Pesquisa apresentada pelo Sebrae aponta que as empresas familiares representam 90% do total das companhias brasileiras, desempenhando um importante papel no desenvolvimento do país e na formação do Produto Interno Bruto (PIB).
Conforme estatísticas, de cada 100 empresas familiares fundadas no Brasil e no mundo, apenas 30 sobrevivem à segunda geração, 15 à terceira e 4 à quarta. Um dos grandes desafios das empresas familiares é a questão sucessória. Desse assunto decorrem muitos desafios, como conciliar os interesses da família junto aos proprietários e gestores do negócio, além de administrar os impactos tributários inerentes às operações de transmissão por herança ou inter vivos.
O olhar a ser dirigido à empresa familiar, que busca por um planejamento sucessório, deverá se voltar para três grandes dimensões: a família, a propriedade e a gestão. Um olhar apurado sob esses três aspectos poderá identificar, em primeiro plano, a) aqueles que são integrantes da família, mas não são proprietários do negócio e não participam da gestão; b) aqueles que são proprietários, mas não são integrantes da família e não estão na gestão; c) aqueles que estão na gestão, mas não são da família e não são proprietários. Em um segundo plano, combinação desses aspectos, poderá apontar d) integrantes da família proprietários do negócio, mas que não atuam na gestão; e) proprietários que atuem na gestão, mas sejam não integrantes da família; f) gestores integrantes da família, mas não proprietários; e, por fim, g) aqueles familiares incumbidos da gestão e proprietários do negócio.
Dessa complexa relação surge a necessidade de se compatibilizarem os interesses envolvidos, a perpetuidade do negócio e os impactos tributários e societários. Importante ferramenta de auxílio nesse processo é a governança corporativa e jurídica.
No que tange aos aspectos jurídicos, o projeto será sempre único, desenvolvido e instrumentalizado com base em três grandes áreas do direito, e devem, obrigatoriamente, estar envolvidos o Direito Tributário, o Direito Societário e o Direito de Família.
Toda a estruturação da operação não pode configurar fraude a credores ou fraude à execução, sob pena da desconsideração da personalidade jurídica, sobre o que falaremos ao final.
Na seara tributária, o planejamento tributário, assim entendido como o ato legítimo praticado com o objetivo de evitar a incidência tributária ou diminuir o valor do tributo devido, antes do surgimento da obrigação tributária, revela-se imprescindível para a sustentabilidade e viabilidade do projeto de sucessão.
O planejamento tributário se desenvolve necessariamente através de duas etapas essenciais à sua viabilidade e sustentabilidade perante as autoridades fiscais: a) prever a situação de fato que, se ocorrer, acarretará consequências jurídicas, fazendo nascer a obrigação tributária (o que se denomina fato gerador ou fato imponível); b) identificar o período anterior e o período posterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária de forma a mensurar seus reflexos.
Quando se trata dos aspectos societários, o foco é a elaboração do contrato ou estatuto social, acordo de quotistas ou acionistas e demais instrumentos societários, que propiciem uma gestão mais eficaz quanto aos interesses políticos e financeiros atrelados ao negócio, assim como do patrimônio, aliado a benefícios tributários, quando, por exemplo, se compara a tributação da pessoa jurídica com a tributação dos rendimentos de pessoas físicas. Dentre as várias estruturas capazes de alcançar esses objetivos podemos citar a constituição de holdings, de fundos de investimentos, fundos imobiliários ou fundos de participações, ou ainda a utilização de produtos financeiros como PGBL ou VGBL.
A holding é um dos caminhos mais trilhados e consiste na constituição de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada ou uma sociedade anônima, que poderá proporcionar, além da gestão mais eficaz, a pavimentação dos caminhos esperados para a sucessão.
Via de regra, os fundos têm por objetivo a gestão do patrimônio. Destacamos os fundos de investimento em participações (FIP), que são constituídos sob a forma de condomínio fechado, sendo uma comunhão de recursos destinados à aquisição e gestão de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas.
Tangenciando o Direito de Família, merece destaque a análise quanto à segregação entre o patrimônio pessoal da família e o patrimônio operacional vinculado ao negócio, de forma que a estrutura jurídica idealizada possa assegurar proteção ao patrimônio pessoal, frente a eventual problema que afete a atividade operacional e que tenha a possibilidade de alcançar bens de seus sócios ou administradores, observando-se as disposições legais sobre sucessão e família. Ademais, o Direito de Família norteará todos os instrumentos necessários à regulação de direitos e deveres entre os pais e filhos, os irmãos e os casais.
Voltando nosso olhar para o Direito Tributário, cabe uma análise mais detida sobre a carga tributária incidente nas operações de transferência de patrimônio, seja entre pessoas físicas ou entre essas e a pessoa jurídica, que tem grande impacto e relevância na elaboração do projeto de sucessão.
Dentre os tributos que compõem o sistema tributário nacional, devemos especial atenção ao imposto sobre a renda incidente sobre ganhos de capital, o imposto de transmissão inter vivos (ITBI); o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e o imposto sobre a propriedade rural (ITR).
Imposto sobre a renda sobre ganhos de capital
O impacto do imposto sobre a renda há de ser considerado no momento em que se define pela transferência da propriedade dos bens, ou parte deles, seja na transferência de bens das pessoas físicas para a pessoa jurídica, a holding, seja entre as pessoas físicas, de pais para filhos ou entre os sócios, seja entre pessoas jurídicas, onde a empresa operacional é detentora de bens não vinculados à sua operação que devam ser segregados, passando a compor o patrimônio da holding, por exemplo.
Essas operações estão sujeitas a apuração de ganho de capital, assim entendido o resultado positivo apurado entre o custo de aquisição, ou valor contábil residual, e o valor da transferência desses bens ou direitos, e tributação pelo imposto sobre a renda.
Os ganhos auferidos pela pessoa física e pelas pessoas jurídicas optantes pelo Sistema Simplificado de Pagamento de Tributos (Simples Nacional) serão tributados nos termos do artigo 21, da Lei 8.981/1995, com a redação dada pela Lei 13.259/2016, que estabelece alíquota de 15% sobre ganhos de até R$ 5 milhões; 17,5%, para ganhos de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões; 20% para ganhos de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões; e 22,5% para ganhos que ultrapassem R$ 30 milhões.
As pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real terão o ganho de capital computado na apuração do lucro real; as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro presumido terão o ganho de capital somado à base presumida, determinada pela aplicação do percentual de presunção correspondente à sua atividade, sobre a receita bruta auferida no período.
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos (ITBI)
O impacto do ITBI será analisado nas transferências de propriedade de imóveis, seja entre pessoas físicas, entre pessoas jurídicas ou entre essas.
O que cabe destacar é a possibilidade da não incidência do imposto nos casos nos quais a transmissão de bens se dê para incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica, nos termos do artigo 156, inciso II, parágrafo 2º da Constituição Federal. Contudo, a possibilidade estará atrelada ao objeto social que será atribuído à sociedade.
Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD)
O ITCMD é imposto de competência dos estados e do Distrito Federal, que incide sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos. Assim, quanto a bens imóveis, deverá ser observada a legislação do estado da situação do bem, ou do Distrito Federal. Relativamente a bens móveis, títulos e créditos, será observada a legislação do estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou do Distrito Federal.
O interessante a se observar quanto à incidência do ITCMD é a determinação da alíquota e da base de cálculo, que variam entre os estados, e o enquadramento em determinadas regras vigentes, que poderá trazer economia tributária na implantação do projeto.
Carga tributária pessoa física x pessoa jurídica
Para ilustrar um pouco de tudo o que foi dito e a título exemplificativo, de uma possibilidade de economia tributária quando se elabora um projeto dessa natureza, podemos citar a tributação de rendimentos de aluguéis auferidos pelas pessoas físicas em comparação com a carga tributária incidente na pessoa jurídica.
Os rendimentos de aluguel estão sujeitos ao imposto sobre a renda, as pessoas físicas devem calcular o imposto devido com base na tabela progressiva; já as pessoas jurídicas poderão optar entre lucro real, lucro presumido ou simples nacional.
Em poucas palavras, a tabela progressiva atinge uma carga tributária de 27,5%, enquanto, no lucro presumido, por exemplo, a carga tributária gira em torno de 15%.
Considerando-se a complexidade das relações envolvidas quando tratamos de uma empresa familiar, o projeto de planejamento sucessório, com o auxílio de ferramentas de governança corporativa e jurídica, terá por objetivo maior criar, desenvolver e formalizar os instrumentos necessários para regulação dos direitos e deveres, proteção e manutenção do patrimônio, a longevidade do negócio e as boas relações familiares.
A sustentação de toda essa estrutura, como já dito, pressupõe que nenhum ato configure fraude a credores ou fraude à execução, sob pena da desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica pode vir a ser declarada para se pavimentar dois caminhos. Um primeiro para que se alcance o patrimônio dos sócios para fazer frente às obrigações da pessoa jurídica. E em caminho inverso, para que o patrimônio da pessoa jurídica possa fazer frente a obrigações dos sócios.
Assim, podemos concluir que a autonomia, independência e segregação entre o patrimônio dos sócios (pessoa física) e o patrimônio da pessoa jurídica será desconsiderada para que não seja utilizada com intuito de fraudar a lei ou como instrumento de abuso de direito.
O princípio que rege nosso sistema jurídico é autonomia, independência e segregação entre pessoa física e pessoa jurídica. O próprio Código de Processo Civil estabelece que os bens particulares dos sócios não respondam por dívidas assumidas pela sociedade. Contudo, tal regra não se aplica em hipóteses expressamente previstas em lei, sendo obrigatória a observância do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) nesses casos.
O artigo 50 do Código Civil prevê que “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Nesse contexto, demonstra-se mais uma vez a importância de que o planejamento sucessório seja traçado concomitantemente com o planejamento tributário, observando-se, além disso, as regras atinentes ao direito de família e sucessões.
Por Juliane Sciarreta Fantinatti
Revista Consultor Jurídico, 9 de abril de 2017, 16h48