O número de recuperações judiciais bate seguidos recordes: de acordo com a Serasa Experian, só no ano passado, foram registrados 1.863 requerimentos, maior volume desde 2006, após a entrada em vigor da Nova Lei de Falências. Os pedidos de recuperação judicial em 2016 também foram 44,8% maior do que em 2015, quando foram registradas 1.287 ocorrências.
A maioria das empresas atribui a opção por esse instrumento a fatores externos. Mas o empresário precisa estar atento também a fatores internos da companhia para prevenir problemas que resultem em recuperação judicial ou falência. Essa é a opinião do economista Fábio Austrauskas, CEO da Siegen, que acredita ser fundamental a identificação desses problemas: “Os fatores podem ser fortuitos, como crises globais e catástrofes naturais, por exemplo, mas também podem ter origem operacional (produção e vendas) e gerencial (administração e gestão)”.
Em entrevista ao Portal Dedução, ele comenta que dentro de cada um desses fatores, existe um estágio progressivo de dificuldade, que apresenta sinais claros de que algo não vai bem. Esses estágios são: precoce, intermediário e agudo.
É possível identificar sinais de crise em uma empresa?
Sim. Raramente as crises decorrem de fatores externos imprevisíveis, como catástrofes naturais ou acidentes. Em geral, as crises são precedidas de estágios progressivos de dificuldades que se agravam por decisões estratégicas incorretas e/ou pela falha na implementação das estratégias.
Na prática, os profissionais da Contabilidade podem ajudar o empresário a identificar os sinais de crise?
Certamente que sim. A Contabilidade pode e deve fornecer um elenco de indicadores de desempenho, que ao serem analisados evolutivamente irão sinalizar uma possível crise econômico-financeira. Mas é importante observar que, em boa parte das empresas que caminham para uma crise, a contabilidade é relegada a um segundo plano. Isto pode ser facilmente identificável quando se coloca a pergunta: a contabilidade está rigorosamente em dia? Se houver atraso no fechamento, na entrega dos documentos contábeis ou nos relatórios, certamente a empresa é candidata a uma crise no futuro.
Quais são os sinais claros de que uma empresa está em crise?
Os sinais mais claros, infelizmente, são reflexos de carências e dificuldades não tratadas em estágios anteriores à crise. Os sinais reflexos mais comuns são: perda do capital circulante (capital de giro), ou seja, o passivo circulante cresce mais rapidamente do que o ativo circulante; e projeções de fluxo de caixa negativas – recebimentos menores do que os desembolsos. Note que neste caso, mesmo com Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization – Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) positivo, a empresa caminha para crise, pois não terá recursos para honrar todos os desembolsos e terá que recorrer a empréstimos e/ou atrasar pagamentos.
A crise, dentro de uma empresa, pode estar associada à Contabilidade?
Uma vez que a Contabilidade é responsável por fornecer informações para tomada de decisão, caso as informações prestadas sejam incompletas, falsas ou defasadas, o processo decisório será falho e o caminho escolhido pela empresa provavelmente será errado. Portanto, a Contabilidade também poderá ser responsável pela crise.
De que forma as empresas devem encarar os momentos de crise internas, que sempre existiram e sempre vão existir?
A empresa deve encarar as crises como a filosofia oriental nos ensina: crises geram oportunidades. Assim, a empresa deve identificar os sinais de crise, suas causas e seus reflexos o quanto antes. E a partir daí tomar as ações necessárias para mitigar os efeitos e criar os procedimentos e controles para evitar que os sinais retornem.
Qual é a principal e a primeira medida a ser tomada para a empresa não entrar em crise junto com o mercado?
Crises conjunturais muitas vezes afetam o mercado como um todo. Será ineficaz buscar medidas contra isso. Mais uma vez, deve-se usar a sabedoria popular: você deve correr mais que o concorrente. Se a empresa tiver os dados contábeis atualizados e corretos, provavelmente irá perceber a crise com maior antecedência, irá aproveitar a fraqueza da concorrência e minimizar os efeitos da crise.
Em sua opinião, no ramo contábil, é preciso ter uma estratégia de desenvolvimento de novos serviços e exploração de novos mercados, uma espécie de departamento de investimentos no futuro?
A Contabilidade pode associar dados internos da empresa com dados de outras empresas do setor e, a partir daí, inferir simulações de resultados futuros, caso a empresa adote parâmetros de preços, custos, despesas e investimentos compatíveis com as observações dos dados dos concorrentes. Isto poderia dar uma ideia ao empresário de quais são as melhores estratégias de negócios e quais ações ele deveria tomar para melhorar sua empresa.
Antigamente uma empresa começava com o avô e aquilo ia, da mesma forma, até os netos, bisnetos… Hoje isso é impossível?
É mais difícil, uma vez que a mobilidade tecnológica é mais rápida. Isto altera os chamados fatores de produção que produzem as alterações de equilíbrio de longo prazo. Em outras palavras, atualmente as empresas mudam em 10 anos mais do que mudavam em 50 anos no início do século XX. Assim, a sucessão familiar poderá deixar para a próxima geração um negócio obsoleto antes ela chegue ao poder. Obsolescência em termos de tecnologia, mercado, administração, relações trabalhistas ou estrutura de capital. Tudo isso deve ser percebido e tratado de forma constante para evitar que a geração seguinte assuma um modelo de negócio ultrapassado.
Podemos dizer que boa parte do fracasso das empresas está na inércia e no destrutivo sentimento de autopiedade de alguns empreendedores que colocam a culpa nos elementos externos ao invés de sair em busca de novas ideias e oportunidades?
É verdade que as maiores causas de fracasso estão relacionadas à incapacidade do empreendedor em perceber as adaptações necessárias para fazer seu negócio se sustentar. Em geral, o empreendedor busca a manutenção ou crescimento do negócio, sem se preocupar com os fatores externos. Este pensamento leva o empreendedor a culpar os fatores externos pelo seu fracasso. Porém, os fatores externos são variáveis incontroláveis por definição. Existem para todos os empresários: crises, câmbio, juros, tributos etc. Obviamente faltou ao empreendedor fazer a análise básica de como as variáveis interferem no seu negócio, gerando ameaças ou oportunidades.
Mesmo com a crise, algumas empresas demonstram crescimento. A que fatores se devem esses resultados positivos?
Em primeiro lugar, a reação de uma empresa à crise dependerá da estratégia adotada. Em segundo lugar, da capacidade da empresa em antever os sinais conjunturais econômicos ou de mercado que afetam o seu negócio. E em terceiro lugar, da capacidade de reagir diante da mudança do cenário conjuntural. Se uma das três coisas falhar, a empresa sofrerá mais.
O aspecto psicológico dos colaboradores deve ser trabalhado para incentivar a equipe?
Claro! Equipes motivadas e alinhadas em torno de um mesmo objetivo produzem resultados melhores do que equipes desorganizadas e reativas.
Fonte: Portal Dedução