1- INTRODUÇÃO
No dia 20 de julho de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União (“DOU”) o Decreto nº 9.101/2017, cujos efeitos legais passaram a vigorar a partir de 21 de julho de 2017, alterando os Decretos nºs 5.059/2004 e 6.573/2008, que estabeleciam redução das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de combustíveis.
Em razão da recente alteração legislativa “extinguindo e alterando” os coeficientes de redução das alíquotas das Contribuições Sociais incidentes sobre os combustíveis, os contribuintes e, por via de consequência, os consumidores, passaram, a partir de 21 de julho de 2017, respectivamente, a sentir efetivamente a majoração da carga tributária e do preço do combustível.
Todavia, o recém-publicado Decreto está eivado de inconstitucionalidades, mais precisamente no que se refere a inobservância aos princípios constitucionais da legalidade e da noventena, de modo que, na pior das hipóteses, deveria surtir efeitos tão somente 90 dias após a sua publicação, senão vejamos.
2- BREVE HISTÓRICO LEGISLATIVO
Para compreendermos as violações aos princípios constitucionais perpetradas pelo Decreto nº 9.101/2017, primeiro é necessário revisitarmos, ainda que brevemente, algumas outras alterações legislativas que hoje “permitem” ao Executivo Federal burlar preceitos previstos na Constituição Federal (“CF”), e tidos pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) como garantias individuais com status de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF).
O primeiro mecanismo de que se valeu o Governo, ou que criou espaço para hoje “chancelar” as inconstitucionalidades do Decreto em análise, foi a edição e promulgação da Emenda Constitucional nº 33/2001 (“EC nº 33/2001”), que alterou os arts. 149, 155 e 177 da CF, para incluir alguns parágrafos, incisos e alíneas.
Referimo-nos, especificamente, aos arts. 155, § 4º, inciso IV, alínea “c” (faculta ao Poder Executivo, por ato próprio, a redução e/ou restabelecimento das alíquotas do ICMS incidente sobre combustíveis); e 177, § 4º, inciso I, alínea “b” (faculta ao Poder Executivo, por ato próprio, a redução e/ou restabelecimento das alíquotas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE sobre combustíveis).
Tais alterações preveem expressamente que, na hipótese de redução e/ou restabelecimento das alíquotas de ICMS e CIDE-Combustíveis, não há que se observar a vedação constitucional da cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (art. 150, inciso III, alínea “b”, da CF).
A crítica feita à EC nº 33/2001 parte no sentido de que abriu-se ao Governo Federal a possibilidade de, por meio de Lei, estabelecer uma alíquota de 100% (a título de exemplo) para os aludidos tributos, reduzi-la ao patamar/percentual desejável e ter a elasticidade e tranquilidade para transitar entre os extremos (mínimo e máximo) sem qualquer observância aos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade.
Entretanto, como as alterações decorrentes da EC nº 33/2001 vieram revestidas de termos como “redução” e “restabelecimento”, ignorou-se a hipótese acima aventada, de maneira que tais dispositivos passaram a incorporar o texto constitucional sem maiores contestações.
Posteriormente, algo semelhante foi repetido pelo Governo Federal por intermédio da Lei nº 9.718/98, após alterações introduzidas pela Lei nº 11.727/2008, no art. 5º, §§ 4º e 8º, que assim passaram a dispor:
Art. 5º – A Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, inclusive para fins carburantes, serão calculadas com base nas alíquotas, respectivamente, de:
(…)
§4º – O produtor, o importador e o distribuidor de que trata o caput deste artigo poderão optar por regime especial de apuração e pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, no qual as alíquotas específicas das contribuições são fixadas, respectivamente, em:
(…)
§8º – Fica o Poder Executivo autorizado a fixar coeficientes para redução das alíquotas previstas no caput e no § 4o deste artigo, as quais poderão ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização.
(…).
Mais uma vez, as atrocidades decorrentes da alteração legislativa foram ignoradas, permitindo ao Poder Executivo, por ato próprio, a fixação de coeficientes de redução das alíquotas da Contribuição para o PIS e da COFINS e posterior alteração, para mais ou para menos, cujo resultado prático implica inegavelmente em autorizar o aumento de tributo por ato infralegal, contrariando a legalidade exigida pela Carta Magna.
Feitas essas considerações, passa-se a demonstrar as precisas violações aos princípios constitucionais, e os motivos pelos quais o Decreto nº 9.101/2017 não é aceito nas hipóteses de excepcionalidade previstas constitucionalmente.
3 – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA NOVENTENA
O art. 150, I, do Texto Constitucional, consagra princípio basilar do Direito Tributário, qual seja, o princípio da legalidade, segundo o qual somente lei em sentido estrito pode criar, modificar ou majorar tributo, não se enquadrando nesse conceito o instrumento legislativo denominado Decreto, ora utilizado para aumentar, por meio da extinção/modificação de coeficientes redutores de alíquotas, a tributação pela Contribuição ao PIS e COFINS sobre combustíveis.
Ainda que o Poder Executivo justificasse tal majoração sob o argumento de que o intuito é intervir na economia, o que comumente é feito para tributos extrafiscais (aqueles que não visam somente efeitos arrecadatórios), que são exceções constitucionais à observância do princípio da legalidade[1], cumpre frisar que a Contribuição ao PIS e a COFINS não adentram ao rol de excepcionalidade constitucional por ausência de previsão expressa.
Ou seja, apenas os tributos abarcados constitucionalmente pela excepcionalidade ao princípio da legalidade podem ser regulados via Decreto, em razão de expressa delimitação constitucional, não havendo que se falar em nova exceção criada pela Lei nº 9.718/98, após alterações introduzidas pela Lei nº 11.727/2008 (art. 5º, §§ 4º e 8º).
Por sua vez, o art. 195, § 6º, da Carta da República, determina que as contribuições sociais a que alude este artigo só poderão ser exigidas após transcorridos 90 (noventa) dias da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se aplicando a anterioridade anual.
Isto é, em que pese a possibilidade de cobrança da Contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre os combustíveis no mesmo exercício de publicação da lei que as instituiu ou modificou, há regra específica no preceito constitucional que trata das referidas contribuições vedando a sua cobrança antes de decorridos 90 (noventa) dias.
Obviamente, a argumentação provável do Fisco Federal será a de que o Decreto nº 9.101/2017 não majorou as Contribuições Sociais em tratamento, mas apenas utilizou-se de faculdade preconizada pelo art. 5º, § 8º, da Lei nº 9.718/2008, com redação dada pela Lei nº 11.727/2008, que permite, por ato do Poder Executivo, o suposto restabelecimento de alíquota e/ou sua alteração, para mais ou para menos.
Não obstante, é patente que o mecanismo utilizado não passa de ardilosa artimanha fiscal visando burlar os princípios constitucionais invocados, uma vez que o resultado prático decorrente da extinção/modificação dos coeficientes de redução das alíquotas fixadas para a Contribuição ao PIS e COFINS é o aumento da carga tributária.
Ademais, e repetindo o que já foi exposto acima, é cediço que tais princípios existem para dar garantia e segurança aos contribuintes, consubstanciando-se em cláusulas pétreas.
O princípio da noventena, insculpido no art. 195, § 6º, da CF, tem a função de garantir ao contribuinte não ser surpreendido com a cobrança ou aumento de tributo inesperadamente, devendo, para tanto, ser interpretado teleológica e axiologicamente, pois a finalidade da norma é justamente proporcionar ao pagador de impostos tempo razoável para que se organize e se prepare para os efeitos da alteração na tributação de sua atividade econômica. Esse é o valor consagrado pelo preceito constitucional acima.
4 – CONCLUSÃO
Portanto, pouco importa o método utilizado pelo Poder Executivo, se o resultado prático de seus atos é a majoração do tributo e sua exigência de forma imediata, excetuando-se as permissões já previstas constitucionalmente, motivo pelo qual o Decreto nº 9.101/2017, na remota hipótese de ser considerado constitucional pelo aspecto da legalidade, deve, ao menos, passar a vigorar após 90 (noventa) dias de sua publicação.
[1] Art. 153, § 1º, da CF – Exceções ao princípio da legalidade: Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, e Imposto sobre Operações Financeiros – IOF;
Art. 177 § 4º, I, b, da CF – CIDE-Combustíveis; e
Art. 155, IV, da CF – ICMS monofásico.
Por Rafael Santiago Araújo
Fonte: tributario.com.br