No planejamento sucessório e na transmissão da herança, a questão do regime de bens (separação total, comunhão parcial e comunhão universal) na união estável comumente causam dúvidas e discussões, insegurança sobre os direitos do companheiro e dissenso entre os herdeiros.
A união estável e o casamento civil são reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 como “entidade familiar”, sendo que a união estável pode ser formalizada através de escritura pública firmada em Cartório de Notas ou por contrato particular de convivência registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos, elegendo-se o tipo do regime de bens.
No caso de formalização da união estável, esta permite maior flexibilidade que o casamento civil, pois é possível fazer um regime de bens misto, destacando-se, por exemplo, que parte do patrimônio, mesmo que adquirido antes da união, se comunicará com os bens que serão adquiridos pelos companheiros durante a união estável.
Contudo, é comum entre as pessoas que vivem em união estável não formalizar a união através de escritura pública ou contrato particular. E, desta forma, quando ocorrer um falecimento repentino ou precoce, será necessário que se inicie uma demanda de reconhecimento de união estável para, posteriormente, poder pleitear os direitos do companheiro de meeiro ou herdeiro na transmissão da herança do companheiro falecido.
A prova da existência da união estável, seguindo a lei 8.212/91 da Seguridade Social, é realizada mediante alguns documentos, tais como, certidão de casamento de filho em comum, declaração de imposto de renda no qual o companheiro conste como dependente, testamento no qual esteja previsto a união estável, o companheiro ser dependente em plano de saúde, atos da vida civil em comum (viagens, comemorações etc) e outros.
E quando a união estável não tiver sido formalizada em escritura pública ou contrato particular com a eleição do regime de bens, o artigo 1.725 do Código Civil estabelece que o regime de bens será o de comunhão parcial.
O STJ, apesar do Código Civil fazer distinção da sucessão na união estável (artigo 1.790) e da sucessão no casamento (artigo 1.829), tinha entendimento de aplicar às uniões estáveis os direitos previstos no Código Civil para o casamento. E a discussão foi finalizada com o recente julgamento do recurso com repercussão geral (RE 878.694), que discutia a validade destes artigos do Código Civil (1.790 e 1.829) que atribuem direitos sucessórios distintos para o cônjuge e para o companheiro, que definiu que – para fins de herança – o casamento e a união estável deve ser tratados da mesma forma, sem distinção.
Portanto, no caso de um dos cônjuges ter mais de 70 (setenta) anos, o regime da união estável será obrigatoriamente o da separação total de bens, conforme previsão do artigo 1.641 do Código Civil.
Na mesma linha, aplica-se aos direitos do companheiro os mesmos efeitos do casamento para a extinção da união estável devido ao falecimento (artigo 1.829 do Código Civil). Logo, no caso de separação total de bens, o cônjuge sobrevivente é herdeiro e concorre com os descendentes sobre os bens deixados pelo falecido e, na comunhão universal de bens, o companheiro sobrevivente é meeiro. No caso da comunhão parcial de bens, se o casal tiver angariado bens durante a união, o companheiro sobrevivente é meeiro e, no caso do falecido somente ter bens adquiridos antes do casamento, o companheiro sobrevivente é herdeiro, concorrendo com os descendentes. Em qualquer um dos regimes, os bens particulares, que são aqueles doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade, são excluídos da comunhão (artigo 1.668 do Código Civil).
Portanto, com a equiparação, para fins de herança, do casamento e da união estável, o mais seguro para o casal para evitar discussões entre os herdeiros, principalmente se houver filhos de outra união ou casamento, é formalizar a união estável, mediante escritura pública ou contrato particular de convivência, com a previsão do regime de bens.
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Juliana Assolari é advogada e membro do Family Business Club da London Business School, do Opportunity Network, da Associação de Direito de Família e Sucessões e do Family Firm Institute (FFI).
Fonte: www.migalhas.com.br