Os tributos tem por finalidade a retirada de uma parcela de valor das riquezas produzidas pelo particular para que o Estado possa cumprir com as determinações constitucionais e legais.
Em geral o fato gerador ocorre no momento da produção desta riqueza e tem como base de cálculo o valor da operação
No caso do Imposto sobre serviços o fato gerador é a prestação de serviços cujo rol de atividades esta prevista na lei complementar 116/03 e regulamentada pelas Leis Municipais.
Porém existem outras formas de se fixar o valor da obrigação tributária dos tributos de forma fixa ou também conhecidas como “ad valorem” ou a valor certo.
No caso do ISS pode o Municipio, titular e competente para fixar o valor devido por meio de enquadramento da atividade desenvolvida pelo contribuinte.
Essa prerrogativa é derivada do Decreto Lei 406/68.
Preceituam os parágrafos primeiro e terceiro do artigo 9º do Decreto-Lei 406, de 31/12/1968:
Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987)
Trata-se de exceção da regra geral, a tributação ad valorem em relação ao preço do serviço definido no art. 7º da Lei Complementar 116/2003, aplicável a todos os demais prestadores de serviços.
Referida norma sempre serviu de referencia para a cobrança de ISS para prestadores de serviços de atividades unipessoal, tais como médicos, dentistas, contadores, advogados, engenheiros, que por uma questão de organização tinham suas atividades organizadas em sociedade, como clinicas e escritórios.
Ocorre que alguns Municípios, consideram não recepcionada pela Carta de 1988 o Decreto 406/68 em especial seu art. 9º, §1º e 3º.
Sustentam, que o artigo 9º. violaria o princípio da isonomia tributária prevista pelo art. 150, II, da CF em relação aos demais prestadores de serviço que recolhiam o tributo tendo por base de cálculo o preço do serviço;que a tributação fixa seria incompatível com o sistema jurídico tributário, pois impediria a aferição da riqueza tributada e da natureza do tributo, violando assim o princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 145, §1º da CF; que o legislador federal não poderia conceder isenções heterônomas; que com a EC nº 3/93, que deu nova redação ao § 6º do art. 151 da CF, reduções de base de cálculo somente poderiam ser concedidos por lei específica.
Depois de questionarem referida norma no judiciário o Supremo Tribunal Federal considerou recepcionada a tributação nos moldes do artigo 9º. Do Decreto 406 e chegou a tal conclusão à luz do §5º do art. 34 da ADCT e do entendimento de que os profissionais liberais, mesmo reunidos em sociedade, apresentavam uma situação de desigualdade que justificava a tributação diferenciada, a qual não representava redução de base de cálculo, mas uma base de cálculo diferenciada. Portanto, levou em conta o STF o traço da pessoalidade na prestação do serviço, que continuava sendo prestado pelos profissionais, ainda que em sociedade.
Pelas decisões do STF e o Superior Tribunal de Justiça são requisitos para que o ISS seja enquadrado em valor fixo as seguintes condições:
Portanto é necessário que o profissional seja o prestador de serviço e não a clinica ou o escritório.
O propósito negocial ou empresarial ocorre quando outros profissionais que não fazem parte da sociedade prestam o serviço de forma completa e sem a participação do sócio profissional, em geral funcionários contratos pela pessoa jurídica.
Nos casos em que a pessoa jurídica presta o serviço por meio de outras pessoas que não o profissional não é possível o recolhimento do ISS por meio de alíquota fixa, devendo ocorrer o recolhimento pelo montante dos serviços prestados.
Porém pode o profissional utilizar funcionários para auxilia-lo na prestação de serviços como secretárias e ajudantes que não necessariamente executam os serviços, mas apenas auxiliam, sendo que a participação do profissional responsável é efetiva.
Nestes casos não há quebra da pessoalidade ou da empresariedade.
Da mesma forma não implica no conceito de empresariedade o tipo societário utilizado pela sociedade unipessoal. O fato se ser uma empresa limitada ou sociedade simples não altera o conteúdo da prestação de serviço.
Muitas clínicas tem atos constitutivos onde constam diversas atividades entre elas a descrição de atividades empresariais sem no entanto realiza-las.
Não é o contrato social que determina o fato gerador do tributo nem pode impor restrições a aplicação dos critérios diferenciadores de tributação do ISS, mas sim a prática utilizada pelo profissional.
A sintaxe não pode redundar em exigência tributária quando a semântica se diferencia da sua práxis.
Portanto não é o contrato social, aspecto formal, que servirá de parâmetro para a cobrança de ISS, pois este não tem conteúdo econômico, mas sim, a atividade desenvolvida pelo profissional, se com a ajuda de outras pessoas ou com a dependência destes, mas sempre com a análise destes critérios.
Leandro Paulsen, entende que a pessoalidade na prestação só é requisito para o direito à tributação privilegiada prevista no §1º (pessoas físicas), e não das sociedades de profissionais do §3º (pessoas jurídicas). Para o renomado jurista, essas sociedades manteriam o direito à tributação privilegiada mesmo se, na execução de sua atividade-fim, contarem com a participação de pessoas jurídicas ou de pessoas inabilitadas.
Importante salientar o conceito de participação, que entende-se que ocorra em conjunto com o profissional não retirando deste a unipessoalidade ou sua habilitação
A personalidade jurídica utilizado pelo profissional não se sobrepõe a ele, nem a estrutura que o profissional utiliza descaracteriza sua função ou sua habilitação. Na sociedade empresária quem presta o serviço é a sociedade, e aquela, de acordo com o Código Civil, tem natureza comercial e não civil.
Para que haja atividade comercial o profissional precisa se servir de pessoas que fazendo por ele seu serviço sem que este atue diferente do profissional que usa pessoas apenas para lhe auxiliar.
No entender do Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE 236604-7 as sociedades civis de profissionais continuam exercendo suas profissões e se reúnem como forma de melhor atingir os fins que, isoladamente, não poderiam alcançar, racionalizando esforços, poupando custos, e proporcionando maior disponibilidade de tempo para o trabalho e o descanso. Os clientes continuam procurando as pessoas dos profissionais e o aspecto pessoal é muito forte. E foi por este motivo de aspecto pessoal independentemente do tipo societário que motivou o Egrégio STF a considerar recepcionada pela Constituição de 1988 o regime de tributação diferenciado do DL. 406/68.
As sociedades de profissionais podem vir a exercer suas atividades de forma empresarial independentemente do registro na entidade de classe, bastando para isso que tornem a profissão elemento de empresa, na forma do art. 966, §único, do Código Civil, in fine:
Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou a circulação de bens ou serviços.
Parágrafo único – não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da prestação constituir elemento de empresa.
Oportunas as lições de Fábio Ulhoa Coelho ao comentar o artigo 966, § único, do Código Civil de 2002, e ao explicar que o registro no órgão de comércio não faz parte da essência do conceito de empresário:
Há uma exceção, prevista no mesmo dispositivo legal, em que o profissional intelectual se enquadra no conceito de empresário. Trata-se da hipótese em que o exercício da profissão constitui elemento de empresa. Para compreender o conceito legal, convém partir de um exemplo.
Imagine o médico pediatra recém-formado, atendendo seus primeiros clientes no consultório. Já contrata pelo menos uma secretária, mas se encontra na condição geral dos profissionais intelectuais: não é empresário, mesmo que conte com o auxílio de colaboradores. Nesta fase, os pais buscam seus serviços em razão, basicamente, de sua competência como médico.
Imagine, porém, que, passando o tempo, este profissional amplie seu consultório, contratando, além de mais pessoal de apoio (secretária, atendente, copeira etc.), também enfermeiros e outros médicos. Não chama mais o local de atendimento de consultório, mas de clínica. Nesta fase de transição, os clientes ainda procuram aqueles serviços de medicina pediátrica, em razão da confiança que depositam no trabalho daquele médico, titular da clínica. Mas a clientela se amplia e já há, entre os pacientes, quem nunca foi atendido diretamente pelo titular, nem o conhece.
Numa fase seguinte, cresce mais ainda aquela unidade de serviços. Não se chama mais clínica, e sim hospital pediátrico. Entre os muitos funcionários, além dos médicos, enfermeiros e atendentes, há contador, advogado, nutricionista, administrador hospitalar, seguranças, motoristas e outros. Ninguém mais procura os serviços ali oferecidos em razão do trabalho pessoal do médico que os organiza. Sua individualidade se perdeu na organização empresarial.
Neste momento, aquele profissional intelectual tornou-se elemento de empresa. Mesmo que continue clinicando, sua maior contribuição para a prestação dos serviços naquele hospital pediátrico é a de organizador dos fatores de produção. Foge, então, da condição geral dos profissionais intelectuais e deve ser considerado, juridicamente, empresário. (MANUAL DE DIREITO COMERCIAL, Saraiva, 2003, 14ª edição, p. 17)
O registro no órgão próprio não é da essência do conceito de empresário. Será empresário o exercente profissional de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, esteja ou não inscrito no registro das empresas. (p. 43)
Dentro dessa linha a conclusão 199 da III Jornada de Direito Civil do E. Superior Tribunal de Justiça (2004), assim enunciada:
199 – A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador da sua regularidade e não da sua caracterização.
E isso pode se dar no caso das sociedades, quando estas, atuando como verdadeira empresa, a despeito de aspectos formais previstos pelas normas da entidade de classe, descaracterizarem-se como sociedades não-empresárias.
Por oportuno, cumpre-nos esclarecer que a atividade empresária engloba a atividade comercial, mas a ela não se limita. O ato empresarial é muito mais amplo que o ato de comércio, por envolver qualquer atividade produtiva relacionada à circulação de bens ou serviços.
Portanto não é a forma de constituição da empresa que definirá a forma de tributação do ISS mas o seu conteúdo, pois o fato gerador é a riqueza produzida pela sociedade de forma pessoal do profissional que compõe a sociedade.
Conclusão
Atendidos os requisitos definidos nos julgamentos realizados pelo STJ e STF que exigem a prestação de serviços pessoal do sócio da pessoa jurídica, não de forma exclusiva, mas dentro de sua especialidade e sem o uso de terceiros em seu lugar a tributação do ISS poderá ocorrer de forma fixa, independentemente da forma jurídica que estiver constituída sua pessoa jurídica.
Por Jaime Luiz Leite
Fonte: tributario.com.br