Na comercialização de produtos submetidos à sistemática do ICMS na modalidade substituição tributária (“ICMS-ST”), muitas vezes há diferenças entre a base presumida utilizada para calcular o ICMS recolhido nessa sistemática e o preço efetivamente praticado na operação, gerando, assim, distorções na apuração do imposto recolhido pelo contribuinte substituído.
Essas diferenças de base de cálculo geralmente ocorrem quando a Margem de Valor Agregado (“MVA”), instituída pelos Estados para cálculo do imposto, ou o preço final a consumidor final definido por Autoridades Competente (“pauta fiscal”), não refletem a realidade da operação praticada, sobretudo em razão da grande competitividade existente no mercado entre comerciantes, que sempre buscam praticar melhores preços aos seus consumidores (na medida do possível, mais baixos que os de seus concorrentes).
Considerando que o artigo 150, §7º1, da CF/88 apenas expressamente permitia a restituição de ICMS-ST na hipótese de não ocorrência do fato gerador presumido, muitos contribuintes substituídos buscaram o Poder Judiciário para que fosse reconhecido seu direito de também se ressarcir do ICMS ST quando comprovada a diferença entre a base de cálculo presumida e a base de cálculo efetivamente praticada.
Em fevereiro de 2018, transitou em julgado o entendimento do Supremo Tribunal Federal (“STF”) que, em repercussão geral, reconheceu o direito do contribuinte substituído se ressarcir, inclusive via lançamento em escrita fiscal, do valor do ICMS-ST recolhido a maior caso comprovada que “a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida (RE 593.849/MG). Vale notar que as Ações Diretas de Inconstitucionalidades (“ADI”) nºs 2675 e 2777, ajuizadas contra legislações que permitiam o ressarcimento inclusive na hipótese de MVA, foram julgadas improcedentes.
Em que pese o claro posicionamento do Tribunal Superior a favor dos contribuintes, em fevereiro de 2018, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (“PGE”) emitiu o Parecer PAT 3/2018 analisando a extensão deste julgamento do STF, em especial da ADI 2777 que tratava especialmente de dispositivos da legislação paulista. Para nossa surpresa, o parecer concluiu que o direito à restituição do ICMS-ST pago a maior pelos contribuintes é restrito aos casos em que o preço final a consumidor tenha sido autorizado ou fixado por autoridade competente (hipótese de “pauta fiscal”).
Em outras palavras, embora o STF tenha se debruçado sob a questão independente da forma de cálculo da base presumida (seja pauta fiscal ou MVA), de forma arbitrária e contrária à ordem judicial, a PGE entendeu não ser possível a restituição para as demais hipóteses em que ocorra divergência de base de cálculo, tal como quando o preço final é definido pela Margem de Valor Agregado. E não é só, o parecer também determinou que qualquer pedido de restituição seja considerado inapto e diretamente indeferido. Seguindo sua orientação, em maio de 2018, foi publicado o Comunicado CAT nº 6/2018, expedido pela Coordenadoria da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
O entendimento restritivo da PGE utiliza como argumento o fato de que o STF não teria analisado a legislação paulista hoje em vigor, mas sim o artigo 66-B da Lei do ICMS antes da sua alteração (inclusão do seu §3º2, que exatamente limita a restituição do ICMS-ST à hipótese de “pauta fiscal”).
No entanto, independentemente do resultado da ADI 2777, o fato é que a tese fixada pelo STF em repercussão geral é no seguinte sentido: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
Em outras palavras, não há qualquer limitação na tese fixada pelo STF quanto à legislação analisada e suas hipóteses, sendo dever do Fisco Estadual devolver o ICMS nas hipóteses em que a base de cálculo efetiva for inferior do que a presumida. Por esse motivo, o posicionamento do Estado de São Paulo é ilegal e desrespeita precedente fixado em sede de repercussão geral pelo STF, violando a força do trânsito em julgado de leading cases e também o princípio da segurança jurídica.
É importante destacar que o tese definida pelo STF é muito objetiva, exatamente para definir, de uma vez por todas, a questão em debate, sendo, portanto, irrelevante o fato de não ter sido expressamente abordada qualquer legislação estadual que vá em sentido contrário ao definido pela Corte Constitucional, tal como o artigo 66-B da legislação paulista. Ora, a exigência de análise individual de normas estaduais – como pretende o Parecer PAT 3/2018 – violaria o princípio da economia processual, tendo em vista a quantidade de normativos existentes e a desnecessidade de seu exame, na medida em que a Corte já fixou seu entendimento sobre a matéria.
A despeito desse entendimento, ocorre que, atualmente, qualquer contribuinte paulista que pleitear a restituição de ICMS-ST que não se enquadre na hipótese de “pauta fiscal” terá seu pedido rejeitado pelo Estado de São Paulo independente do entendimento favorável da Corte Superior. E mais, caso o contribuinte paulista exerça o direito garantido pelo STF, com a escriturações de valores relacionados à recuperação de ICMS-ST pago a maior, certamente, será punido com a lavratura de Auto de Infração e a aplicação de multa. Tais medidas claramente representam enriquecimento ilícito do Poder Público.
Assim, até que haja expressa revogação ou declaração da ilegalidade do Comunicado CAT nº 6/2018, os contribuintes paulistas que desejem restituir-se do ICMS-ST em hipóteses envolvendo MVA deverão “judicializar” novamente a discussão e garantir, com boas chances de êxito, seu direito aos valores recolhimentos a maior do imposto, tendo em vista a posição já consolidada pelo STF. Ou seja, o procedimento do fisco paulista, além de contradizer aquilo que restou definido pelo STF, contribui com a insegurança jurídica e só faz aumentar o acúmulo de processos em nossos tribunais.
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1 Art. 150 (…). § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
2 Artigo 66-B – Fica assegurada a restituição do imposto pago antecipadamente em razão da substituição tributária:
II – caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior a presumida.
§ 3º – O disposto no inciso II do “caput” deste artigo aplica-se apenas na hipótese de a base de cálculo do imposto devido por substituição tributária ter sido fixada nos termos do “caput” do artigo 28.
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FERNANDA RAMOS PAZELLO – consultora do escritório Pinheiro Neto Advogados
PEDRO COLAROSSI JACOB – associado do escritório Pinheiro Neto Advogados
MARIANA MONFRINATTI AFFONSO DE ANDRÉ – Associada de Pinheiro Neto Advogados
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