Por Diego Alves Amaral Batista e Paula Zugaib Destruti
Como se sabe, as pessoas jurídicas brasileiras estão sujeitas à tributação no Brasil em bases universais (worldwid basis taxation) independentemente da localização da fonte de geração ou pagamento da renda. Assim, os rendimentos recebidos por sociedades brasileiras de fontes localizadas no exterior estão sujeitos à incidência pelo IRPJ e CSL no país. Ocorre que, a depender da legislação da jurisdição localiza a fonte pagadora, pode haver também incidência do imposto de renda a ser retido e recolhido pela fonte pagadora naquele país.
Nas hipóteses em que a fonte pagadora está estabelecida em um país com o qual o Brasil possui um Acordo de Bitributação e, pelas regras desse acordo, o país onde se localiza a fonte pagadora possui competência para tributar esse rendimento, a própria convenção prevê métodos para que o imposto pago no exterior possa ser compensado com o valor do IRPJ e da CSL devidos no Brasil.
Os Acordos de Bitributação também podem prever benefícios convencionais aos residentes dos países contratantes, a fim de exonerar ou reduzir a carga fiscal incidente no país de residência do investidor e preservar inventivos tributários concedidos, pelo país da fonte, para atrair investimentos. Para tanto, esses Acordos possuem as chamadas cláusulas de matching credit ou tax sparing.
Por meio do matching credit, por exemplo, o Estado de residência do beneficiário do rendimento concede ao contribuinte o direito de compensar um crédito presumido calculado com base em um percentual pré-definido sobre o valor do rendimento recebido de uma fonte residente no outro Estado, independentemente do montante do imposto efetivamente pago no Estado onde reside a fonte pagadora.
Já no caso do tax sparing, o crédito presumido é correspondente ao imposto que deixou de ser pago em razão da concessão de determinado incentivo fiscal e, portanto, pode variar conforme o benefício concedido ao investidor. Esse crédito presumido evita que os benefícios decorrentes de eventuais renúncias fiscais concedidas pelo Estado onde está localizada a fonte dos pagamentos sejam anulados pela tributação incidente no Estado de residência do prestador de serviço.
As cláusulas de matching credit ou tax sparing foram introduzidas em diversos tratados internacionais desde a década de 50, quando foi inicialmente sugerida pela Comissão de Assuntos Fiscais do Governo Britânico visando preservar o direito de antigas colônias de concederem benefícios fiscais para atrair investimentos, bem como a competitividade as empresas inglesas. Por meio desses mecanismos, então, os Estados contratantes buscam facilitar o fluxo de investimentos produtivos para países em desenvolvimento – sendo essas cláusulas incluídas prioritariamente em tratados firmados por países que possuem uma clara relação de investidor-investido – e assegurar a competitividade de investidores estrangeiros em países cujo nível de tributação fosse reduzido (e, portanto, o custo fiscal de operação é menor).
O Brasil tornou as cláusulas de matching credit e tax sparing parte de sua política de negociação de tratados internacionais visando garantir que o investidor estrangeiro tivesse direito a um crédito presumido de imposto no seu país de residência quando realizar negócios ou transações com empresas residentes no Brasil. O objetivo era estimular a entrada de investimentos estrangeiros no país e preservar a competência tributária brasileira para o desenho de políticas fiscais internacionais.
Mais da metade dos Acordos firmados pelo Brasil possuem essa previsão, sendo que alguns deles preveem não apenas a obrigação do Estado estrangeiro de conceder um crédito presumido em relação a rendimentos pagos a partir do Brasil, mas também a obrigação de conceder, aos seus residentes, um matching credit e tax sparing correspondente ao imposto pago no exterior quando do recebimento de determinados rendimentos pagos residentes no outro estado.
As cláusulas recíprocas de matching credit estão previstas nos Acordos de Bitributação com a Espanha, Índia, a Coréia do Sul, o Equador, as Filipinas e a Itália, sendo este último apenas em relação a dividendos. Esses Acordos, ratificados para atrair investimentos para o país e garantir uma maior segurança jurídica em relação ao custo fiscal aplicável às operações dos investidores, podem representar novas oportunidades de expansão para grupos brasileiros que estão internacionalizando suas operações e pretendem operar em novos mercados.
Recentemente, a RFB publicou a Solução de Consulta COSIT nº 82/19 reconhecendo o direito de o contribuinte compensar esse matching credit no Brasil no valor de 25% dos royalties pagos por residentes da Espanha a pessoas físicas ou jurídicas residentes no Brasil, com base no Acordo de Bitributação firmado entre os países.
No caso analisado, a sociedade consulente era prestadora de serviços de consultoria, focada em pesquisa de mercado e elaboração de relatórios técnicos. No entendimento do contribuinte que realizou a consulta, o artigo 12(3) do Acordo de Bitributação entre o Brasil e a Espanha e do item 5 do Protocolo definiria que os pagamentos por serviços técnicos e de assistência técnica baseados em “informações correspondentes à experiência adquirida [pelo prestador] no setor industrial, comercial ou científico” devem ser qualificados como royalties, nos termos do acordo internacional.
A consulente sustentou ainda que o artigo 23(2) da Convenção autorizaria o beneficiário de tais royalties no Brasil a compensar um crédito presumido de imposto pago no exterior equivalente a 25% do valor do rendimento, seja qual for o valor do tributo efetivamente retido na Espanha.
Na Solução de Consulta, a RFB não analisou se os rendimentos recebidos pela sociedade brasileira poderiam ser considerados royalties, tendo declarado o questionamento ineficaz nesse ponto. Entretanto, a RFB confirmou que, quando determinado rendimento se qualificar como royalties nos termos do acordo, o beneficiário desse pagamento no Brasil faria jus a um crédito presumido equivalente a 25% do valor bruto do rendimento (e não do valor líquido, descontado o imposto pago no exterior), a ser convertido com base na taxa de câmbio da data do balanço no qual os valores forem contabilizados para fins da incidência do IRPJ e da CSL.
Vale destacar que a conclusão da RFB quanto à base de cálculo do crédito presumido não decorreu de uma análise pormenorizada do artigo 23(2) do Acordo, mas do fato de que não havia qualquer imposto a pagar na Espanha e, portanto, não havia uma diferença prática entre o valor do rendimento bruto e líquido. Diferentemente de outras Convenções assinadas pelo Brasil, o Acordo de Bitributação firmado com a Espanha não define uma fórmula para determinar o crédito presumido, de modo que há amplo espaço para a interpretação das autoridades fiscais.
A Consulta COSIT nº 82/19 é bastante relevante, pois, entre 2014 e 2017, a exportação de serviços de empresas brasileiras para o exterior aumentou em 43% (de aproximadamente R$ 20 bilhões para cerca de R$ 29 bilhões), ao passo que o déficit do balanço de pagamentos de serviços foi reduzido a menos da metade, no mesmo período. Desconsiderados os pagamentos realizados a título de arrendamento de bens e equipamentos, efetuados particularmente pelo setor de petróleo e gás, a atividade de exportação de serviços por empresas brasileiras teve um saldo positivo de quase R$ 3 bilhões em faturamento. Esse saldo decorre tanto do fortalecimento do setor de serviços no Brasil, hoje responsável por mais de 50% do PIB nacional, como do aumento do estoque de investimentos brasileiros no exterior, que saltou de R$ 111 bilhões para R$ 307 bilhões entre 2007 e 2016.
Particularmente na Espanha, o estoque de investimento direito brasileiro aumentou de R$ 4,083 bilhões para R$ 12,536 bilhões (valor cerca de três vezes maior) e o valor dos serviços exportados passou de R$ 169 milhões em 2014 para R$ 323 milhões em 2017, um aumento de 91%. Evidente que o aumento no estoque de capitais brasileiros na Espanha e o resultado das exportações ainda são insuficientes para equilibrar a relação econômica entre os países, porém indicam uma mudança progressiva na composição dos fluxos econômicos de parte a parte[1].
Espera-se que que esse movimento de expansão e internacionalização da economia brasileira continue sendo incentivado por uma política tributária internacional proativa, calcada na expansão de rede de acordos internacionais e um maior respeito às regras acordadas com os países parceiros, conforme se observou na Solução de Consulta COSIT nº 82/19.
[1] Os dados mencionados nesse artigo foram extraídos da base de dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (SISCOSERV), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Central do Brasil (BACEN).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2019, 6h38