A discussão quanto à possibilidade de creditamento de PIS/COFINS na hipótese de serviço de frete é tema recorrente na 3ª Seção do CARF, mas, em regra, costuma gravitar em torno da sua possibilidade nas transferências de produtos acabados entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, tema este que, inclusive, já se encontra pacificado favoravelmente ao contribuinte no âmbito da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) daquele Tribunal[1].
A questão que será aqui analisada, entretanto, encontra outros contornos, i.e., verificar se há ou não direito a crédito de PIS/COFINS na tomada de serviço de fretes quando o produto transportado, adquirido para fins de revenda, não sofre o impacto dessas contribuições, o que pode decorrer de uma desoneração em sentido amplo (imunidade, isenção, alíquota zero ou não incidência) ou em razão da sua sujeição ao regime da monofasia (com a concentração econômica da carga tributária em determinada etapa de cadeia, com alíquota zero nas demais operações subsequentes).
Segundo o entendimento da fiscalização, retratado em autos de infração, o frete tomado pelo contribuinte só poderia ensejar o correlato direito a crédito de PIS/COFINS na hipótese do bem transportado também estar sujeito a incidência de tais contribuições, uma vez que o custo de aquisição de uma mercadoria para revenda deveria ser tratado de forma uníssona na operação, ou seja, abrangendo não só a mercadoria em si, mas também os demais custos circundantes de tal bem.
Diversas operações empresariais com diferentes reflexos tributários já foram objeto de análise pelas Turmas ordinárias do CARF. Uma dessas operações se deu na hipótese do transporte de leite in natura, mercadoria esta que está sujeita ao crédito presumido prescrito no art. 8º da lei n. 10.925/04[2]. Segundo entendimento consagrado no Acórdão CARF n. 3402003.968[3], por maioria de votos, o colegiado concluiu que a apuração do crédito de frete não possui uma relação de subsidiariedade com a forma de apuração do crédito do produto transportado, inexistindo qualquer vedação legal para o creditamento nesta situação.
Logo, o entendimento vaticinado no sobredito acórdão foi no sentido que, incidindo PIS/COFINS na operação de frete (i.e., nas receitas do prestador desse serviço), tal operação configura um particular custo de aquisição para o contribuinte, o que dá ensejo ao correlato creditamento[4]. Tratando desta operação de frete para mercadorias sujeitas ao mesmo crédito presumido e concluindo em idêntico sentido destacam-se os Acórdãos CARF n.s 3402-005.596, 3401-005.170 e 3401-006.941.
Outro caso analisado ocorreu na hipótese de transporte de grãos adquiridos de pessoas físicas. Segundo prescrito no Acórdão CARF n. 3301-005.614[5], o disposto no art. 3º, §2o, inciso I da lei n. 10.833/03[6] seria o impedimento legal para a tomada de crédito dos grãos em si considerados, mas não para o correlato frete, uma vez que tal serviço integraria o custo de aquisição de bens para revenda ou aplicação no processo industrial (art. 289 do RIR/99), concluindo então que o direito ao crédito sobre o frete tem como fundamento os mesmos dispositivos que respaldam os créditos sobre o produto, quais sejam, os incisos I e II do art. 3 da Lei n° 10.833/03.
Não obstante, em recente julgado, o Tribunal analisou a tomada de crédito de frete na hipótese de transporte de combustíveis para revenda, ou seja, de bem sujeito a incidência monofásica de PIS/COFINS. Nesta oportunidade, por meio do Acórdão CARF n. 3402-006.469[7], o colegiado, por maioria de votos, concluiu pela possibilidade da tomada do crédito, também ao fundamento que o custo do contribuinte com o frete é distinto do custo com o bem em si transportado. Nestes termos, conclui a Relatora do caso que tais dispêndios (…) são custo de aquisição de serviços de fretes e não custo de aquisição de combustível. Em se tratando de operações distintas, merecem o tratamento próprio para cada uma delas.
Embora a questão seja julgada em favor do contribuinte por maioria de votos, é possível afirmar que, pelo menos no âmbito das Turmas ordinárias, há uma posição consolidada do Tribunal no sentido de reconhecer ao frete um tratamento jurídico autônomo da mercadoria transportada para revenda no que tange ao creditamento de PIS/COFINS, sendo possível, por conseguinte, que o contribuinte aproveite tal crédito, ainda que o bem transportado seja desonerado fiscalmente ou sujeito à monofasia. Segundo tal posicionamento, nesta situação o crédito tem natureza de custo de aquisição.
Não é esta, entretanto, a posição da CSRF, o que se observa do Acórdão CARF n. 9303-005.156, assim ementado neste tópico em particular:
(…).
PIS. COFINS. CRÉDITO. NÃO CUMULATIVIDADE. FRETES NA AQUISIÇÃO DE INSUMOS TRIBUTADOS COM ALÍQUOTA ZERO OU ADQUIRIDOS COM SUSPENSÃO DO PIS E DA COFINS. IMPOSSIBILIDADE.
Não há previsão legal para aproveitamento dos créditos sobre os serviços de fretes utilizados na aquisição de insumos não onerados pelas contribuições ao PIS e a Cofins.
Segundo o entendimento veiculado em tal julgado, formado por voto de qualidade, tal frete não daria direito ao correlato crédito ao contribuinte em razão do disposto no art. 3º, §2º, inciso II da lei n. 10.833/03, ou seja, em razão da vedação lá estabelecida na hipótese de aquisição de serviços não sujeitos à incidência das contribuições aqui tratadas. Segundo o Redator designado para o voto vencedor, o frete e o bem transportado deveriam ser considerados como uma coisa só para fins de configuração de tais dispêndios como custo de aquisição. É o que se observa do seguinte trecho do voto vencedor:
Portanto da análise da legislação, entendo que o frete na aquisição de insumos só pode ser apropriado integrando o custo de aquisição do próprio insumo, ou seja, se o insumo é onerado pelo PIS e pela Cofins, o frete integra o seu custo de aquisição para fins de cálculo do crédito das contribuições. Não sendo o insumo tributado, como se apresenta no presente caso, não há previsão legal para este aproveitamento.
Ressalte-se, entretanto, que o aludido julgado é de 17 de maio de 2017 e que, após tal data, a CSRF já sofreu mudanças na sua composição. Além disso, mesmo após o advento do aludido precedente, as Turmas ordinárias do CARF continuam mantendo sua posição no sentido de chancelar o crédito aqui tratado.
Diante deste quadro, é possível afirmar que a discussão aqui posta ainda não está encerrada no CARF, sendo possível que a CSRF reveja a posição externada no Acórdão n. 9303-005.156.
[1] A título de exemplo: Acórdãos CARF n.s 9303-008.099 e 9303-009.677.
[2] Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.
[3] COOPERATIVA AGROPECUÁRIA. CREDITAMENTO DE LEITE “IN NATURA” ADQUIRIDO DOS SEUS ASSOCIADOS.
Até a entrada em vigor da IN SRF nº 636/2006 as cooperativas agropecuárias tinham direito a apurar o crédito integral da contribuição social pela aquisição do leite “in natura” dos seus associados.
FRETE. CUSTO DE AQUISIÇÃO DO ADQUIRENTE. CRÉDITO VÁLIDO INDEPENDENTEMENTE DO REGIME DE CRÉDITO DO BEM TRANSPORTADO.
A apuração do crédito de frete não possui uma relação de subsidiariedade com a forma de apuração do crédito do produto transportado. Não há qualquer previsão legal neste diapasão. Uma vez provado que o frete configura custo de aquisição para o adquirente, ele deve ser tratado como tal e, por conseguinte, gerar crédito em sua integralidade.
Recurso voluntário parcialmente provido. Direito creditório reconhecido em parte.
[4] Tal ponto do julgado fica ainda mais claro quando se observa que apenas parte da glosa do crédito de frete foi revertida, uma vez que, analisando as provas dos autos, concluiu-se, também por maioria de votos, que parte do valor correspondente ao frete tomado pelo contribuinte (cooperativa) teria sido repassado para os seus cooperados, o que prejudicava, por conseguinte, a natureza de custo de aquisição de tal serviço (frete).
[5] (…).
FRETE NO TRANSPORTE DE PRODUTOS NÃO TRIBUTADOS. DIREITO AO CRÉDITO
O frete integra o custo de aquisição do produto. E se o frete sofreu tributação pela COFINS, há direito ao crédito, a despeito do fato de o produto transportado não sofrer tributação.
[6] Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…).
§ 2o Não dará direito a crédito o valor.
I – de mão-de-obra paga a pessoa física; e
(…).
[7] CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. REGIME MONOFÁSICO. AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. DIREITO A CRÉDITO. FRETE. REVENDA. VAREJISTA. POSSIBILIDADE.
O artigo 3º, inciso I das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 garante o direito ao crédito correspondente aos produtos adquiridos para revenda, mas excetua textualmente o direito ao crédito da aquisição de combustíveis, os quais são tributados pela Contribuições pelo regime monofásico (artigo 3º, inciso I, alínea “b”). Tal exceção, contudo, não invalida o direito ao crédito referente ao frete pago pelo comprador do combustível para revenda, que compõe o custo de aquisição do produto (art. 289, §1º do RIR/99). Isto porque o frete é uma operação autônoma em relação à aquisição do combustível, paga à transportadora, na sistemática de incidência da não cumulatividade. Sendo os regimes de incidência distintos, do produto (combustível) e do frete (transporte), permanece o direito ao crédito referente ao frete pago pelo comprador do combustível para revenda.
(…).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2019, 8h00