A complexidade do sistema tributário nacional, o descumprimento de regras de isenção fiscal e a cobrança, muitas vezes, de impostos de maneira discutível de acordo com interpretações de especialistas levaram a uma maior judicialização das discussões tributárias. Empresários têm recorrido à Justiça para reaver valores pagos, especialmente nos últimos cinco anos, e extinguir cobranças futuras.
O líder da área de reestruturação financeira da empresa de auditoria KPMG, Francisco Clemente, explica que os efeitos da crise – alta da inflação, queda na demanda e alto custo de capital – tem levado empresas de todo o País a avaliarem suas contas e buscarem renegociação. “É muito comum ter passivo com bancos, com fornecedores e com o próprio Fisco. A renegociação com bancos e fornecedores é mais direta do que com o Fisco. No caso dos impostos, apesar de existir um artifício na lei para fazer a renegociação de imposto, a estrutura é muito engessada. Você não consegue alongar a dívida tributária tanto quanto qualquer outra”, salienta Clemente.
Para o sócio-fundador do Lacerda&Lacerda Advogados Associados Nelson Lacerda, a lógica de se recorrer às cortes para garantia de direitos tem um componente novo. “A via judicial se transformou numa espécie de trincheira. A última linha de resistência para manter sonhos empresariais vivos. O discernimento do juiz vem se transformando no instrumento para que negócios e sua capacidade de geração de riqueza, especialmente empregos, se mantenham de pé”, analisou o tributarista.
Apenas na KPMG, o número de empresas que procuram auxílio da área pela qual Clemente é responsável triplicou nos últimos três anos. “A procura é tão grande que temos, inclusive, chamado colegas de outros setores para trabalhar com a gente. Os casos são tão diversos e envolvendo tantos assuntos que se tornou importante ser multidisciplinar”, revela.
O escritório Lacerda&Lacerda, com operações em seis das maiores cidades do País, realizou análise sobre os instrumentos legais mais frequentemente utilizados para tentar resolver as disputas tributárias das empresas que representa, a partir das cidades de São Paulo, Ribeirão Preto, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e Aracaju. Nos últimos dois anos, ingressou com 852 de medidas judiciais exclusivamente relacionadas a temas tributários.
O primeiro grupo de medidas está no que eles internamente identificam como conjunto de medidas judiciais legais e éticas contra a crise econômica. Detalhe, estas medidas começaram a ser compiladas a partir de 2008, período em que se começou a sentir os efeitos da denominada crise da bolha imobiliária norte-americana. Tais recursos jurídicos estão ajudando a manter as empresas e empregos, diz Lacerda. E elas têm o propósito de reduzir preços dos produtos, para manter empregos e competitividade, retirando do custo impostos e bancos, principais e maiores dívidas das empresas.
Estas medidas são ações de revisão de juros abusivos cobrados quando de passivos do ICMS. Este recurso – o mais utilizado nestes últimos dois anos – suspende as dívidas, inclusão do nome nas empresas indicadoras de restrição de crédito, protesto etc., em liminar judicial. Desde 2009 – relata Lacerda – até hoje, o fisco cobra juros acima da Selic, o que é inconstitucional. Com laudo de quanto acrescentou a cada Certidão de Dívida Ativa (CDA), pago, parcelado ou devido, suspende-se até o pagamento do mês, e ganha-se longo tempo sem pagar, até que aconteça o recálculo e a devolução da grande “poupança” que a empresa “acumulou” na Fazenda. Imagine que, em 2009, os juros eram de 48% ao ano, e, a Selic, 7,25% ao ano. Matéria pacificada e milhares de julgados iguais e que suspendem as dívidas.
A segunda mais utilizada é o pagamento (compensação) de ICMS do mês com precatórios vencidos e não pagos pelo Estado, comprados com deságio de 50% por próprios servidores públicos que são caloteados eternamente, segundo diz Lacerda. “A uniformização da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 152 do Senado, em abril de 2015, suspende a exigibilidade do débito desde a origem, sem protestos e vai à compensação. Matéria de Direito Constitucional e em repercussão geral”, enfatiza.
Opções também incluem débitos e créditos do ICMS
Outra medida bastante utilizada para diminuir os débitos tributários é o pagamento de ICMS por meio de garantia a execuções com precatórios, com custo de 50% e correção maior que a dívida, quitando ao final. Por tratar-se de uma operação que compreende débito e crédito da Fazenda, tornou-se a medida menos onerosa para o credor, orienta o sócio-fundador do Lacerda&Lacerda Advogados Associados Nelson Lacerda. Em meados do ano passado, ganhou impulso a busca pelo extermínio do ICMS cobrado sobre energia contratada e não utilizada. Lacerda explica que “as empresas pagam por energia contratada, e o ICMS cobrado nas faturas mensais também é igualmente cobrado. Mas, pela lei, o ICMS só pode ser cobrado pela energia utilizada. Entretanto, o que se vê é todas as empresas pagarem a maior alíquota. Frente ao fato, a empresa pode suspender esta cobrança por via judicial e buscar de volta a ‘poupança’ dos últimos cinco anos. Este assunto também já está pacificado nas súmulas dos tribunais, mas poucos têm prestado atenção”.
Depois vem a exclusão do PIS/Cofins da base de cálculo do ICMS, matéria com repercussão ainda não julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e na qual se pode obter de volta até cinco anos pagos indevidamente. A próxima é a suspensão de pagamentos de INSS das verbas indenizatórias da
folha de pagamento e restituição destas verbas patronais pagas nos últimos cinco anos, matéria firmada nos Tribunais Superiores e em já repercussão geral. Segundo Lacerda, são consideradas verbas indenizatórias, que não deviam ser tributadas, a distribuição de lucros, férias, adicional de horas-extras, aviso prévio indenizado, os 15 primeiros dias de afastamento por motivo de doença ou acidente, adicional de 1/3 de férias, entre outros. “Tudo que não seja pagamento de salário por trabalho realizado.”
Outras medidas com destaque foram a repactuação fiscal dentro da capacidade econômica da empresa, instrumento jurídico que livra a empresa de aderir ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis) e, em fato, discutir por via judicial um acordo para pagar um pouco das dívidas e continuar a produzir. Quando a empresa está dentro do Refis Federal, discutir formas de recuperação e redução cobradas a mais nas taxas de juros, ter redução das multas e, até, a saída do parcelamento.
Crise no mercado imobiliário é a menos aparente, mas uma das mais preocupantes
Uma série de situações do mercado imobiliário também têm chamado a atenção. Para o advogado Nelson Lacerda, com a ocultação da crise na forma de programa de governo, se criou um boom imobiliário em que se colocou em risco toda a poupança e sonhos das pessoas. Para desfazer os problemas sociais decorrentes desta estratégia, têm sido adotadas medidas judicias para proteger o consumidor, diz.
Distrato de compra de imóvel com devolução de 90% do valor pago, corrigido e de uma só vez é o primeiro da lista. “Este é um direito do consumidor, mesmo constando de uma forma diferente em contrato. Entretanto, as construtoras, também em crise, se negam e querem devolver muito menos ou protelar até que haja inadimplência, situação onde quem perde é o comprador.” Por isso, ele entende que é melhor devolver e adiar o sonho do que perder tudo.
Mas os problemas neste segmento vão além. Tem o atraso de entrega ou paralisação da obra. O adquirente precisa estar atento para agir rapidamente e diminuir as perdas que pode estar sofrendo. Há ainda a devolução de taxa do Serviço de Assessoria Técnico Jurídico Imobiliário (Sati) e corretagem na compra de imóvel, totalmente irregulares, bem como os financiamentos com abusos como a capitalização de juros sobre juros, proibidos em julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por fim, a constatação de defeitos e imperícias em imóvel, como a alteração da metragem do imóvel, mudando-se os padrões contratados.
Companhias devem ficar atentas ao tipo de endividamento
A avaliação do tipo de endividamento e a melhor forma de solucioná-lo efetivamente são momentos cruciais para as organizações. O primeiro passo, conta o sócio da área de reestruturação financeira da KPMG, Francisco Clemente, é fazer um diagnóstico da situação.
Uma vez que fique tudo muito claro do ponto de vista do fluxo de caixa e balanço patrimonial, é momento de comunicar as partes interessadas sobre a situação real – “desde funcionários e sindicatos até fornecedores e investidores”. “Todos sabendo, você parte para uma negociação – alongamento da dívida, redução de custos”, determina Clemente.
A área de consultoria do escritório Lacerda & Lacerda registrou aumento considerável na busca por revisão dos contratos de empréstimos bancários. “Todo o País está endividado nos bancos, único setor que vem aumentando seus lucros mesmo na crise, e está cada dia emprestando menos. Agora, só cobram o que lhes devem e tomam bens. O que muitos ignoram é que, em muitas situações, cobra-se muito mais do que o permitido em lei. Por meio de laudos periciais nos contratos e extratos, temos conseguido reverter estas situações”, garante Nelson Lacerda.
É ainda necessário obter liminar de proteção contra as empresas de restrição de crédito e execuções. A demonstração de que uma empresa foi expropriada em taxas e juros não contratados e proibidos, mesmo sendo os juros de mercado, abre a possibilidade de suspender os pagamentos por via judicial, porque abusaram, simplesmente.
A recuperação judicial, explica Lacerda, é uma medida extrema e pouco aconselhável, aplicável somente em pouquíssimos casos. O procedimento é caro, demorado e com chance pequena de sucesso, menos de 1% das empresas sobrevivem após entrar neste procedimento.
Além disso, lembra Clemente, a recuperação judicial não contempla os débitos fiscais. “A recuperação prevê que você negocie em quatro classes: dos credores trabalhistas, dos credores com garantia real, dos credores sem garantia real e classe dos credores de pequenas e médias empresas. Em nenhuma existe a questão do Fisco”, diz.
Fonte: Rede Jornal Contábil