O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – é um tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, cujo campo de incidência é definido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 155, inciso II.
Nos termos da norma constitucional, o mencionado imposto incide sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
In abstracto, o texto constitucional não pretendeu tributar todas e quaisquer operações, mas tão somente aquelas capazes de ocasionar a mudança de propriedade do bem, de tal forma que o fato gerador do imposto restasse configurado sempre quando ocorresse circulação jurídica, isto é, que importe na transferência de titularidade da mercadoria, sem a qual tais operações não produzirão efeitos fiscais.
Para os fins tributários, o fornecimento de energia elétrica é considerado como mercadoria, em decorrência da interpretação direta do texto constitucional e do artigo 2º, §1º, inciso III, LC 87/96, refletida expressamente na legislação tributária do ICMS em cada Estado da Federação, como por exemplo, no caso do Pará, artigo 1º, §2º, inciso I, alínea b, Decreto nº 4.676/01, lê-se:
Lei Complementar nº 87/96:
Art. 2° O imposto incide sobre:
§1º O imposto incide também:
III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
Decreto nº 4.676/01 – Regulamento do ICMS-Pará
Art. 1º O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, tem como incidência:
§2º Para efeitos de aplicação da legislação do ICMS:
I – considera-se mercadoria:
b) a energia elétrica;
Contudo, embora as operações envolvendo energia elétrica tenham sido equiparadas a operações mercantis, elas apresentam algumas especificidades, posto que o consumo pressupõe a produção por meio das usinas hidrelétricas, bem como a sua transmissão e distribuição por intermédio das concessionárias.
Entretanto, a distribuidora de energia não se afigura como um comerciante, que revende mercadorias de seu estoque ao consumidor final, até porque energia sequer poderia ser estocada, revendida ou até mesmo reutilizada para outros fins.
Assim, para fins de incidência do ICMS, só ocorre operação relativa ao fornecimento de energia elétrica no momento em que o usuário consume a eletricidade, ou seja, transforma os kilowatts (kW) disponibilizados pela concessionária em utilidade, como por exemplo, ao acender uma lâmpada ou ligar a televisão.
Nesse sentido, no cálculo do valor da energia elétrica será considerado todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo da energia pelo usuário, porém, tais fases não possuem autonomia para ensejar incidências isoladas do imposto, mas apenas aquela em que ocorre o efetivo consumo.
Isso porque, a distribuidora de energia, na prática, não realiza uma operação mercantil até o momento do consumo da energia, apenas viabiliza a sua utilização, interligando a fonte produtora ao consumidor final. Ou seja, a transmissão e a distribuição, para fins fiscais, é apenas o meio necessário ao fornecimento de energia, porém, a hipótese de incidência só ocorre quando do efetivo consumo.
Tanto é verdade, que em consonância com a regra-matriz de incidência prevista na Constituição Federal, o artigo 12, inciso I, da Lei Complementar nº 87/96, prevê o pressuposto da tradição da mercadoria como elemento capaz de gerar o dever de pagar o ICMS, ao eleger a saída da mercadoria do estabelecimento como o momento da ocorrência do fato gerador, veja-se:
Lei Complementar nº 87/96:
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I – da saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.
No mais, esta premissa também se faz presente na própria legislação que rege o setor elétrico do país, qual seja, a Resolução Normativa sob nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica, que estabelece as Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica, cujo teor dos artigos 14 e 15 dispõem respectivamente:
Resolução Normativa sob nº 414/2010 – ANEEL
Art. 14. O ponto de entrega é a conexão do sistema elétrico da distribuidora com a unidade consumidora e situa-se no limite da via pública com a propriedade onde esteja localizada a unidade consumidora, exceto quando: (omissis)
Art. 15. A distribuidora deve adotar todas as providências com vistas a viabilizar o fornecimento, operar e manter o seu sistema elétrico até o ponto de entrega, caracterizado como o limite de sua responsabilidade, observadas as condições estabelecidas na legislação e regulamentos aplicáveis.
Em suma, se pode dizer que só ocorre o fato gerador do ICMS quando da saída da energia elétrica do local em que é produzida (usinas) para outro estabelecimento que a utilize para consumo (domicílio), o que ocorrerá mediante uma relação jurídica de natureza mercantil entre a concessionária e o consumidor.
Em outras palavras, com base na legislação aplicável, o ponto de entrega da energia elétrica é o relógio medidor situado em regra nos limites da via pública, ou dentro do próprio estabelecimento do usuário, que uma vez disponibilizada, será individualizada aos consumidores e medida pelo relógio em kilowatts/hora (kWh), caracterizando sua circulação e a ocorrência do fato gerador do ICMS.
Vale dizer que seria até mesmo impossível afirmar que saída ocorre antes da energia chegar ao ponto de entrega, pois a enegia circula pelas linhas de distribuição sem destinatário certo, só havendo individualização e medição quando o usuário a transforma em outro uso. Por esse motivo não é possível eleger momento anterior à entrega da energia ao consumidor como critério temporal capaz de determinar a ocorrência do fato gerador.
Sendo assim, os encargos responsáveis pela transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) de energia, apenas existem para compensar a concessionária pelos custos diretos e indiretos correspondentes a disponibilização da estrutura necessária para fornecimento de energia elétrica até o consumidor, fato este, que para fins tributários, não tem qualquer relação com a operação de circulação nem mesmo com o efetivo consumo.
Apenas para esclarecer que não se pode questionar a legalidade da cobrança das Tarifas de Uso e Distribuição de Energia, na medida em que são custos para a prestação do serviço e consubstancia o preço do produto final, mas isso não torna possível a sua inclusão na base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia fornecimento de energia elétrica, pois estas possuem natureza jurídica distinta da operação de consumo de energia.
Isso porque, enquanto o pagamento da tarifa de energia elétrica corresponde ao negócio jurídico de aquisição de energia, as Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e Transmissão, custeiam uma operação distinta, qual seja, a condução da energia pelo sistema até a residência do consumidor.
Assim, apenas o montante ao preço da tarifa de energia elétrica consumida pelo usuário deveria estar sendo incluído na base de cálculo do ICMS, eis que somente no momento do efetivo consumo é que ocorre a saída da energia e sua correspondente entrega ao consumidor (circulação da mercadoria), logo, a inclusão de tais valores na base imponível do ICMS, na prática, acarreta em incidência do imposto sem qualquer previsão legal.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal e Justiça, fundada justamente nas premissas acima, é unânime acerca da não incidência do ICMS sobre as Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e Transmissão (TUST e TUSD), conforme o seguintes julgados:
PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – COBRANÇA DE ICMS COM INCLUSÃO EM SUA BASE DE CÁLCULO DA TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – TUSD – INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES.
1. É firme a Jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido de que não incide ICMS sobre as tarifas de uso do sistema de distribuição de energia elétrica, já que o fato gerador do imposto é a saída da mercadoria, ou seja, no momento em que a energia elétrica é efetivamente consumida pelo contribuinte, circunstância não consolidada na fase de distribuição e transmissão. Incidência da Súmula 166 do STJ. Precedentes jurisprudenciais. 2. Agravo regimental não provido.
(Superior Tribunal e Justiça, AgRg no REsp 1075223 / MG, Segunda Tuma. Rel. Mim. Eliana Calmon, Julgado em 04/06/2013)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. TRANSMISSÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. SÚMULA 166/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da mercadoria, e não do serviço de transporte de transmissão e distribuição de energia elétrica. Desse modo, incide a Súmula 166/STJ.
2. Ademais, o STJ possui entendimento no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS.
3. A discussão sobre o montante arbitrado a título de verba honorária está, em regra, indissociável do contexto fático-probatório dos autos, o que obsta o revolvimento do quantum adotado nas instâncias ordinárias pelo STJ, por força do disposto em sua Súmula 7.
(Superior Tribunal de Justiça, AgRg nos EDcl no REsp 1267162 / MG, Segunda Turma. Rel. Min. Herman Benjamim. Julgado em 16/08/2012).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. ILEGITIMIDADE. PRECEDENTES. TRANSMISSÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (TUST E TUSD). INCIDÊNCIA DA SÚMULA 166/STJ. PRECEDENTES.
1.Discute-se nos autos a possibilidade de o contribuinte pagar ICMS sobre os valores cobrados pela transmissão e distribuição de energia elétrica, denominados no Estado de Minas Gerais de TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica).
2. A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, nos casos de discussão sobre a cobrança de ICMS, a legitimidade passiva é do Estado, e não da concessionária de energia elétrica. Precedentes.
3. A Súmula 166/STJ reconhece que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Assim, por evidente, não fazem parte da base de cálculo do ICMS a TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e a TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica). Precedentes.
(Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1359399 / MG, Segunda Turma. Rel. Min. Humberto Martins. Julgado em 11/06/2013)
Desta forma, não restam dúvidas de que a remuneração do uso das redes de transmissão e distribuição não se enquadram na hipótese de incidência do ICMS por não implicarem em circulação de energia elétrica, mas tão somente permitem que esta esteja ao alcance do usuário, viabilizando o fornecimento pelas empresas aos consumidores finais.
Diante deste panorama, uma vez exigida, é possível pleitear a exclusão dos valores correspondentes a tarifa pelo uso dos sistemas de distribuição e transmissão (TUSD e TUST), da base de cálculo do ICMS incidente sobre energia elétrica, uma vez que se destinam tão somente a remunerar os custos com a utilização do sistema, ou seja, pela disponibilização da estrutura necessária para o fornecimento da energia.
Por Thiago Nobre Maia
Fonte: tributario.com.br