Os noticiários dão conta de que os ajustes fiscais em curso têm trazido certo alento aos agentes econômicos, que preveem melhoras significativas das condições macroeconômicas entre 2017 e 2018. O fato de a PEC do Teto dos Gastos ter passado com folga na Câmara e, no Senado, aparentemente não contar com animosidade por parte da maioria dos senadores, encoraja especulações positivas quanto à Reforma da Previdência. Mantido o estado atual das coisas, é de se supor que também passará no Congresso. E isto é bom para as contas públicas, que é bom para investimentos, que é bom para geração de empregos e circulação de riquezas, que é bom para a retomada da atividade fabril, para o comércio, para prestadores de serviços, e assim por diante.
Essa avaliação não é minha, não sou economista e não dedico meu tempo ao exame dos indicadores próprios da macroeconomia. É, em suma, um breve resumo da opinião de profissionais respeitados que efetivamente se debruçam a esses estudos. As conclusões fazem sentido, não vejo como não concordar com elas.
Mas, essa análise ainda não é suficiente para acalmar a ansiedade de grande parte da massa da população economicamente ativa, que está mais preocupada com o dia-a-dia, com o agora. Alguns fantasmas assombram essa parcela da população. Um desses monstros é o desemprego. O outro monstro, o bicho-papão, é sem dúvida a inflação, que tolhe os ganhos reais e o poder de compra, que deixa todos um pouco mais pobres a cada dia.
Uma Reforma Tributária eficiente poderia devolver esse poder de compra perdido e, quiçá, contribuir positivamente à retomada da economia. Senão vejamos.
Há, no Sistema Tributário atual, 06 (seis) tributos que contribuem diretamente à formação de preços: Imposto de Importação, IPI, ICMS, PIS, Cofins e ISS. Dessa lista, o ISS e o Imposto de Importação não são “não cumulativos”. Isto quer dizer que, em relação às mercadorias importadas, sempre haverá uma parcela do preço que é composta de imposto de importação. Já quanto ao ISS, ele será arcado como custo nas sucessivas etapas de uma eventual “cadeia de serviços”, de modo que o preço cobrado do consumidor final pelo último prestador também estará composto em grande parte de tributos.
Os demais, a despeito de serem “não cumulativos”, também são vilões dos preços.
Apesar de o PIS e a Cofins almejarem uma não cumulatividade, o regime a eles aplicados não retira totalmente as contribuições de etapas anteriores da base de formação de preços, dado que as despesas passíveis de serem creditadas por seus contribuintes, segundo a legislação, não correspondem à totalidade dos encargos e demais custos que foram tributados quando de suas aquisições. Ou seja, sempre haverá uma parcela das contribuições no custo das mercadorias. Ainda sobre o PIS e a Cofins, a alíquota global de 9,25% é, por si só, sensivelmente alta. E há também as alíquotas majoradas dos regimes monofásicos que incidem sobre boa parte dos produtos que compõem a “cesta da inflação”, como medicamentos, higiene pessoal, combustíveis, veículos, autopeças, gás de cozinha e bebidas frias. Nesses casos, as alíquotas podem variar de 12% a 57%, conforme a mercadoria, sendo bem restrita a aplicação da não cumulatividade. Não fosse o bastante, fabricantes, atacadistas e varejistas de motocicletas, semeadores, tratores e cigarros também se veem às voltas com a substituição tributária de PIS e Cofins, com regras próprias, complexas e que, ao final, majoram muito o preço de venda ao consumidor.
Aliás, os efeitos econômicos dos regimes monofásico e de substituição tributária merecem comentários à parte. O objetivo desses regimes de concentração tributária é antecipar a arrecadação, otimizar a fiscalização e eliminar a sonegação fiscal. São escopos legítimos, afinal, estão umbilicalmente relacionados à capacidade estatal de prover serviços à população, como saúde, educação e segurança. Entretanto, na prática, proporcionam tributação efetiva muito maior do que aquela que seria verificada se vigente o regime regular de incidência em cada etapa de um ciclo mercantil e/ou industrial.
O leitor certamente conseguirá visualizar melhor esses efeitos danosos quando tem em mente o ICMS. Tributo não cumulativo por natureza, o imposto estadual é calculado por variadas alíquotas, entre 7% e 25%, e foi objeto de recentes alterações, especialmente nas operações interestaduais e nas importações. Mas, suas principais agruras estão mesmo no regime de substituição tributária, muitas vezes apurado por MVAs que não correspondem à real margem de lucratividade do setor e com demasiadas regras de apuração diferentes em cada Estado. É verdade que a recente decisão do STF tende à correção das MVAs abusivas. Entretanto, há um largo espaço de tempo entre o encargo econômico sofrido pela incidência do ICMS-ST na compra da mercadoria e sua efetiva restituição por parte do Estado. Isto problematiza sobremaneira o fluxo de caixa da empresa que, sem dúvida alguma, configura ônus a ser repassado no preço ao adquirente, o consumidor.
Os percalços aqui apresentados constituem um breve resumo de todo o contexto que resulta em elevados preços aos consumidores. De tempos em tempos são realizadas pesquisas por órgãos e institutos que saem em defesa dos contribuintes. Elas informam que, de modo geral, de 30% a 60% do preço cobrado no varejo corresponde, a depender da mercadoria, aos ditos tributos indiretos. Ou seja, a redução desta carga devolveria o poder de compra à população, o que certamente implicaria positivamente no aquecimento do consumo, geraria demanda às fábricas, que se veriam diante da necessidade de contratar mais funcionários, adquirir maquinário, etc.
Uma das formas de se fazer tal racionalização é unificar IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins em um grande IVA nacional sujeito ao regime não cumulativo e ao princípio da seletividade. O efeito direto disso seria justamente a redução da tributação incidente sobre preços, já que a União teria, somente ela, a competência para instituir um tributo não cumulativo, cuja meta seria sua incidência apenas sobre o valor agregado, e também seletivo, que preza a menor tributação aos bens mais essenciais, e vice-versa.
É claro que tudo isto passa por um amplo debate no Congresso, mesmo porque os governos estaduais e municipais perderiam, no cenário posto, expressiva parcela de sua arrecadação. Mas, por mais espinhoso que seja o tema, a Reforma Tributária não pode ser esquecida. Não somente porque a carga tributária brasileira é uma das maiores do mundo, mas também porque boa parte dessa carga incrivelmente alta é composta por tributos sobre preços, que têm reflexos danosos em toda a economia.
Por Adolpho Bergamini
Fonte: tributario.com.br