O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) cancelou, em julgamento realizado nesta quinta-feira (16/8), uma cobrança fiscal de R$ 8,4 bilhões lavrada contra a Petrobras. A Receita Federal havia exigido o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre gastos da petroleira com atividades de desenvolvimento dos campos de petróleo, referentes ao ano de 2011.
O Carf já havia decidido de forma favorável à estatal em outros dois processos sobre a mesma controvérsia tributária. Ao todo, os três casos acumulam cobranças fiscais de R$ 21,4 bilhões anuladas pelo Carf, referentes aos anos de 2009 a 2011.
Os valores constam nos formulários de referência publicados pela estatal. No documento de 2016, a Petrobras atribuiu R$ 5,6 bilhões ao processo que dizia respeito a 2009, provido pelo Carf em março de 2017. O mesmo formulário de referência definiu a cifra de R$ 7,4 bilhões ao caso relativo a 2010, que estatal venceu em outubro do ano passado. Já o valor de R$ 8,4 bilhões, relacionado ao julgamento mais recente, foi divulgado nesta quinta-feira (16/8) em comunicado da Petrobras à imprensa.
Com a perda de arrecadação referente às derrotas sucessivas no Carf, o governo federal alterou em 2017 a lei que permitia a dedução das atividades de desenvolvimento no cálculo do IRPJ e da CSLL. Com a mudança no dispositivo legal que baseou as decisões favoráveis do tribunal administrativo, o Ministério da Fazenda espera aumentar a arrecadação federal em R$ 17,9 bilhões nos anos de 2018 a 2020.
Governo mudou lei para aumentar arrecadação em R$ 17,9 bilhões
Em tese, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) poderia tentar restabelecer as três cobranças fiscais em recurso à instância máxima do Carf, a Câmara Superior. Porém, para isso a PGFN deve mostrar que as turmas ordinárias do tribunal administrativo tomaram decisões em sentidos diferentes ao analisar a mesma matéria.
No entanto, com a sequência de decisões favoráveis à companhia, a PGFN não tem meios de recorrer à instância máxima do Carf. Sem o recurso à Câmara Superior, as decisões que beneficiam a estatal devem se tornar definitivas, de forma a extinguir a dívida com a Receita Federal. Isso porque a Fazenda não pode recorrer ao Judiciário contra as decisões do Carf.
Na quarta-feira (16/8), a 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do tribunal administrativo afastou a cobrança de R$ 8,4 bilhões por unanimidade. Os conselheiros entenderam que a legislação permite à estatal excluir da base de cálculo as despesas referentes à etapa de desenvolvimento dos campos de petróleo. Na visão dos julgadores, as atividades compõem a fase de produção prevista nos contratos de concessão para extração de petróleo.
A principal discussão no julgamento desta quarta-feira (16/8) se refere a quais despesas a Petrobras pode deduzir do lucro real, de forma a diminuir o valor devido em IRPJ e CSLL. Nesse sentido, a estatal e a Fazenda Nacional debateram no Carf se o desenvolvimento dos campos de petróleo integra a etapa de produção da petroleira.
O artigo nº 416 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR) determinava que a Petrobras pode deduzir do lucro líquido gastos com prospecção e extração de petróleo cru. O governo alterou este artigo do RIR por meio da medida provisória nº 795/2017, de maneira a garantir a incidência dos tributos a partir de 2018 e elevar a arrecadação.
A Petróleo Brasileiro S.A. poderá deduzir, para efeito de determinação do lucro líquido, as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, na prospecção e extração de petróleo cru
Artigo nº 416 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/1999)
A PGFN argumenta que o artigo nº 416 é inconstitucional por prejudicar a livre concorrência, já que beneficia apenas a estatal. Ao afastar a norma, a Fazenda requer que sejam aplicadas à Petrobras leis que regulamentam o setor de exploração de minério, que permitiriam a tributação dos gastos em discussão.
Ainda que a legislação do petróleo seja aplicada, a Receita Federal considera pré-operacionais as despesas com desenvolvimento. Dessa forma, as atividades não integrariam a fase da produção e seriam indedutíveis.
Por outro lado, a companhia alegou que o Carf não pode decidir sobre a constitucionalidade das leis e que o fisco deve respeitar a regra específica de dedutibilidade criada para a Petrobras. Além disso, a petroleira argumentou que as atividades de desenvolvimento compõem as despesas de produção, que podem ser excluídas do lucro líquido.
A estatal ainda alega que não faria sentido aplicar a legislação referente à exploração de minérios. Isso porque os setores estariam sujeitos a artigos diferentes da Constituição, leis distintas e órgãos regulatórios diversos.
A súmula nº 2 do Carf impede o tribunal administrativo de julgar a constitucionalidade das leis. Assim, de forma unânime, os conselheiros da 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção decidiram que a norma questionada pela PGFN se aplica à Petrobras. Ainda, os julgadores entenderam que as atividades de desenvolvimento compõem a etapa de produção da petroleira, permitindo a dedução dos gastos.
O presidente substituto da turma, conselheiro Paulo Mateus Ciccone, considerou que a legislação é clara ao criar a possibilidade de dedução para a Petrobras.
Foi feito de mão beijada para a Petrobras, porque era necessário para o país desenvolver essa área naquele momento. Foi uma política de governo, ninguém discute isso. Independentemente de se aplicar a outras [empresas] ou não, o fato é que se aplica à Petrobras
Conselheiro Paulo Mateus Ciccone, presidente substituto da 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção
Ainda que esta norma fosse afastada, Ciccone ponderou que a despesa com desenvolvimento é necessária à atividade produtiva da estatal. Para o julgador, esta condição já seria suficiente para afastar a tributação de acordo com a legislação do Imposto de Renda vigente em 2011. Assim, a turma cancelou a cobrança de forma unânime.
Processos citados na matéria:
16682.722542/2016-11 – Cobrança de R$ 8,4 bilhões referente a 2011
16682.722967/2015-49 – Cobrança de R$ 7,4 bilhões referente a 2010
16539.720015/2014-63 – Cobrança de R$ 5,6 bilhões referente a 2009
JAMILE RACANICCI – Repórter de Tributário
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