Desde que veio à luz o § 7º do art. 150 da CF acrescido pela Emenda nº 3/93, que tantos malefícios introduziram na seara do Direito Tributário, posicionamo-nos contra a apropriação indevida pelo Estado do ICMS recolhido a maior na operação de substituição tributária baseado no fato gerador presumido.
O STF havia sacramentado a tese de que era constitucional a não restituição da diferença apurada na operação posterior (RE nº 266523, DJ de 17-11-2000) bem como que era constitucional a cláusula segunda do Convênio ICMS 013/97 que prescrevia no sentido de não restituir o ICMS pago na operação anterior, na operação de substituição tributária para frente, quando se constatar que na operação subsequente a saída ocorreu por um valor menor (base de cálculo) do que aquele levado em conta para tributação antecipada (ADI nº 1.851-AI, DJ de 13-12-2002).
A partir de então, nem o § 1º, do art. 10 da Lei Complementar nº 87/96 que fixava o prazo de 90 dias para restituição, quando o § 7º do art. 150 prescreve a restituição imediata e preferencial, vinha sendo observado. Simplesmente, o contribuinte substituído arcava com o encargo financeiro de um imposto cobrado à margem do princípio da legalidade tributária. O Estado de São Paulo, cuja legislação contempla expressamente a restituição na hipótese de saída ulterior por preço menor, também decidiu passar por cima da própria lei que elaborou, proferindo ajuizar ação direta de inconstitucionalidade da sua lei perante o STF ao invés de buscar a sua revogação por meios legislativos regulares.
Tudo por causa de dois conceitos equivocados. Primeiro, quando o STF refere-se à definitividade da substituição tributária, essa definitividade nada tem a ver com o fato gerador do ICMS. A substituição tributária é que é irreversível, não o fato gerador presumido. Segundo, fato gerador presumido de que ainda o § 7º do art. 150 do CF não se refere ao seu aspecto nuclear, objetivo ou material, mas ao aspecto quantitativo do fato gerador (base de cálculo). Logo, em havendo saída posterior pelo valor menor do que aquele que serviu de base para a tributação antecipada tem-se que o fato gerador presumido não ocorreu, mas, outro fato gerador, diferente daquele. Parece óbvio que toda tributação antecipada com base em valor presumido da saída há de sofrer um ajuste na ocasião própria, pois não há nem pode haver no sistema tributário vigente a possibilidade jurídica de se aventar o pagamento de um tributo por um valor indeterminado. Não se pode confundir a presunção do aspecto quantitativo do fato gerador, com a presunção do aspecto material do fato gerador para afirmar que essa presunção ocorreu quando houver uma saída subsequente da mercadoria submetida ao regime de substituição tributária. Se a base de cálculo na operação subsequente for diferente da base de cálculo levada em conta na operação anterior, evidentemente, teremos que considerar dois fatos: um fato gerador real, e outro fato gerador presumido que deixou de ocorrer no mundo fenomênico. Se há dois preços, não se pode ignorar a existência de dois negócios jurídicos. Como assinalamos no nosso livro “interpretação literal conduz ao equívoco que acaba atentando contra os princípios da legalidade tributária, da vedação de efeitos confiscatórios dos tributos e da não comutatividade do ICMS, um subprincípio para alguns autores e, para outros, ainda, mera técnica de tributação” [1].
Esse equívoco, passados mais de uma década veio a ser corrigido no julgamento do RE nº 593849 que decidiu pela necessidade de restituição da importância cobrada a mais na operação de substituição tributária, declarando em consequência a constitucionalidade das leis de São Paulo e de Pernambuco que previam essa obrigatoriedade. Foi reconhecida a existência de repercussão geral, porém, veio com modulação de efeitos, o que não permitirá a repetição de indébito com exceção dos contribuintes de São Paulo e de Pernambuco em virtude da previsão legal dessa restituição. O julgamento ocorreu em 19-10-2016 e pende de publicação do Acórdão respectivo.
Atuou como Relator o Min. Edson Falem em substituição ao anterior, Min. Ricardo Lewandowiski. Sete ministros votaram pelo provimento do Recurso Extraordinário (Ministros Edson Fachim, Ricardo Lewandowiski, Luz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Luiz Barroso)e três votam pelo desprovimento (Ministros Gilmar Mendes, Dias Tóffoli e Teori Zavascki), ausente o Ministro Celso de Melo.
Com essa decisão aplicável erga onmes a Corte Suprema deu a exata interpretação ao disposto no º 7º, do art. 150 da CF que vínhamos defendendo desde a sua introdução pela Emenda nº 3/93.
Notas
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 25ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 504.
Por Kiyoshi Harada
Fonte: tributario.com.br