Op. I-C.
Rec. 0,50 Op. C-CF
V. 10,00 10,00
Vl. Prod. 15,00
V. Pres. 20,00
P
R. 9,00
V. 15,50
I C CF
Rec. 1,00 Op. P-I
P = Produtor;
I = Industrial;
C = Comerciante;
CF = Consumidor Final;
V. = Venda;
R. = Recebe;
V. Prod. = Valor Produto;
V.Pres. = Valor Presumido;
Rec. = Recolhe;
Op. = Operação;
* Na cadeia produtiva demonstrada, a título ilustrativo, adota-se a alíquota única de 10% (dez por cento) sobre o valor de cada operação.
Salienta-se que todas as obrigações tributárias havidas na cadeia constarão apenas e tão somente de uma única norma individual e concreta que as inserirá no sistema, expedida pelo sujeito passivo da todas elas (o industrial), que recebe a incumbência de cumprir os dever instrumentais – promover o auto-lançamento – vertendo em linguagem competente todos os fatos praticados ou presumidos.
Haverá subsunção dos fatos a diversas normas, conquanto sua a incidência se dê de uma só vez.
Na cadeia ilustrada, quando ocorre a operação P-I, a lei elege como sujeito passivo no conseqüente da regra-matriz de incidência atinente àquela relação intersubjetiva oIndustrial, que deverá adimplir a prestação tributária. Note-se que, na hipótese, o sujeito passivo participa do fato que dá suporte à incidência da norma tributária, subsistindo seu direito de retenção junto àquele que obteve vantagem econômica com o evento.
Da operação erigirá o direito ao crédito (não-cumulatividade) do industrial, sendo possível construir uma regra-matriz concernente:
ANTECEDENTE:
Critério Material: Adquirir (verbo) matéria prima (complemento);
Critério Espacial: No Estado;
Critério Temporal: Momento da aquisição da mercadoria;
CONSEQÜENTE:
Critério Pessoal: Sujeito Ativo: Sujeito passivo da obrigação tributária subseqüente;
Sujeito Passivo: Estado;
Critério Quantitativo: Valor do ICMS pago pela operação anterior;
É de simples constatação que, sobre uma mesma relação, há incidência de duas normas distintas, gerando vínculos obrigacionais diversos – a regra-matriz de incidência e a norma de crédito decorrente da não-cumulatividade, além da norma de retenção, de natureza civil.
Com efeito, na operação I-C ocorre um novo evento descrito no enunciado conotativo da regra-matriz de incidência tributária, promovendo o industrial a circulação de mercadoria. De tal fato nascerá a obrigação tributária, tendo como sujeito passivo aquele que efetivamente manifesta signo presuntivo de riqueza, bem como exsurgirá um direito a crédito decorrente da não-cumulatividade, cujo sujeito ativo será o passivo da próxima operação.
No mesmo momento em que se consuma a regra-matriz de incidência da operação I-C (em seu critério temporal), haverá a presunção de ocorrência de fato jurídico tributário futuro descrito no antecedente de outra regra-matriz de incidência (operação C-CF), tendo como sujeito passivo também o industrial que, por assumir esta condição, passará a figurar como sujeito ativo da norma de crédito da não-cumulatividade.
Portanto, será expedido enunciado denotativo através do auto-lançamento promovido pelo sujeito passivo das operações, onde se narrará a consumação de fatos descritos no suposto da regra-matriz de incidência tributária, da norma de crédito relativo à não-cumulatividade, da norma de retenção e da regra-matriz de incidência tributária sobre fato futuro presumido.
Todas as operações configuram-se relações jurídicas distintas, previstas em antecedentes diversos de enunciados conotativos, sendo inegável referirem-se a fatos jurídicos diferentes.
6. Conclusões
De tudo que se expôs, pode-se concluir que: