Nesta quarta-feira, 5, a Corte Especial do STJ decidiu ampliar a interpretação do art. 1.015 do CPC/15 para admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que trate sobre hipóteses que não estejam expressamente previstas.
De acordo com a decisão, é possível a interposição quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
O resultado do julgamento se deu por maioria apertada de votos (7 x 5), em dois recursos repetitivos. Prevaleceu a posição da relatora, ministra Nancy Andrighi, que propôs a seguinte tese:
“O rol do artigo 1.015 do CPC/15 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação
O caso começou a ser julgado em 1º de agosto, ocasião na qual a ministra Nancy Andrighi assentou a mitigação da taxatividade do rol de hipóteses previstas no dispositivo do novel compêndio.
A relatora propôs ainda modulação no sentido de que a tese somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acordão. Ao fim da análise, quando questionada sobre como ficaria a modulaçao, a ministra Laurita Vaz, que presidia o julgamento, afirmou que questão ficaria decidida nos ermos do voto da relatora. O acórdão deve ser publicado nos próximos 10 dias.
Taxatividade mitigada
O artigo 1.015 dispõe que o agravo de instrumento seria cabível contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: tutelas provisórias; mérito do processo; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte; rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; e outros casos expressamente referidos em lei. Agora, a Corte Especial definiu que esse rol tem taxatividade mitigada.
A ministra Nancy destacou que se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência uma “séria e indissolúvel” controvérsia acerca da possibilidade de se recorrer desde logo de decisões interlocutórias não previstas no art. 1.015. Para ela, é tarefa da Corte conferir ao artigo 1.015 a interpretação que melhor se coaduna com a sua razão de existir e as normais fundamentais do CPC, considerando-se a consciente escolha político-legislativa de restrição do uso do agravo.
Nancy citou o caso, por exemplo, de uma decisão que nega o pretendido segredo de justiça requerido pela parte. “Se por ventura o requerimento do segredo for indeferido, ter-se-ia pela letra do artigo uma decisão irrecorrível que somente seria contestada em preliminar de apelação, quando seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade.”
Para ela, sob a óptica da utilidade do julgamento “revela-se inconcebível que apenas algumas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador serão objeto de imediato enfrentamento.”
Conforme a ministra, se o pronunciamento jurisdicional se exaurir de plano, gerando situação jurídica de impossível ou difícil restabelecimento futuro, é imprescindível o reexame imediato. A relatora citou ainda a situação relativa à competência, na medida em que não seria crível nem razoável que o processo transite por juízo incompetente por longo período para só na apelação ser reconhecida a incompetência.
O entendimento da ministra afasta a taxatividade da interpretação restritiva do rol, a interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas e também a de que o rol do artigo é meramente exemplificativo.
“A partir de requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso da apelação – possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do 1.015, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica, porque como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações.”
De acordo com a ministra Nancy, é o caso de se interpretar o dispositivo em conformidade com a vontade do legislador e que é subjacente à norma jurídica, qual seja, o recurso de agravo é sempre cabível para "situações que realmente não podem aguardar rediscussão futura em eventual apelação" – dito pelo senador Vital do Rego na tramitação do CPC.
“Trata-se de reconhecer que o rol do 1.015 possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.”
Ao tratar da questão da preclusão, a ministra sustentou, que se admitida a possibilidade de se impugnar decisões interlocutórias não previstas no 1.015 em caráter excepcional, tendo como requisito objetivo a urgência, não haverá que se falar em preclusão de qualquer espécie.
Acompanharam o entendimento da relatora os ministros Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Napoleão Nunes Maia Filho e Felix Fischer, em sessão do dia 3/10, e os ministros Benedito Gonçalves e Raul Araújo nesta quarta-feira, 5.
Divergência
A ministra Maria Thereza de Assis Moura inaugurou a divergência na sessão do dia 19/8. Para ela, embora se possa questionar a opção do legislador, da letra da lei se depreende a taxatividade do rol descrito.
Sobre a tese da relatora, a ministra Maria Thereza argumentou pela possibilidade de insegurança jurídica quanto ao instituto da preclusão. "A tese trará mais problemas que soluções, porque certamente surgirão incontáveis controvérsias sobre a interpretação dada no caso concreto. Como se fará a análise da urgência? Caberá a cada julgador fixar de modo subjetivo o que será urgência no caso concreto?"
A ministra argumentou que a tese da taxatividade mitigada “poderá causar efeito perverso”, fazendo com que os advogados tenham que interpor sempre agravo de instrumento contra todas as interlocutórias, agora sim sob pena de preclusão.
Apresentando voto-vista na sessão de outubro, o ministro João Otávio de Noronha acompanhou a divergência. Ele destacou que por mais críticas que o dispositivo possa receber, a conclusão mais razoável é de que a intenção do legislador foi de restringir as hipóteses de forma taxativa. “Somente a lei pode criar recurso.”
Para ele, “não é dado ao intérprete rediscutir os critérios de cabimento do recurso se o legislador pretendeu restringir” e, segundo o ministro, a “aqui a intenção foi nítida de restringir”.
No mesmo sentido votou o ministro Humberto Martins, “o rol do artigo. 1.015 é taxativo e apenas as decisões interlocutórias, no sentido de que possam ser impugnadas por agravo de instrumento, tem que obedecer aquelas enumeradas no art. 1015.”
Nesta quarta-feira, o ministro Og Fernandes trouxe voto-vista acompanhando a divergência. Assim também votou o ministro Mauro Campbell.
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