Com o julgamento do recurso especial nº 1.532.943/MT, onde o STJ chancelou um plano de recuperação judicial aprovado com cláusula que previa a supressão de garantias reais e pessoais vinculadas às dívidas da empresa em recuperação, grandes debates se formaram em torno das consequências e sobre o acerto, ou não, do entendimento.
Tratando especificamente das garantias pessoais, não é de hoje que a aplicação da regra do artigo 49 da Lei 11.101/2005, indicando que os credores da empresa em recuperação judicial conservam seus direitos de cobrança contra os coobrigados da dívida, gera polêmica.
A grande questão sempre foi a difícil harmonização prática entre a “novação” gerada pela aprovação do plano de recuperação judicial (artigo 59 da Lei 11.101/2005) e o direito de cobrança das garantias originariamente atreladas às obrigações da recuperanda.
No início da vigência da lei, ainda em um momento de confusão interpretativa, era corriqueiramente obstado o prosseguimento de ações judiciais em face dos coobrigados pelas dívidas das empresas em recuperação judicial, justamente por conta da novação prevista em lei. Contudo, os entendimentos doutrinários e a grande pressão por parte dos credores logo direcionaram a jurisprudência para a possibilidade de se exercer livremente o direito de cobrança em face dos coobrigados pelas dívidas da recuperanda.
Com a sofisticação dos planos de recuperação judicial, passou-se a observar a inclusão de cláusulas que buscavam afastar as garantias vinculadas às obrigações da recuperanda. Com a inserção cada vez mais comuns de cláusulas neste sentido, criou-se o costume cauteloso entre os detentores de créditos com garantias de sempre manifestar uma “ressalva” no momento da votação do plano de recuperação judicial, dando conta de que não concordavam com a supressão das garantias vinculadas aos seus créditos específicos.
A questão pareceu se estabilizar, quando o STJ passou a reconhecer a ilegalidade de cláusulas do plano de recuperação judicial que objetivavam extinguir as garantias atreladas às dívidas da empresa em recuperação judicial, ainda que o detentor do crédito em questão não se insurgisse expressamente contra tal previsão. Tal entendimento, que encontra guarida no artigo 50, § 1º, da Lei 11.101/2005, foi logo compartilhado pelos tribunais de todo o país.
No entanto, o julgamento do recurso especial destacado no início deste artigo e ainda sem desfecho definitivo, trouxe grande incerteza ao cenário jurisprudencial.
Sem adentrar as especificidades do caso, o acórdão proferido nesse recurso destoou significativamente do entendimento até então defendido pelo STJ, ao consignar que a supressão das garantias seria possibilitada em caso de aprovação dos credores, levando em conta a vontade manifestada pela maioria das respectivas classes.
Com efeito, o desfecho aplicado a esse recurso, desafiado por embargos de divergência ainda pendentes de julgamento, alterou o entendimento até então pacificado pelo STJ, ao deixar de exigir que a supressão da garantia contasse com a concordância específica do credor interessado.
O afastamento de garantias vinculadas às obrigações da empresa em recuperação judicial, sem a necessidade de expressa concordância do credor diretamente afetado, afronta o artigo 50, § 1º, da Lei 11.101/2005, resultando em grande incerteza jurídica.
Ora, a Lei 11.101/2005 tem por objetivo viabilizar a superação econômica de empresas com dificuldades financeiras, sempre levando em conta a importância da sua função social. Por outro lado, o novo posicionamento do STJ, ao chancelar a extinção de garantias pessoais por mera aprovação da maioria em assembleia, poderá estender benesses próprias da recuperação judicial para pessoas físicas atreladas às dívidas da recuperanda.
O acórdão do STJ defende ser descabido restringir a supressão das garantias somente aos credores que tenham votado favoravelmente nesse sentido, sob o fundamento de que tal medida conferiria tratamento diferenciado aos demais credores da mesma classe. Contudo, o entendimento dos ministros esquece princípios básicos contratuais, culminando na revogação forçada de obrigação livremente assumida, sem o consentimento da parte que seria a única beneficiada pela garantia.
É desnecessário ressaltar que, ao deixar de exigir autorização do credor específico que será afetado pela supressão de garantias no processo de recuperação judicial, o STJ deixou as Instituições Financeiras e os credores em geral extremamente temerosos.
Diante da relevância do papel que as garantias pessoais e reais exercem na concessão de créditos pelas instituições – muitas vezes sendo premissas básicas para a formalização do negócio – caso se vislumbre uma real fragilidade na manutenção das garantias em processos de recuperação judicial, poderemos vivenciar efeitos desastrosos no mercado de créditos.
Neste cenário, acompanhamos de perto o desfecho dos embargos de divergência que ainda pendem em face deste recurso especial, aguardando esperançosos por uma decisão que volte a trazer segurança para as relações creditícias em nosso país.
Caio Gregolin – sócio do escritório Rosely Cruz Sociedade de Advogados by “neolaw.”. Pós-graduado em Processo Civil e Empresarial. Cursos de Commercial Insolvency and English Law pela Universidade de Oxford/Reino Unido, e Recuperação Judicial e Métodos de Solução Alternativas de Disputas nos EUA, pela Califórnia Western School of Law – San Diego/USA.
Fonte: JOTA