De início é importante ressaltar que energia elétrica, para fins de tributação pelo ICMS, é tida como mercadoria, e por consequência pode-se dizer que a energia elétrica é um bem móvel dotado de valor econômico e a circulação deste bem é que enseja a cobrança do citado tributo estadual.
No termos da Lei Complementar 87, de 1996, a hipótese de incidência tributária na circulação da mercadoria energia elétrica é o consumo deste bem pelo consumidor final (sujeito passivo), sendo responsável pelo recolhimento do tributo, por substituição tributária, as empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica.
Assim, ocorre o fato gerador do ICMS no momento em que o consumidor final “liga o interruptor”, consumindo efetivamente esta energia elétrica.
E nos termos do inc. II do art. 9º da Lei Kandir (o qual se baseia no disposto no ADCT, art. 34, §9º, é importante ressaltar), o tributo deve ser calculado considerando “o preço praticado na operação final” e é neste ponto que o objeto deste artigo ganha forma.
Isso porque, por determinação legal, a base de cálculo do ICMS nas operações com energia elétrica deve ser o preço cobrado do consumidor final por esta mercadoria, ou seja, a tarifa da energia elétrica (TE), mas na prática não é o que ocorre.
Pelo consumo de energia elétrica é cobrado do consumidor final a tarifa de energia elétrica (TE) correspondente à quantidade de energia elétrica consumida em determinado período, e também uma taxa pela utilização das redes de transmissão ou distribuição desta energia elétrica, taxas estas denominadas TUSD (Taxa de Utilização de Sistema de Distribuição) pagas pelo consumidor vinculado a uma concessionária de distribuição, como a COPEL, Eletropaulo ou Light, por exemplo, e TUST (Taxa de Utilização de Sistema de Transmissão), pagas pelo consumidor vinculado a uma concessionária de transmissão, como Furnas ou Eletronorte.
Verifica-se que se trata de duas exigências derivadas de duas situações diversas: uma, a TE, está vinculada à energia elétrica efetivamente consumida e a outra, a TUSD ou TUST está vinculada ao uso das linhas de distribuição ou transmissão desta energia elétrica – uma está relacionada ao consumo de uma mercadoria, a outra, pode-se dizer, é uma remuneração por um serviço prestado – manutenção e disponibilização de redes para distribuição de energia elétrica.
A Resolução Normativa ANEEL nº 166, de 2005 traz o conceito e a maneira que se dá a formação de preço tanto da tarifa de energia elétrica (TE) quanto das Taxas de Uso do Sistema de Distribuição ou Transmissão (TUSD/TUST), demonstrando de forma bastante clara que se tratam de exigências diversas que incidem sobre operações diversas.
Veja-se o que dispõe o art. 2º da citada Resolução:
Art. 2º Para os fins e efeitos desta Resolução são adotados os seguintes termos e respectivos conceitos:
I – TE: tarifa de energia elétrica calculada pela ANEEL, aplicável no faturamento mensal referente a:
a) contrato de compra de energia celebrado entre consumidor do Grupo “A” e concessionária ou permissionária de serviço público de distribuição;
b) parcela correspondente a energia elétrica da tarifa de fornecimento dos consumidores do Grupo “B”; e
c) suprimento a concessionária ou permissionária de distribuição com mercado inferior a 500 GWh/ano; e
II – TUSD: tarifa de uso dos sistemas de distribuição de energia elétrica, formada por componentes específicos;
(…)
IV – TUST: tarifa de uso dos sistemas de transmissão de energia elétrica, na forma TUSTRB, relativa ao uso de instalações da Rede Básica, e TUSTFR, referente ao uso de instalações de fronteira com a Rede Básica;
V – Componentes da TUSD: valores que formam a tarifa de uso dos sistemas de distribuição, relativos a:
a) serviço de transmissão de energia elétrica, na forma da TUSD – Fio A;
b) serviço de distribuição de energia elétrica, na forma da TUSD – Fio B;
c) encargos do próprio sistema de distribuição, na forma da TUSD – Encargos do Serviço de Distribuição;
d) perdas elétricas técnicas e não técnicas, respectivamente, na forma TUSD – Perdas Técnicas e TUSD – Perdas Não Técnicas;
e) Conta de Consumo de Combustíveis – CCC, na forma TUSD – CCCS/ SE /CO , TUSD – CCCN/ NE e TUSD – CCC isolados , conforme o caso;
f) Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, nas formas TUSD – CDES/ SE /CO e TUSD – CDEN/ NE , conforme o caso; e
g) Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA;
Verifica-se que a TUSD e a TUST, a grosso modo, se caracterizam como sendo a remuneração paga pelo uso da estrutura necessária para que a mercadoria energia elétrica chegue até seu destino – o consumidor remunera o serviço de transmissão/envio da mercadoria que deseja adquirir, que no caso é a energia elétrica, mas este serviço não se confunde com o bem a ser adquirido.
Pois bem!
Como visto anteriormente o ICMS incide sobre a energia elétrica vendida e deve ser calculado sobre o preço cobrado por este produto, ou seja, o ICMS deve incidir exclusivamente sobre o valor da tarifa da energia elétrica, pois este é o preço final cobrado pela mercadoria adquirida, entendimento este que inclusive foi sumulado pelo STJ (Súmula 391).
Porém, o que se verifica é que se está exigindo o ICMS também sobre o valor cobrado a título de TUSD e TUST, valores estes que não estão relacionados à energia elétrica, mas sim relacionados à prestação do serviço de transmissão, é a remuneração paga pelo uso de toda a estrutura de transmissão, e esta operação não caracteriza hipótese de incidência deste tributo estadual.
Está-se, com esta prática, extrapolando os limites definidos pela legislação para a exigência do ICMS nas operações com energia elétrica, restando incluso em sua base de cálculo valores que decorrem de relações jurídicas diversas daquelas previstas para a incidência deste tributo, ferindo-se a regra-matriz do mesmo, o que não pode ser admitido em virtude de gritante ilegalidade.
Resta claro, portanto, que o ICMS deve incidir exclusivamente sobre a tarifa de energia elétrica, sendo indevida a inclusão de qualquer outra taxa em sua base de cálculo.
Por Milene Amoriello Spolador
Fonte: tributario.com.br