Essa contribuição social do empregador rural pessoa física, conhecida com a denominação de Funrural, é bastante controvertida na jurisprudência de nossos tribunais. Vem sofrendo alterações legislativas ao longo do tempo para se adequar às decisões proferidas pela Corte Suprema.
O fato gerador dessa contribuição social é a receita bruta auferida pelo empregador rural pessoa física proveniente de comercialização de sua produção, nos exatos termos do art. 25 da Lei nº 8.212, de 24-7-1991, desde a sua redação original até os dias atuais.
Na vigência da Lei nº 8.540/92, o art. 25 da Lei nº 8.212/91 tinha a seguinte redação:
Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para o financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho.
A contribuição previdenciária em tela, na redação dada pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92 foi declarada inconstitucional pelo STF por ofensa ao art. 150, II da CF em virtude da existência de dupla tributação caso o produtor rural seja empregador e, também, pela necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de custeio para a seguridade social, conforme prescrição do § 4º, do art. 195 da CF (RE nº 596.177-RG/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 29-8-11). Só que antes do julgamento desse RE nº 596.177, em regime de repercussão geral, houve alteração legislativa do art. 25 da Lei nº 8.212/91, conforme abaixo transcrito:
Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de (Redação dada pela Lei n° 10.256, de 9-7-01):
I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei n° 9.528, de 10-12-97)
II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para o financiamento das prestações por acidente do trabalho. (Redação dada pela Lei n° 9.528, de 10-12-97).
Como se vê, alteração substancial só houve em relação ao caput que modificou o sujeito passivo da contribuição social de “pessoa física” para “empregador rural pessoa física,” eliminando o perigo de dupla tributação que viria ser pronunciado pelo STF, como retro examinado. Nenhuma inovação se fez em relação aos incisos I e II que foram alterados pela Lei nº 9.528/97 para simplesmente passar a expressar os percentuais aí referidos em algarismos, substituindo aqueles percentuais expressos por extenso, como estavam na redação dada pela Lei n? 8.540/92. Assim, não houve qualquer inovação legislativa. Afinal, alterar o percentual por extenso pelo percentual expresso em algarismo em nada altera quanto a sua substância. Tanto faz “dois por cento,” como estava antes, ou 2%, como está na redação atual. Essa lembrança é importante para perfeita compreensão do que vai exposto mais adiante.
Quanto ao caput do art. 25 houve efetivamente uma alteração substancial. Agora, somente o empregador rural pessoa física passa a ser o sujeito passivo dessa contribuição social, não mais se cogitando das contribuições de que tratam os incisos I e II do art. 22 e do contribui9nte individual e do segurado especial previstas, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII, do art. 12 da Lei 8.212/91.
Mas, precedendo à declaração de inconstitucionalidade supra retratada, o STF havia declarado a inconstitucionalidade do Funrural por adotar a base de cálculo não permitida pela Constituição Federal.
Nesse particular, é de suma importância assinalar que os inciso I e II, do art. 25 da Lei sob comento referem-se à receita bruta “proveniente de comercialização de sua produção,” o que exclui qualquer outro tipo de receita. É, portanto, sinônimo de faturamento. De fato, receita proveniente apenas da comercialização do produto só pode ser aquela que advém do faturamento dessa produção. Mas, como a expressão “receita” só foi inserida no texto do art. 195, I da CF pela EC n° 20, de 15-12-1998, o Funrural, a exemplo da Cofins foi declarado inconstitucional, porque o nosso sistema jurídico não reconhece a figura da constitucionalidade superveniente (RE n? 363. 852/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Dje de 23-4-2010). Seguiu-se, portanto, o mesmo raciocínio desenvolvido no RE n° 357.950-RS que declarou a inconstitucionalidade da base de cálculo da Cofins.
A legislação da Cofins, realmente, expandiu a base de cálculo dessa contribuição social para além do permissivo constitucional então vigente ao alterá-la de faturamento para receita bruta que pode abrigar as receitas não operacionais como os rendimentos de capital (juros, alugueis etc).
No Funrural isso não acontece, porque a receita bruta sempre esteve limitada àquela auferida com a comercialização da produção agrícola, como vimos. Daí o equívoco do julgado.
E mais, o STF abandonou a sua postura antiga segundo a qual não era possível declarar a inconstitucionalidade de uma norma à luz de texto constitucional que não mais está em vigor. Talvez, a flexibilização dessa tese salutar tenha ocorrido em função do congestionamento da Corte que não mais consegue concluir o julgamento antes das alterações dos textos constitucionais que, aliás, passaram a acontecer com incrível velocidade. As Emendas são aprovadas com rapidez maior do que as leis ordinárias. O certo é que na vigência do art. 195 da CF, em sua redação original, não havia qualquer julgado pronunciando a inconstitucionalidade de qualquer contribuição social fundada na receita bruta. Isso somente veio a acontecer quando o texto original do art. 195 já não mais vigia. Diferente a hipótese de declaração de inconstitucionalidade dos incisos V e VII, do art. 12, da Lei no 8.212/91[1] que incluíram novas categorias de segurados obrigatórios da Previdência Social sob denominação de contribuinte individual e de segurado especial,[2] respectivamente, implicando criação de nova fonte de Seguridade Social, sem lei complementar como reclamada pelo § 4o, do art. 195, c.c art. 154, I, da CF. Por conseguinte, foi declarado inconstitucional, também, o inciso IV do art. 30, que responsabiliza a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou cooperativa na condição de sub-rogada nas obrigações dos contribuintes.
A discussão quanto a constitucionalidade ou não da exigência da contribuição social de empregador rural pessoa física continua. Aparentemente essa contribuição social estaria de conformidade com a EC nº 20/98.
Acontece que o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região declarou a inconstitucionalidade dessa contribuição social a cargo do produtor rural empregador, pessoa natural, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, instituída pelo art. 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 10.256/01. O V. Acórdão alegou afronta aos artigos 150, I, e 195 caput e inciso I, alínea b da Constituição Federal. Em suma, sustentou que não basta a Lei 10.256/01 instituir o empregador rural pessoa física como contribuinte, sem definir a base de cálculo e alíquota que continuaram com aquelas estabelecidas antes da EC nº 20/98 e, essa base de cálculo já foi objeto de declaração de inconstitucionalidade pelo STF no RE nº 363.852/MG. A União interpôs Recurso Extraordinário sustentando, em síntese, que a Lei nº 10.256/01 publicada na vigência da EC nº 20/98 instituiu validamente a exação sobre a “receita ou faturamento” tornando constitucional o tributo a partir de então. Alegou, ainda, que a Lei nº 10.256/01 limitou-se a reinserir o “produtor rural com empregados” no âmbito da tributação prevista no art. 25 da Lei n 8.212/91, “não sendo necessário reescrever toda a regulamentação da contribuição que já regia o segurado especial, mas tão-só incluir o novo sujeito passivo em seu caput.” O Recurso Extraordinário tomou o nº 718.874-RG/RS, no qual seguindo o voto do Relator, Min. Ricardo Lewandowski, a Corte reconheceu a existência de repercussão geral, nos termos do art. 543-A, § 1º, do CPC, cc. art. 323, § 1º, do RISTF. Quanto ao caput do art. 25 da Lei n 8.212/91 na redação dada pela Lei nº 10.256/01 realmente ainda não foi objeto de qualquer pronunciamento da Corte Suprema.
No que toca à base de cálculo da contribuição social, de fato, não houve a reclamada adequação dos inciso I e II, do art. 25 aos exatos termos da EC nº 20/98 (receita ou faturamento) pela Lei nº 10.256/01 e nem isso era necessário, salvo melhor juízo.
Efetivamente, a base de cálculo da contribuição social, na forma dos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91, desde o advento da Lei nº 8.540/92 até hoje, sempre foi sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da sua produção” que, como antes explicamos, significa faturamento, expressão essa existente desde o advento da Constituição Federal de 1988. Daí a compatibilidade da base de cálculo do Funrural com o texto constitucional então vigente.
Diferente a hipótese da receita bruta pertinente a Cofins que abrange a “totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo da atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”(art. 3º e § 1º, do art. 2º, da Lei nº 9.718/98). Esse conceito, realmente, supera o de faturamento de mercadorias e serviços e a declaração de sua inconstitucionalidade, de rigor, se impunha.
Mas, exatamente esse importante pormenor não é abordado no Recurso Extraordinário da União, pelo menos de forma expressa, o que poderá conduzir novamente à declaração de inconstitucionalidade do Funrural por inadequação da sua base de cálculo ao texto constitucional então vigente. Corre-se o risco de não ver enfrentado o exame do caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 com a nova redação dada pela Lei nº 10.256/01 que no nosso entender eliminou o vício pronunciado no RE n? 596.177 em caráter de repercussão geral.
Notas
[1] RE nº 363.852/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 23-4-2010.
[2] Entram nessa categoria o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exercem essas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
Por Kiyoshi Harada
Fonte: tributario.com.br