Na última quinta-feira (2/8), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário n. 852.457, em que se discute, em regime de repercussão geral, se as ações de ressarcimento de danos ao patrimônio público em decorrência da prática de atos de improbidade administrativa estão ou não sujeitas a prescrição. Oito ministros já votaram, tendo havido seis manifestações no sentido de considerar que as ações de reparação de prejuízos ao erário, especialmente quando baseadas em atos de improbidade administrativa, são prescritíveis. Por outro lado, dois ministros se pronunciaram pela imprescritibilidade desse tipo de pretensão indenizatória. Apesar da formação de maioria em favor da tese da prescritibilidade, o julgamento foi suspenso. Esse novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que provavelmente deve estabelecer-se oficialmente a partir da conclusão do julgado, além de basear-se em fundamentos jurídicos questionáveis, representa um significativo retrocesso no combate à corrupção no Brasil.
A norma constitucional cuja compreensão se debate no caso é o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. A prescrição, definida de modo simples, consiste na perda da exigibilidade de um direito em razão da inércia do titular durante determinado período de tempo previsto em lei. O dispositivo em questão, de acordo com sua redação clara e literal, estabelece que a lei deve estipular prazos dentro dos quais o Estado há de adotar as providências necessárias para punir agentes públicos que tenham cometido atos ilícitos. Ultrapassados tais lapsos temporais sem que as medidas pertinentes sejam tomadas, a pretensão punitiva estatal se extingue pela prescrição. A parte final da norma ressalva as ações de ressarcimento. Em razão disso, tradicionalmente sempre se entendeu que as pretensões de reparação de danos ao patrimônio público não estavam sujeitas aos efeitos extintivos do tempo, ou seja, não eram prescritíveis, por expressa disposição constitucional.
Essa compreensão foi anteriormente consagrada pelo Supremo Tribunal Federal de modo amplo. Em julgado de 2013, relatado pelo ministro Luiz Fux, a Segunda Turma da corte adotou tal entendimento, inclusive fazendo referência a outras decisões semelhantes, tanto do plenário como de ambas as suas turmas: “O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assente no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimentos de danos ao erário. Precedentes: MS n.º 26210/DF, Tribunal Pleno, Relator o ministro Ricardo Lewandowski, 10.10.2008; RE n.º 578.428/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe 14.11.2011; RE n.º 646.741/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o ministro Gilmar Mendes, DJe 22.10.2012; AI n.º 712.435/SP-AgR, Primeira Turma, Relatora a ministra Rosa Weber, DJe 12.4.2012.” (AI n. 819.135 AgR). No âmbito doutrinário, a tese da imprescritibilidade de ações de reparação do patrimônio público sempre foi predominante entre os autores de direito constitucional e de direito administrativo, mencionando-se, apenas a título exemplificativo, entre os mais conhecidos, o constitucionalista José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição, 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 348-349) e a administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, 21. ed., São Paulo: Atlas, 2008, pp. 789-790).
Em 03/02/2016, o Supremo Tribunal Federal alterou parcialmente sua jurisprudência sobre o tema, adotando interpretação um pouco mais restritiva do art. 37, § 5º, da Constituição Federal. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 669.069, rediscutiu-se, em sede de repercussão geral, a matéria da imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao patrimônio público. No caso, a União ajuizou uma ação de indenização dos prejuízos causados por uma empresa proprietária de ônibus que colidiu com um veículo da Marinha do Brasil em uma estrada no interior de Minas Gerais. Os fatos ocorreram em 1997, e a demanda foi proposta em 2008. A corte considerou que a União havia perdido o direito de exigir a reparação dos danos em face do decurso de tempo superior ao prazo prescricional de ações indenizatórias em geral.
Entendeu-se que ações de ressarcimentos de prejuízos ao erário decorrentes de simples ilícitos civis, em especial quando cometidos por particulares, são prescritíveis. Aprovou-se o seguinte enunciado: “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”. Interessante notar que o relator do caso, o ministro Teori Zavascki, propôs inicialmente a adoção de enunciado mais esclarecedor, protegendo contra os efeitos extintivos do tempo as ações de ressarcimento de prejuízos causados ao patrimônio público por atos de improbidade administrativa ou por crimes, nos seguintes termos: “a imprescritibilidade a que se refere o art. 37, § 5º, da CF diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos praticados por qualquer agente, servidor ou não, tipificados como ilícitos de improbidade administrativa ou como ilícitos penais”. Essa é a tese da imprescritibilidade limitada das ações de reparação de danos ao erário, adotada por Teori Zavascki inclusive em sede doutrinária (Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 3. ed., São Paulo: RT, 2008, pp. 86-87). No entanto, a maioria dos Ministros, na época, compreendeu que era mais adequado estabelecer um enunciado apenas sobre a prescritibilidade de ações de ressarcimento do patrimônio público baseadas em meros ilícitos civis. Ressaltou-se que a imprescritibilidade de demandas indenizatórias fundadas em atos de improbidade administrativa ou crimes haveria de ser analisada apenas quando um caso concreto tratando especificamente sobre esse tema fosse submetido a julgamento.
Então, a oportunidade para exame do assunto se configurou exatamente em razão do Recurso Extraordinário n. 852.457, cujo julgamento se iniciou semana passada. Nessa situação, o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação de ressarcimento de danos ao erário em face de dois ex-servidores públicos municipais em razão da participação de ambos em procedimentos licitatórios que resultaram na alienação de dois veículos integrantes do patrimônio municipal por valores abaixo dos de mercado, tendo sido vendidos um Ford Royale, avaliado em R$ 16.739,00 (dezesseis mil, setecentos e trinta e nove reais), por R$ 13.000,00 (treze mil reais), e uma Kombi, avaliada em R$ 3.920,00 (três mil, novecentos e vinte reais), por R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais). A demanda foi proposta depois do prazo prescricional previsto no art. 23 da Lei n. 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, que considera a conduta dos agentes públicos municipais em questão como ato de improbidade administrativa enquadrável em seu art. 10. Remanescia o interesse na recomposição dos prejuízos causados ao erário municipal, até então considerado imune à prescrição.
Contudo, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, acompanhado pela maioria da corte, votou no sentido da prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos de improbidade administrativa, restringindo ainda mais o alcance do art. 37, § 5º, da Constituição Federal. Ele considerou que o dispositivo em questão na realidade seria uma norma de transição, referindo-se apenas aos atos de improbidade administrativa cometidos antes da edição da Lei n. 8.429/1992, os quais seriam regidos pelos prazos prescricionais previstos na legislação anterior. Atos praticados posteriormente à Lei de Improbidade Administrativa e com base nela considerados administrativamente ímprobos submeter-se-iam aos prazos prescricionais previstos em tal diploma legal, inclusive no que diz respeito à reparação de danos. Ressaltou-se que impor a um agente a possibilidade de a qualquer tempo ser demandado pelo ressarcimento de prejuízos causados ao erário, ainda que pelo cometimento de ato de improbidade administrativa, violaria a ampla defesa, porque, com o passar do tempo, ficaria difícil ao imputado reunir elementos de prova para defender-se. Essa solução, ainda, prestigiaria a segurança jurídica. Foi proposto o seguinte enunciado para o julgamento: “A pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos e terceiros pela prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificado pela Lei 8.429/92 prescreve juntamente com as demais sanções do art. 12, nos termos do art. 23, ambos da referida lei, sendo que, na hipótese em que a conduta também for tipificada como crime, os prazos prescricionais são os estabelecidos na lei penal”. A tese da ampla prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário, inclusive quando decorrentes de atos de improbidade ou de crimes, é adotada minoritariamente na doutrina, destacando-se o nome do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 1081). Esse entendimento acabou sendo seguido pela maioria dos ministros (Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, além do relator). Apenas dois deles (Edson Fachin e Rosa Weber) permaneceram fiéis à tradicional tese da ampla imprescritibilidade das ações de reparação de prejuízos ao patrimônio público.
No entanto, a solução que, aparentemente, o Supremo Tribunal Federal vai adotar a partir da conclusão do julgamento em referência é bastante problemática, sob perspectiva tanto teórica quanto prática. No campo teórico, tal interpretação é suscetível de uma série de objeções. Em primeiro lugar, ela restringe demasiadamente o alcance – praticamente esvaziando seu conteúdo – da parte final do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, que ressalva as ações de ressarcimento do patrimônio público quanto à fixação legislativa de prazos prescricionais. Isso contraria o princípio de hermenêutica constitucional da máxima efetividade, segundo o qual as normas constitucionais devem ser interpretadas de forma que se lhes confira a maior eficácia. Ademais, para restringir-lhe o alcance, a compreensão do Supremo Tribunal Federal atribui ao dispositivo em questão o caráter de norma de transição, referindo-se supostamente apenas a atos ilícitos cometidos antes da Lei n. 8.429/1992. Contudo, se tal regra constitucional fosse uma norma de transição, deveria constar do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e não da parte principal do texto constitucional.
Além disso, a compreensão da maioria do Supremo Tribunal Federal é logicamente incoerente com a sistemática específica de proteção do patrimônio público contra os efeitos do tempo adotada pela Constituição Federal. A esse respeito, é essencial atentar para um aspecto não considerado adequadamente pela corte na discussão do sentido do art. 37, § 5º, do texto constitucional. Trata-se das normas constitucionais que excluem os bens públicos imóveis dos efeitos do usucapião, tanto urbano como rural. Com efeito, os arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal estabelecem: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. O usucapião nada mais é do que um tipo de prescrição, chamada de prescrição aquisitiva, por consistir na aquisição de um imóvel em razão de sua posse por um terceiro durante determinado período de tempo. Os imóveis atualmente são parcela menos relevante do patrimônio público, formado principalmente por rendas, verbas e recursos, caracterizados como bens móveis fungíveis. Nesse contexto, não faz sentido algum que a Constituição, de um lado, proíba que alguém se aproprie indevidamente de bens públicos imóveis e se torne proprietário deles por meio de usucapião, afastando a incidência da prescrição aquisitiva nesses casos, e, ao mesmo tempo, de outro, admita que alguém se aproprie ilicitamente de rendas, verbas e recursos públicos e não tenha o dever de ressarcir o erário posteriormente, em razão do decurso do tempo, por incidência da prescrição da correspondente ação reparatória. Aceitar isso seria pensar que o texto constitucional conferiu uma proteção maior (imprescritibilidade) à parte menos significativa do patrimônio público (imóveis) e uma proteção menor (prescritibilidade) à parte mais valiosa do erário (rendas, verbas e recursos públicos). Não há qualquer lógica ou coerência nisso.
Por outro lado, o entendimento majoritariamente formado até aqui no julgamento do Recurso Extraordinário n. 852.457 confere um peso desproporcional ao princípio da ampla defesa, consagrado no art. 5º , inciso LV, da Constituição Federal. É certo que, quanto mais o tempo passa, mais difícil se torna para um agente demandado reunir provas para sua defesa. Todavia, sempre se entendeu que a prescrição incide normalmente em relação a sanções diversas do ressarcimento ao erário, nos casos de prática de ato de improbidade administrativa ou crime. Ultrapassados os respectivos prazos prescricionais, o agente que cometeu um ato de improbidade administrativa ou um crime não mais poderá ser apenado com qualquer das outras reprimendas previstas na Lei n. 8.429/1992 (multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos, proibição de contratar com o poder público) ou no Código Penal (pena privativa de liberdade e multa), ficando sujeito somente à reparação dos danos que tenha causado.
Dessa forma, harmonizam-se de modo mais razoável os interesses em jogo, tanto os relacionados ao agente do ilícito, que não se submete a uma série de sanções, não tendo que se defender de imputações a elas referentes, como os relativos ao patrimônio público, que pode ser recomposto a qualquer tempo. A tese da ampla prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário limita excessivamente o interesse público na higidez do erário, o qual tem a mesma dignidade constitucional da ampla defesa. A propósito, em 15/12/2016, no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade em que se discutia a validade de normas do Estatuto dos Militares da União que atribuem a militares que se exoneraram para assumir cargos ou empregos civis o dever de ressarcir os cofres públicos dos gastos feitos anteriormente com sua formação militar, o Supremo Tribunal Federal não só considerou as regras constitucionais, como destacou a “configuração constitucional da supremacia do interesse público e da integridade do erário” (ADI n. 1626).
Quanto à segurança jurídica, a recente interpretação do Supremo Tribunal Federal traz mais dúvidas do que certezas. Realmente, no âmbito da proteção ao patrimônio público, atos de improbidade administrativa em geral são caracterizados também como crimes contra a administração pública. Quando o agente do ilícito é um servidor público efetivo, por força do art. 23, inciso II, da Lei n. 8.429/1992, combinado com o art. 142, inciso I, da Lei n. 8.112/1990, os prazos prescricionais referentes aos atos de improbidade administrativa e aos crimes coincidem, sendo disciplinados em última análise pelo Código Penal, não havendo lugar para controvérsia. No entanto, quando o agente do ilícito é um detentor de mandato eletivo ou de cargo em comissão ou um particular, não integrando os quadros da administração pública – perfil mais comum dos envolvidos em atos administrativamente ímprobos, como evidencia a prática –, os prazos prescricionais relativos a atos de improbidade administrativa são regidos pelo art. 23, incisos I e III, da Lei n. 8.429/1992, ao passo que os prazos prescricionais relativos a crimes são regulados pelo Código Penal, de modo distinto. Considerando que o Código de Processo Penal (arts. 63, parágrafo único, e 387, inciso IV) prevê a possibilidade de fixação de valor mínimo, na sentença penal condenatória, para reparação dos danos causados pela infração, servindo a decisão como título executivo na esfera cível, surge dúvida sobre qual seria o prazo prescricional concernente à pretensão de ressarcimento ao erário quando o ato ilícito for ao mesmo tempo ato de improbidade administrativa e crime. Seria o prazo prescricional da Lei de Improbidade Administrativa, geralmente mais curto, favorecendo a segurança jurídica, ou o prazo prescricional do Código Penal, comumente mais longo, prestigiando a proteção ao patrimônio público?
O enunciado proposto pelo relator do Recurso Extraordinário n. 852.457 parece conferir primazia ao Código Penal, mas não existe nenhuma norma expressa que fundamente essa posição. Além disso, há crimes contra a administração pública que, mesmo abstratamente, têm prazo de prescrição menor do que os atos de improbidade administrativa correspondentes, tal como ocorre com os delitos de prevaricação, advocacia administrativa e abandono de função (arts. 319, 321 e 323 do Código Penal). Mesmo nesses casos, os prazos prescricionais para ressarcimento ao erário serão os prazos de prescrição das infrações penais, conforme o enunciado proposto? Dessa forma, o ressarcimento de danos ao erário prescreverá antes das demais sanções para atos de improbidade administrativa? Ou será aplicável para todos os efeitos do ato de improbidade administrativa, inclusive para a reparação de danos, o prazo prescricional da Lei n. 8.429/1992, em contrariedade ao enunciado proposto? Esses questionamentos a solução do Supremo Tribunal Federal não esclarece. Ao que parece, acaba-se por atingir objetivo oposto ao pretendido, fomentando insegurança jurídica em várias situações.
Nada obstante, os maiores problemas da tese da ampla prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao patrimônio público, adotada pela maioria do Supremo Tribunal Federal, são de ordem prática. Qualquer pessoa que trabalhe na área de fiscalização da administração pública sabe que os mecanismos de controle interno e externo não primam pela agilidade. As maiores instâncias nesse campo, os Tribunais de Contas, são especialmente lentos, em face do excesso de tarefas a cargo desses órgãos. Analisando os acórdãos enviados pelo Tribunal de Contas da União para a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, em razão da constatação de atos de improbidade administrativa pela corte de contas, para adoção das providências judiciais cabíveis contra os responsáveis, especialmente a propositura de ações para aplicação das sanções da Lei n. 8.429/1992, inclusive quanto ao ressarcimento dos danos ao erário, entre os anos de 2008 e 2018, em um total de 216 (duzentos e dezesseis) casos, constatou-se que essa remessa ocorreu em média 9 (nove) anos depois da ocorrência dos fatos, tempo suficiente para configuração da prescrição prevista no art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa. Pelo novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, a maioria desses atos ilícitos estaria prescrita, inclusive as correspondentes ações de ressarcimento de danos ao erário. Diante dessa recente compreensão, considerando-se prescrita a pretensão de reparação de prejuízos, parece que nem mesmo a Advocacia-Geral da União poderá cobrar a recomposição do patrimônio público, o que tende a levar à quase que completa inutilidade da atuação do Tribunal de Contas da União. O patrimônio público, assim, restará consideravelmente desprotegido contra desvios e malversações. O combate à corrupção no Brasil sofrerá sério revés.
Ademais, a ideia de prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos de improbidade administrativa e crimes não só afeta o campo tradicional da luta contra a corrupção dentro da administração pública, mas atinge também especificamente a seara do combate à corrupção empresarial. Realmente, a Lei n. 13.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, igualmente estabelece que as infrações nela previstas prescrevem em cinco anos, conforme seu art. 25. Desse modo, tanto acordos de colaboração premiada quanto acordos de leniência, os quais recentemente têm sido eficazes instrumentos de ressarcimentos dos cofres públicos em grandes esquemas de corrupção no Brasil, terão que levar em consideração a prescritibilidade da reparação de danos ao erário como mais um fator a influenciar nas negociações, caracterizando-se como aspecto negativo na posição negocial dos representantes do poder público, os quais não poderão exigir o ressarcimento de prejuízos ocorridos há mais tempo do que o prazo prescricional, e como um aspecto positivo na posição negocial dos agentes dos ilícitos, que somente repararão a integralidade dos danos, nesses casos, se concordarem em renunciar à prescrição (art. 191 do Código Civil). Esses acordos tenderão, por isso, a prever valores menores a título de devolução aos cofres públicos. A eficiência de acordos de colaboração premiada e de leniência, em especial quanto à recuperação de ativos desviados do patrimônio público em grandes esquemas de corrupção, ficará, portanto, prejudicada.
Assim, constata-se que a tese da ampla prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário, inclusive quando decorrentes de atos de improbidade administrativa e de crimes, que o Supremo Tribunal Federal provavelmente passará a adotar quando da finalização do julgamento do Recurso Extraordinário n. 852.457, ao restringir demasiadamente o sentido e o alcance do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, além de contrariar o princípio hermenêutico-constitucional da máxima efetividade, de adotar interpretação logicamente incoerente com a sistemática específica de proteção do patrimônio público contra os efeitos do tempo adotada pelo texto constitucional e de não considerar razoavelmente os interesses em jogo no caso, relativos à higidez do erário, à ampla defesa e à segurança jurídica, ameaça e prejudica a eficácia do sistema de ressarcimento de prejuízos ao patrimônio público atualmente existente no Brasil, representando significativo retrocesso no combate à corrupção. A tese da ampla imprescritibilidade das ações de reparação de danos ao erário, a qual, inclusive, no passado, era seguida no campo doutrinário pelo relator do Recurso Extraordinário n. 852.457, Ministro Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, 5. ed., São Paulo: Atlas, 2005, pp. 2684-2685), ou mesmo a tese da imprescritibilidade limitada das ações de ressarcimento de danos ao patrimônio público, a qual protegia contra os efeitos do tempo a reparação de prejuízos causados por atos de improbidade administrativa e crimes e era defendida pelo saudoso ministro Teori Zavascki, afiguram-se mais razoáveis e consentâneas com o atual momento da sociedade brasileira.
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RODRIGO TELLES DE SOUZA – Procurador da República do Núcleo de Combate à Corrupção da PRRN. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
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