Em tempos de ampla crise financeira nacional, dólar e euro operando em alta, real desvalorizado nos mercados internacionais, economia desacelerada, crédito cada vez mais difícil na praça, muitas são as notícias de empresas tradicionais pedindo recuperação judicial país afora.
Sob um olhar restrito ao Estado de Mato Grosso, torna-se ainda mais evidente que o atual cenário econômico desafia os empresários a tomar medidas austeras para cortar gastos, no intuito de acompanhar a diminuição da demanda.
O instituto da recuperação judicial existe justamente para evitar que as empresas sejam obrigadas a fechar as portas quando passam por dificuldades financeiras.
O nome do instituto é didático: “Recuperação”. Ou seja, o Estado dá uma chance ao empresário para colocar sua firma de volta nos trilhos, compor as dívidas com os credores, pagar direitos trabalhistas e retomar o cominho próspero, com especial preocupação para a manutenção da fonte produtora, a preservação da empresa e de sua função social.
Como exercício da atividade econômica, a atividade empresarial e seu desenvolvimento dependem de diversos fatores, endógenos e exógenos, e, como toda atividade econômica, está sujeita a diversos efeitos que podem contribuir para seu crescimento e o exercício normal de suas atividades, mas também a situações adversas que levam a crises econômico-financeira ou até mesmo ao estado de insolvência.
Imagine-se o caos e a instabilidade financeira nacional se fosse decretada falência de todas as empresas endividadas. O desemprego aumentaria exponencialmente, credores teriam mais dificuldades de receber e a produção econômica estagnaria.
Com objetivo de preservar a atividade produtiva, maximizar o ativo sobre o qual incidem as pretensões dos credores e prevenir a falência, a lei oferece duas alternativas: a recuperação judicial e a extrajudicial.
Este recente instituto sofreu duras críticas quando surgiu no direito brasileiro. Era discriminado, tratado como se fosse uma forma legalizada de dar calote na praça.
Entretanto, a evolução social e jurisprudencial demonstrou que a recuperação judicial é essencial para a manutenção da força econômica nacional, e sua função social é evidente.
Essas duas modalidades de recuperação não têm como finalidade a dilação das dívidas, mas solucionar as causas que levaram a crise econômico-financeira da empresa, resolvendo de maneira satisfatória seus débitos e evitando assim uma eventual liquidação.
A Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresa) delineia o exato sentido do instituto em comento:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A manutenção da empresa significa a manutenção da sua função social. O empresário, este agente social, é responsável por contribuir não apenas para seus interesses e dos seus sócios, mas também para os interesses dos trabalhadores, responsáveis diretos pelo funcionamento da empresa, além de uma vasta gama de interesses da sociedade em que ele atua.
A atividade empresarial é responsável pela geração de empregos, pelo recolhimento de tributos (sustento da economia) e, ainda, movimenta a economia (compra e venda de bens e prestação de serviço). Assim, a função social é alcançada quando, além de cumprir esses objetivos, a empresa observa outros princípios plasmados na Constituição Federal, como a livre iniciativa, pleno emprego, redução das desigualdades sociais, valores ambientais, dignidade da pessoa humana, entre outros.
A recuperação judicial tem com finalidade identificar o motivo que vem levando à dificuldade econômica da atividade empresarial. Como mencionado acima, a sua maior virtude é preservar a unidade produtora, conservando empregos, gerando tributos e riquezas.
O autor da ação de recuperação judicial postula ao Poder Judiciário o deferimento de uma pretensão, que é a de pôr em prática um plano de reorganização da empresa, ou seja, um plano de recuperação judicial. Mas não se engane, a recuperação judicial não tem caráter de ressurreição, mas sim preventivo, devendo ser concedido somente às empresas viáveis, sendo a falência a solução jurídica aplicável às empresas inviáveis.
É claro que não será toda e qualquer empresa com direito a pedir recuperação judicial, o art. 48 da LRE traz diversos pressupostos a serem cumpridos.
São vários os benefícios concedidos ao recuperando, como parcelamento de débitos tributários, suspensão das ações e execuções judiciais contra a empresa, novação dos créditos anteriores ao pedido, entre outros.
Alguns desavisados afirmam que a recuperação judicial é “um mal necessário”. Com todo respeito, devo discordar, pois, este instituto é essencial à manutenção da saúde econômico-financeira do país, e evita maior estagnação social.
Portanto, após dez anos de sua promulgação, podemos dizer que a Lei nº 11.101/05 vem atingindo seus objetivos, como forma de manutenção das fontes produtoras e, consequentemente, de sua função social.
Apesar de devermos aplaudir diversos de seus aspectos, a referida lei ainda comporta muitas discussões e pontos a serem melhorados, como por exemplo, a questão da não suspensão das execuções fiscais, como todas as outras, o que, muitas vezes é determinante para o fracasso na reestruturação da empresa.
Contudo, o balanço é positivo, pois, como apontam dados do Serasa Experian, o número de falências decretadas desde a promulgação da LRE vem caindo, gerando impacto positivo na economia, evitando o aumento no índice de desemprego e preservando as unidades produtoras.
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