O instrumento legal que permite a indisponibilidade indiscriminada de bens pela Fazenda Pública sem autorização judicial ou direito ao contraditório, presumindo-se má-fé do contribuinte, é alvo de uma terceira ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. A mais recente foi protocolada nesta terça-feira (6/2) pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Os processos são relatados pelo ministro Marco Aurélio.
O dispositivo questionado determina que, após inscrição do débito na dívida ativa da União, o devedor que não fizer o pagamento em até cinco dias poderá ter seus bens bloqueados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Conforme a inicial, a possibilidade, aberta pelo artigo 25 da Lei 13.606/2018, que institui o Programa de Regularização Tributária Rural, o Refis do Funrural, contraria o disposto nos artigos 12 e 13 da Lei Complementar 73/93, que Instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União.
Para a entidade, a legislação não prevê que compete à Procuradoria da Fazenda Nacional atos de execução da dívida ativa de natureza tributária da União. “Os dispositivos mencionam apenas a competência de apuração e certeza da dívida e a representação da União nas ações de execução da dívida ativa e demais demandas de natureza fiscal. Destarte, não há menção alguma de que compete à PGFN, antes de instaurado o devido processo judicial de cobrança da dívida tributária, a atribuição de realizar atos de restrição patrimonial como a indisponibilidade de bens”, defende a CNA.
No caso do produtor rural, continua a entidade, a indisponibilidade decretada sem autorização judicial inviabilizaria a manutenção da atividade econômica do dono da terra, já que a propriedade no campo é utilizada para a própria obtenção de financiamentos, sem os quais o produtor não consegue adquirir matéria-prima para a produção agropecuária.
“Portanto, a decretação da indisponibilidade administrativa de bens torna inviável o próprio cumprimento da função social da propriedade rural, a qual possui regramento constitucional”, complementou.
Histórico de ações
A primeira ADI questionando a norma foi protocolada pelo PSB, alegando que a regra afronta os princípios constitucionais do devido processo legal, da reserva de jurisdição, do direito de propriedade e da isonomia. Já a Associação de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados diz que a norma sequer possibilita indicação de bem menos oneroso ao contribuinte para quitação da suposta dívida, além de impossibilitar a discussão de mérito da dívida ou demonstração de causas que extinguem a exigibilidade do crédito tributário.
Em coluna publicada na ConJur nesta quarta-feira (7/2), o advogado tributarista Roberto Duque Estrada afirma que a medida unilateral pelo Estado na cobrança da dívida ativa federal causará graves danos aos negócios dos contribuintes, que poderão ter uma série de bens imprescindíveis às suas atividades bloqueados (como capital de giro, veículos, maquinários, imóveis, ações, investimentos) como meio de coação para o pagamento de tributo.
“O que definitivamente não é razoável com as finalidades da alteração legislativa pretendida. Isso sem levar em conta que a Fazenda Pública já dispõe de instrumentos legais que permitem a imposição de restrições e de bloqueio de bens”, destacou.
ADIs 5.886, 5.881 e 5.890.
Por Marcelo Galli
Revista Consultor Jurídico, 7 de fevereiro de 2018, 16h09