A compensação de ICMS, ISS, IPTU e outros tributos com precatórios estaduais e municipais, respectivamente, voltou a ser expressamente autorizada pela Constituição Federal. Desde 15 de Dezembro de 2016 é o que determina a nova redação ao artigo 105, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), conforme a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional (EC) 94/16:
"Art. 105. Enquanto viger o regime de pagamento de precatórios previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é facultada aos credores de precatórios, próprios ou de terceiros, a compensação com débitos de natureza tributária ou de outra natureza que até 25 de março de 2015 tenham sido inscritos na dívida ativa dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observados os requisitos definidos em lei própria do ente federado." (destaque nosso)
Como se lê acima, não há dúvidas de que a Constituição Federal voltou a autorizar expressamente que os credores realizem o encontro de contas entre os valores devidos a título de tributos e os valores que lhe são devidos pelos entes públicos.
É o que podemos chamar de “reavivamento” do artigo 78, parágrafo 2o, do ADCT, que autorizava expressamente a compensação de precatórios não alimentícios, vencidos e não pagos, cujo regime de pagamento, instituído pela EC 30/00, encontrava-se suspenso desde a edição da EC 62/09.
A respeito da nova redação constitucional e seus efeitos jurídicos, três pontos merecem destaque: (i) a auto aplicabilidade ou não das normas constitucionais, ou, ainda, o cabimento de Mandado de Injunção, remédio constitucional por meio do qual se reclama a produção de norma jurídica que deveria ter sido editada; (ii) diferentemente da EC 62/09, a EC 94/16 restringe a compensação tributária, que, a princípio, somente poderá ocorrer para quitação de débitos fiscais inscritos até 25/03/2015; e (iii) a EC 92/16 inova o conceito de compensação de precatórios, ampliando a compensação para os débitos de natureza diversa (multas administrativas, multas de transito e afins).
Agora, a pergunta chave: como os contribuintes poderão exercer seu direito à compensação de débitos tributários com créditos de precatórios?
Os artigos 101, 103, e o parágrafo único do artigo 104, todos do ADCT, recentemente incluídos na Carta Constitucional, deixam claro que, Estados e Municípios devedores de precatórios, já podem estar em mora, e, portanto, sujeitos à norma contida no prelecionado artigo 105. Explica-se.
Os entes tributantes encontram-se obrigados a depositar, desde o primeiro dia de 2017, os montantes orçamentários previstos pelos dispositivos constitucionais acima referenciados, em conta especial junto ao tribunal de Justiça competente. Aqueles que não tiverem cumprido com essa regra, estão em mora!
Ademais, o artigo 103 do ADCT emprega o termo “Enquanto”, bem como sujeita os entes federativos devedores ao sequestro das verbas públicas que lhe são devidas, na hipótese da não realização dos pagamentos mensais que devem fazer aos tribunais de Justiça.
Ora, com base em inúmeros princípios constitucionais, inclusive aqueles que contemplam garantias fundamentais, e, também, no bom senso, o que parece ser mais razoável: obrigar os entes devedores a quitar seus débitos de precatórios com os valores devidos pelos contribuintes e já não auferidos, ou penhorar suas receitas e fazer com que todos os cidadãos paguem a conta de sucessivas administrações públicas inadimplentes?
Em que pese a obviedade de que seria mais razoável determinar a compensação entre débitos tributários e créditos de precatórios, é essencial recordar que a segunda hipótese está bem próxima de se tornar realidade.
Considerando portanto que já há entes federativos inadimplentes com a determinação do Supremo Tribunal Federal (por ocasião do julgamento da constitucionalidade das ECs 62/09 e 30/00) e com o que foi estabelecido pelo legislador constituinte derivado, em 1º de Janeiro de 2021, todos se sujeitarão à penúria extrema, sem qualquer centavo em conta, numa situação jamais vista no Brasil. Vale lembrar o que já vimos nos Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
Diante de tudo isso, entendemos que:
I – por meio do emprego da interpretação sistemática das normas constitucionais vigentes, tornou a ser possível a compensação de precatórios nos casos de inadimplência dos entes federativos nos termos do atual Regime de Pagamentos, sem necessidade de qualquer outra lei infra constitucional específica; e/ou
II – na hipótese de se analisar a presente questão sob o prisma de uma interpretação restritiva, que todo e qualquer interessado pode impetrar, desde já, Mandado de Injunção – que, por sua vez, deve ter a sua ordem mandamental concedida, no sentido de determinar que o Poder Legislativo referente aquele ente federativo crie uma norma especifica a respeito da presente questão.
Como se pode ver, confirma-se o papel do Poder Judiciário de maior garantidor dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros, na medida em que somente este poderá impedir os desmandos dos Poderes Executivos de todas as esferas federativas. De toda sorte, deve-se inibir a continuidade do calote publico generalizado de condenações judiciais. É mandatório a um país minimamente sério, tal sobriedade.
O esforço dos entes devedores no sentido de quitar seus débitos judiciais é uma demonstração mínima de respeito ao Principio da Tripartição dos Poderes, pois o calote ocorre sobre ordens judiciais de pagamento.
Por sua vez, os respectivos Poderes Legislativos não precisariam de grandes esforços para, havendo vontade, com base em diversas legislações estaduais e municipais já promulgadas em todo território brasileiro ao longo dos anos, inclusive no Estado de São Paulo, pelo governo Covas, cumprirem com o determinado no caput do artigo 105 do ADCT. São exemplos básicos de legislação de compensação de precatórios com débitos públicos (i) o controle por meio dos Cartórios de Títulos e Documentos das Cessões de Precatórios; (ii) comprovação do depósito do pagamento do precatório diretamente na conta do cedente ou até mesmo em favor do Tabelião, em especial no tocante a precatórios alimentícios de titularidade de pessoas físicas de até R$ 150 mil, que por sua vez pagaria ao cedente; (iii) a estipulação de valor mínimo a ser pago ao Cedente, o que recomendaríamos que variasse entre 20% e 40% do valor liquido a ser compensado, conforme os benefícios ou não outorgados na compensação; (iv) regras claras dos procedimentos de compensação, retenção tributaria, entre outras, e (v) criação de um conselho de indicados pela respectiva Fazenda, em conjunto com a Procuradoria e o Poder Judiciário.
Por Pedro Corino
Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 2017, 6h43