Em 2007, a Apple depositou os principais pedidos de patente de tecnologias que seriam incorporadas ao primeiro smartphone da empresa: o iPhone, que neste ano completará 10 anos. Grande parte dessas patentes já foi examinada e concedida ou indeferida pelo USPTO, o escritório de patentes norte-americano. No Brasil, diferentemente, nenhuma das patentes depositadas pela Apple desde 2007 teve seu resultado publicado até hoje.
O exemplo retrata a complexa situação enfrentada há anos pelo INPI com relação aos prazos de análise e de concessão de registros. A autarquia conta hoje com um acúmulo de cerca de 230 mil pedidos de patentes pendentes de exame, o chamado backlog. Levantamento atualizado pela última vez em 2015 indicava que 67% dos pedidos de patente haviam sido concedidos mais de 10 anos após o depósito. A situação tampouco é positiva com relação aos registros de marcas; apesar de uma redução significativa nos últimos anos, o prazo médio de tramitação de novos pedidos de registro de marcas em 2016 foi de 26 meses, considerado longo em comparação com outros países. Na Alemanha, por exemplo, o tempo médio fica entre 7 e 8 meses.
Essa morosidade gera impactos negativos para os empresários e compromete a percepção acerca do ambiente de negócios no Brasil. Entre as dificuldades ocasionadas estão obstáculos para a captação de investimentos entre o depósito e a concessão do registro, e a impossibilidade de adoção de medidas judiciais para impedir o uso não autorizado por terceiros, especialmente no caso de patentes. Em grande medida, essas dificuldades se explicam pelo fato de que, durante a tramitação do pedido, o requerente tem mera expectativa de direito, não podendo exercer plenamente as prerrogativas legais inerentes ao registro.
Sob a perspectiva institucional e de política de inovação, também é preciso considerar os relevantes desincentivos ao uso do sistema de patentes no país ocasionados por essa ineficiência. É o que ocorre, por exemplo, em situações envolvendo tecnologias com ciclos mais curtos de vida.
Nos últimos meses, o INPI tem concentrado esforços com vistas à redução do backlog. Foram adotadas diversas iniciativas, entre elas:
3. A criação de programas específicos de aceleração de exame de patentes em determinados segmentos, como o Patentes BR e o Patentes MPE.
Essas medidas têm contribuído para reequilibrar os fluxos de entrada (novos pedidos) e saída (decisões do INPI), mas ainda não se mostraram suficientemente eficazes, especialmente no caso de patentes, para reduzir o volume de pedidos acumulados.
Diferentemente, duas outras medidas em particular sinalizam potencial para endereçar o problema do backlog de forma mais eficaz, embora também suscitem preocupações. A primeira refere-se ao registro de marcas. Com base na Resolução 166/2016, vigente desde junho do ano passado, o INPI deixou de indicar expressamente, no ato de concessão, eventuais ressalvas à exclusividade sobre determinados elementos das marcas concedidas (o chamado “apostilamento”). Essas anotações, que decorrem de disposições da Lei de Propriedade Industrial, abrangem, por exemplo, termos considerados genéricos ou comumente utilizados em determinado segmento. Como certos critérios comportam níveis elevados de subjetividade, a indicação expressa pelo INPI proporcionava mais segurança aos titulares.
As ressalvas feitas caso a caso pelo INPI foram substituídas por uma referência padronizada aos dispositivos legais possivelmente aplicáveis. Por um lado, a medida otimizou o trabalho dos examinadores de marcas; por outro, privou o titular, e também seus concorrentes, de informações claras sobre quais elementos não são objeto de uso exclusivo. Essa incerteza aumenta as chances de que haja um incremento no volume de discussões sobre violações dos direitos sobre marcas.
A segunda medida refere-se à concessão de patentes, e ainda tem sido objeto de especulações. Sinalizada pelo INPI em seu Plano de Ação 2017, que faz referência a uma “simplificac?a?o radical e tempora?ria de procedimentos te?cnicos”, acredita-se que a iniciativa poderá envolver a concessão, sem um exame técnico detalhado, de todos os pedidos de patentes depositados no INPI até determinada data. O exame somente seria mantido para usuários que assim solicitassem, expressamente.
Se adotada medida nesse sentido, o backlog de patentes seria drasticamente reduzido, diminuindo-se a sobrecarga dos examinadores, e também os prazos de exame dos pedidos remanescentes. Além disso, a medida poderia fomentar atividades econômicas que envolvam a exploração de diversas tecnologias, além de incentivar o uso do sistema de patentes, na medida em que proporcionasse ganhos de eficiência na concessão de registros futuros.
Contudo, é preciso ponderar que há também riscos envolvidos. Eventual concessão de patentes sem exame técnico detalhado poderá ocasionar inseguranças com relação à exclusividade conferida, inclusive afetando o valor de mercado dessas patentes. Além disso, há riscos de aumento do volume de disputas envolvendo as patentes concedidas com base na medida extraordinária, que poderão, inclusive, sobrecarregar o próprio INPI e o Judiciário, notadamente no caso de discussões administrativas e judiciais acerca da nulidade dessas patentes. Há que se considerar, ainda, o risco de que patentes de fundamento duvidoso (que não sejam verdadeiramente inovadoras) sejam utilizadas indevidamente para limitar a livre concorrência.
A avaliação do custo-benefício dessas medidas não é tarefa simples. Espera-se que elas sejam devidamente monitoradas, apurando-se continuadamente os possíveis benefícios econômicos e institucionais e os efeitos indesejados, a fim de que eventuais ajustes possam ser feitos tempestivamente. Os empresários, a seu turno, deverão contar cada vez mais com o suporte técnico e jurídico qualificado, com o objetivo de preservar e ampliar o valor de seus ativos intangíveis.
Fonte: http://fialhosalles.com.br/2016/publicacao/inpi-reforca-medidas-contra-o-backlog/#.WYDzDITyvIX