Para tentar cobrir o rombo de 170 bilhões deixado pelo governo deposto, várias medidas vem sendo preconizadas pelo governante atual, como a aprovação da PEC 241 que contêm as despesas primárias por 20 anos, a Reforma da Previdência e o possível retorno da CPMF.
É preciso antes de mais nada diagnosticar as causas desse desequilíbrio das contas públicas. Tivesse sido cumprido os preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – que impõem uma política de gestão fiscal responsável, esse resultado deficitário jamais teria acontecido. Mas não, o governo anterior aplicou às avessas a LRF camuflando as transgressões de natureza fiscal por meio de uma contabilidade criativa, além de permitir, e até estimular, o alastramento da corrupção que tomou conta de órgãos e instituições públicas e privadas em conluio com as grandes empreiteiras, hoje, investigadas pela operação Lava Jato que, a cada dia que passa, traz à luz escândalos financeiros cada vez maiores, envolvendo o número crescente de autoridades, algumas delas, outrora, tidas como figuras impolutas. Como disse o Ministro Luis Roberto Barroso, onde se destampa, encontra-se algo incomum.
Agora, sabemos que o governo que findou havia implantado o regime da cleptocracia, isto é, governo de ladrões, a que aludia o Ministro Gilmar Mendes há cerca de um ano. Na época, pensávamos que era um exagero, mas a operação Lava Jato vem revelando, de forma assustadora, o tamanho do envolvimento de órgãos, instituições públicas e privadas, autoridades e aqueles que detinham o poder político no passado. Nada foi poupado. Até bens pertencentes ao acervo nacional, como símbolos da pátria foram surrupiados. A Presidente que foi apeada do Poder quando deixou a sua residência oficial saiu com cinco caminhões de mudança. Ora, como é possível acumular tantos bens de natureza pessoal se o Estado fornece gratuitamente todos os bens necessários à uma moradia confortável? Nenhum órgão ou nenhuma autoridade teve o cuidado de vistoriar o conteúdo das cargas contidas nos cinco caminhões. Somente passados alguns dias é que um órgão público lembrou de exigir explicações. Aconteceu a mesma coisa que aconteceu com seu antecessor que levou para sítio particular bens pertencentes ao patrimônio nacional, como apurado pelas investigações da Polícia Federal.
O equilíbrio das contas públicas não se faz apenas por contenção generalizada das despesas, mas combatendo as despesas inúteis ou improdutivas que não cumprem a finalidade estatal de atingir o bem comum. A qualidade da despesa pública é o aspecto mais importante em termos de finanças públicas. Aliás, segundo a nossa definição, despesa pública é “um dispêndio relacionado com uma finalidade de interesse público, que é aquele interesse coletivo, encampado pelo Estado.”[1] Realmente, nem tudo que diz respeito ao interesse da coletividade que são infindáveis é encampado pelo Estado para ser satisfeito sob o regime de Direito Público. Algumas das despesas são tão relevantes para a sociedade que hão de ser feitas mesmo à custa do endividamento do Estado, a fim de assegurar o desenvolvimento econômico do país ao longo do tempo. São as despesas de infraestrutura que asseguram o aumento da produtividade e a qualidade de vida das gerações futuras. O equilíbrio orçamentário não é um fim em si mesmo, mas, um instrumento para equilibrar a economia do país.
Para manter a saúde financeira do Estado deve o governante conter os empenhos sempre que constatada situação prevista no art. 9º da LRF. Os instrumentos de fiscalização e congtrole (balancetes mesnais de receitas e despesas, relatóiro bimestral da execução orçamentária; relatório quadrimestral da gestão fiscal) existem para ser lidos e analisados com vistas a eventuais correções de curso, e não para serem ignorados e guardados nos caixotes.
A União não deve conceder avais aos Estados que descumpriram os limites de despesas de pessoal previstos nos arts. 19 e 20 da LRF, como vem fazendo, usualmente, porque concedidos alhures, violando o disposto no § 3º do art. 23 da mesma lei. Garantir operações de créditos de Estados de perfil duvidoso quanto ao adimplemento de suas obrigações financeiras é o mesmo que aumentar o grau de endividamento da União, que já não vem observando os seus próprios limites. Quando financeiro como aquele desenhado no Estado do Rio de Janeiro é caso de intervenção federal nos teros do art. 34, V da CF para afastar o governante incompetente e incapaz de agir dentro da normalidade e da razoabilidade.
É preciso, também, combater as fraudes existentes no campo de benefícios sociais, onde até os mortos continuam recebendo proventos da aposentadoria, pensões e bolsa família e outros, como a percepção indevida de salário desemprego e benefícios da aposentadoria por invalidez, dentre outros. No campo da educação, fraudes e mais fraudes vêm sendo perpetuadas os recursos financeiros transferidos a municípios pelo Fundo Nacional da Educação – FMDE de forma sistemática e continuada Parece inacreditável, mas até aqueles destinados à merenda escolar vêm sendo desviados. No que tange aos fundos de pensões das estatais, somente nas quatro principais – PREVI, PETROS, PORTALIS e FUNCEF – a operação Lava Jato detectou desvios de ordem de 44 bilhões. Esclareça-se que esses fundos não são formados exclusivamente com os recursos dos empregados; as empresas estatais também contribuem com a sua parte. E recursos das estatais, em última análise, são recursos financeiros pertencentes à sociedade brasileira. Outrossim, despesas irrazoáveis de altas autoridades dos três Poderes, com viagens fantásticas e hospedagem em hotéis mais caros do mundo, precisam ser freadas. O uso indiscriminado de cartões corporativos que sequer tem previsão na Lei nº 4.320/64, também deve cessar. Porque não adotar o mecanismo previsto na lei que é o adiantamento de despesas para ulterior prestação de contas? Por que dá muito trabalho, e é muito burocratizante? Mas, o uso do dinheiro público não é para ser facilitado. Se alguma autoridade, ou algum servidor público qualificado quer facilidade, que use o seu dinheiro: é só meter a mão no bolso e gastar o quanto e no que quiser. Mas, hoje, há uma mistura generalizada entre o que é publico é o que é privado. Começou com as PPs, evoluiu para as PPIs e, agora, estamos caminhando para parceria entre o Tesouro e os detentores do poder político. Indiferentes à crise econômica que se abateu sobre o país, os Ministros de Estado promoveram nos últimos cinco meses 738 viagens com aviões da FAB, muitas vezes, para visitar seus familiares nas cidades de origem, ou para resolver assuntos domésticos. No passado isso era exceção e quando acontecia havia uma forte repulsa da população. Hoje, isso está incorporado na rotina dos homens importantes desta República e a sociedade aceita isso com passividade.
Estancando os ralos por onde desaparecem os recursos públicos, dentre os quais, aquele representado pela DRU, e otimizando o ingresso de receitas, o rombo apontado de 170 bilhões pode ser facilmente eliminado. Só falta vontade política. Mas, como otimizar o ingresso de receitas públicas? Enumeremos algumas das alternativas viáveis a curto e médio prazo a titulo ilustrativo:
(a) A chamada Lei de repatriação já propiciou a arrecadação de mais de 50 bilhões. Na verdade a Lei nº 13.254/16, batizada de “lei de repatriação”, não passa de mero instrumento normativo para proceder à regularização cambial e tributária até o dia 31 de outubro. Poderia reeditar essa lei reabrindo o prazo de regularização, e ao mesmo tempo ampliando o elenco de beneficiários não discriminando quem quer que seja, assim como conferindo um tratamento tributário e fiscal privilegiado a quem, efetivamente, proceder à repatriação dos bens existentes no exterior, estabelecendo alíquotas diferenciadas para pagamento do imposto e da multa respectiva. O retorno do patrimônio existente lá fora, certamente, aquecerá a economia, enquanto o pagamento de impostos sonegados e da multa somente curará a dor de barriga do momento.
(b) revogar os benefícios fiscais diversos outorgados ao arrepio dos princípios constitucionais, de forma pessoal, direcionada e invariavelmente com o concurso de lobistas. Respeitados aqueles concedidos a termo certo, todos eles devem ser revogados. Esses incentivos fiscais ilegítimos implicam a exoneração tributária de ordem de 300 bilhões. Elas violentam, às escâncaras, o princípio informador de ordem econômica, assentado no regime da livre concorrência, além de afrontar o princípio da isonomia tributária. Causam um efeito colateral perverso além de minar a receita pública indispensável ao cumprimento das finalidades do Estado: joga sobre as costas dos contribuintes não beneficiados uma estúpida carga tributária, inibidor do desenvolvimento econômico, quando não provocam insolvência dos agentes econômicos, seguida do encerramento de suas atividades.
Daí porque, quando se fala que a carga tributária brasileira é de 36% do PIB, deve-se levar em conta que não há no Brasil a aplicação efetiva dos princípios da generalidade e da universidade de tributação. Quanto maior o número de não pagantes de tributos, total ou parcialmente, maior a carga tributária suportada pelos que estão à margem dos benefícios fiscais direcionados, e que aos poucos vão sendo afastados do mercado da concorrência.
Para tentar moralizar a ação estatal de tributar, que deve ser estendida a todas as pessoas, físicas e jurídicas que detenham a capacidade contributiva, o Poder Reformador inseriu o § 6º ao art. 150 da CF segundo o qual nenhum beneficio fiscal poderá ser concedido sem previsão em lei específica (EC nº 3/93). E ao depois, foi sancionada a Lei Complementar nº 95/98 que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação de leis prescrevendo a obrigatoriedade de o projeto legislativo conter em destaque a ementa onde deverá contar de forma concisa e sob forma de título, o objeto de lei. Com essas providências legislativas acabaram-se a isenções personalizadas inseridas no bojo de um projeto de lei versando sobre alterações de denominações de vias e logradouros públicos que costumam passar sem maiores debates.
Porém, apesar de tudo isso, a ação de lobistas no Palácio e no Congresso Nacional vem provocando prorrogações e concessões de centenas de incentivos fiscais sob as mais diversas formas, para preservação de privilégios fiscais ilegítimos, obtidos de forma que, muitas vezes, beiram às raias de um crime, como aqueles apurados pela Operação Lava Jato. Um meio eficiente de inibir a ação de malfeitores no Palácio seria o de proibir o uso de medida provisória em matéria tributária, violadora do princípio da legalidade tributária, porque o tributo é cobrado antes de sua aprovação pelo Parlamento Nacional que é o eco de ressonância da vontade popular, como vimos sustentando de longa data.[2]
(c) Viabilizar por meio de reformulação da Lei nº 12.846/2013 a celebração do Acordo de Leniência por parte das grandes empreiteiras de obras públicas investigadas pela Operação Lava Jato, a fim de possibilitar o ressarcimento integral do prejuízo causado ao poder público, e poder continuar operando no mercado, principalmente, para ultimar as obras públicas paralisadas e iniciar outras que lhes foram adjudicadas.
Para tanto, é preciso definir um balcão único para onde devem se dirigir as empreiteiras interessadas. Na legislação atual há uma multiplicidade de atores para atuar em um palco muito pequeno: o Ministério Público, o CADE, a AGU, a CGU e o TCU cada qual chamando a si a competência para firmar o Acordo de Leniência. Eventual tentativa de firmar Acordo com um desses órgãos recebe, de imediato, a repulsa de outro órgão. A empreiteira não sabe a quem e onde se dirigir. Há receio, na verdade infundado, do Ministério Público no sentido de que o Acordo de Leniência irá prejudicar a delação premiada. A delação premiada no âmbito criminal, sem dúvida, é importante, pois é relevante punir criminalmente os culpados de colarinho branco. Porém, não se deve omitir quanto ao Acordo de Leniência que resolverá o problema administrativo e econômico-financeiro. É sabido que as grandes empreiteiras e seus donos têm recursos financeiros suficientes para ressarcir integralmente os danos causados ao poder público, por conta das fantásticas sonegações fiscais perpetradas e dos desvios de seus bens em contas abertas no exterior. Enquanto as autoridades continuarem lenientes, as grandes empreiteiras, que acumularam experiências ao longo dos anos, continuarão impedidos de indenizar os danos causados e retomar suas atividades normais, sendo paulatinamente substituídas por empresas estrangeiras. Punir é preciso, mas é preciso, também preservar a unidade produtiva neste momento em que o país enfrenta uma crise de desemprego em massa.
Mais do que medidas de impacto na mídia, como a PEC 241, o país precisa de ações concretas, urgentes e imediatas para estancar os ralos por onde desaparecem os recursos financeiros arrecadados à dura penas e implementar de imediato as medidas de otimização das receitas públicas estimadas na Lei Orçamentária Anual – LOA – acionando os mecanismos previstos na LRF.
A PEC 241 pode ajudar na melhoria de nossa imagem no exterior à medida que sinaliza o fim de uma gestão fiscal irresponsável, do gasto ilimitado independente do comportamento da receita pública. Mas, se continuar omisso no combate ao desperdício e na arrecadação de todos os tributos de competência constitucional da entidade política como estabelece o art. 11 da LRF, abstendo-se da concessão e ampliação de incentivos ou benefícios fiscais, sem observância dos requisitos previstos no art. 14 da LRF, a PEC 241, se convertida em Emenda, será apenas mais um instrumento para engrossar o elenco de normas constitucionais descumpridas. Aliás, na prática, em uma sociedade dinâmica com a nossa, não há como manter por 20 anos o mesmo limite de despesas de exercício anterior apenas corrigido pelos índices da inflação. A única virtude dessa PEC é a de reverter perante a opinião pública, nacional, e principalmente a internacional, a imagem de um país que não tem limites, nem critérios no manuseio das despesas públicas, gastando o que tem e o que não tem.
Contudo, se essa PEC não for seguida de medidas concretas de combate ao desperdício e de eficiente controle e fiscalização da execução orçamentária por órgãos competentes, o que exige a extinção da DRU, de duas uma: ou fica apenas no papel, ou será efetivamente aplicada a exemplo das PECs dos precatórios judiciais, sinônimos de calotes constitucionais. Nessa última hipótese, o alvo do calote, ao que tudo indica, serão os beneficiários da previdência pública e privada, pois o governo está anunciando que somente os gastos com o INSS representam, hoje, 42% da receita líquida da União, o que nos parece um exagero. Somadas as despesas de pessoal que são de 50% da receita líquida da União sobrariam apenas 8% para as demais despesas correntes, sem considerar as despesas de capital onde estão as de investimentos e as de pagamento de juros. Se verídicos esses dados, o calote generalizado é inevitável. Preferimos acreditar que o governo está exagerando os dados com relação aos gastos com a previdência, vítima permanente de subtração de suas receitas para consecução de outros fins, legítimos ou não.
Por derradeiro, propomos a inserção de um inciso no art. 5º da Constituição que versa do Direito e Deveres Individuais e Coletivos com a seguinte redação:
“LXXIX – É dever de todas as pessoas pagar impostos de conformidade com a lei”.
Notas
[1] Cd. Nosso Direito financeiro e tributário. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 21.
[2] Cf. nosso Direito fianceiro e tributário. 25ª Ed. São Paulo: Atloas, 2016, p. 328.
Por Kiyoshi Harada
Fonte: tributario.com.br